- A equipa do científico do AIMS

Desde que a Joana de Pona Ferreira assumiu a coordenação do AIMS que, pouco tempo depois, assumia pronta disponibilidade para encontrar pontes de conversa e ligação entre o maior congresso de Biomedicina e a Faculdade de Medicina. Líder discreta que no entanto nunca se ausenta por completo do seu papel de cuidadora da equipa, fui combinando com a Joana a forma mais justa de irmos dando eco dos trabalhos de uma equipa feita só de estudantes e que levava a cabo um novo desafio, organizar um congresso novamente presencial, mas agora sem esquecer que o digital já entrara na vida de todos. Nascia assim o conceito de um AIMS dois em um, o que traduzido em trabalho era quase misturar dois projetos com uma só equipa.
E assim nos fomos conhecendo, passo a passo. Etapa por etapa, anunciavam-se os momentos mais pertinentes para cada situação da agenda.
Propostas nunca esquecidas pela Joana, várias foram as viagens que fizemos às equipas e aos trabalhos. A última conversa aconteceu agora.
Para terminar de forma apoteótica, a última conversa guardava todas as duplas do grupo do Científico, à exceção do João Pires que fazia anos. Trocadas impressões sobre a possibilidade de um encontro físico ou digital entre todos, percebemos que nunca antes das 21 horas nos poderíamos reunir. Depois de dias a fio de exames e provas de fogo, abdicar de algum tempo de vida pessoal seria na verdade tudo menos abdicar de tempo, seria ganhar um novo tempo de um grupo de pessoas que deu tudo por um ideal comum, talvez maior que cada um deles. Pelo menos os próprios prefeririam que assim o disséssemos.
Segunda-feira, às 21 horas pontuais e já regressados a casa dos estágios e últimas aulas, já todos esperavam num encontro de zoom.
Reencontro de alguns conhecidos, novo momento com outras caras novas, há sempre um carimbo transversal ao AIMS, a vontade imensa de superar barreiras e de não se aceitar a palavra “impossível”. Arrogância dos inexperientes? Nada de arrogância, nem inexperiência. Ou não fossem eles os grandes impulsionadores de parte do futuro que conseguem refletir para os nossos dias, através da equipa do Departamento Científico, uma das equipas que faz subir ao palco, mais uma vez este ano, o AIMS.
O Henrique e o Nuno são a minha primeira dupla de contacto. Foram os responsáveis pelo módulo " The Day after", que acontece no último dia do congresso, o dia 13 de março. Precisaram de encontrar os oradores certos, não queriam falar da Covid-19 apenas para repetir tantos conceitos já apreendidos. A perspetiva tinha de ser positiva, apesar dos estragos e dos danos colaterais, mas mesmo diante da crise, emergem sempre as aprendizagens a não esquecer.


A fechar o ciclo de quatro grandes dias de debates e palestras, decidiram temas que se focassem na aprendizagem e na investigação. Quiseram, por isso, debater-se com uma pergunta, "Como vai a Covid-19 mudar, de forma inigualável, a investigação médica?”, explicavam-me ambos. Em menos de um ano de investigação laboratorial surgiu uma vacina, outros mais fármacos haverá, mas na versão mais humanitária, e porque não foi só a saúde que a pandemia atacou, o que se alastrou nos países, além da pandemia? “O Professor Ben Ramalingam foca-se muito em encontrar nos países mais frágeis, o conceito adaptive leadership, mostrando como usar a liderança e tomar decisões em tempo record, com implicações para as populações”, explicava o Nuno que acrescentou.
“Não queríamos falar da pandemia por falar, queríamos falar da reviravolta e da adaptação sofrida em vários domínios, para aquilo que é o nosso futuro enquanto médicos".
À procura de visões aprofundadas destes domínios, foi o mote geral desta equipa do AIMS. No dia em que acontecer o módulo "The Day After", já terá o conceito da pandemia ido embora? “Provável que não”, refletiam o Henrique e o Nuno. Na verdade, o pós-pandemia é mais valioso do que ter a resposta efetiva a esta pergunta, e para esta intrigada dupla, acontece no momento em que as perceções são já vistas e compreendidas pela maioria das pessoas.
Muito focados sobre como colocar o tema apelativo para a opinião pública, mais do que colocar o tema em si, mostraram a hesitação perante tamanho tópico que tantas vezes foi o único das agendas e que assim o foi durante 2 anos. “Poderia tornar-se algo pesado, mas aquilo que conseguimos fazer foi encontrar convidados que falassem de todos os elementos da pandemia, sem ser a título informativo e assumindo um registo mais inspiracional”, disse-nos o Henrique. "Só não queremos ir pelo caminho do slogan, "vai ficar tudo bem”, porque sabemos que não é bem assim", reforçou o Nuno, que continuou, "gostámos todos muito de fingir essa realidade, mas agora não dá mais".
"Ferida aberta, mas diferente para todos", continua a explicar-me, o facto é que "cada um foi construindo a sua própria visão da pandemia e construir um módulo assim, obriga a tentar perceber o que terá sido a pandemia para cada uma das diferentes pessoas", rematou.


Já nos conhecíamos de outras conversas, a Andreia e a Raquel debruçaram-se no módulo Reaching Balance, uma área muito ligada à Endocrinologia e Nutrição. Com três palestras à volta deste grande chapéu temático, as abordagens prometem derivar depois para a Microbiota intestinal na saúde e as consequências a nível cerebral, bem como o seu funcionamento. As terapias hormonais nos cuidados transgéneros serão mais um dos debates, e por fim o impacto das diferentes etnias na saúde e na doença e como estas se podem manifestar, explicaram-me coordenadora e coordenanda.
Numa variedade tal de temas e abordagens, pergunto se conseguem medir o pulso às plateias, auscultando o público para as áreas decididas, mas há algo novo neste grupo que em tempos anteriores não se passou. Já no 3º ano do MIM, a verdade é que não sabem o que foi o AIMS presencial até então, fruto da pandemia e do afastamento social, os grupos tornaram-se asséticos no contacto e na partilha massiva, já que estavam impedidos de convívio presencial. Medir por isso a reação da plateia terá de fazer parte apenas do bom senso e da intuição inerentes.
A ansiedade da chegada do tempo certo fá-las gerir as suas próprias expectativas. Afáveis quanto prudentes, assim são ambas a falar. Irá o público aplaudir de pé, ou aclamar aquela figura que consideravam ser a central, ou vai ficar aquém daquilo que o pensamento idealizou? Estas são as suas fugas de pensamento.
A Raquel que o diga, sempre admirou o médico Henry Marsh e talvez tenha sido devido a ele que se inspirou para seguir Medicina, mas agora que o conseguiu, como será trazer um dos oradores principais do AIMS? Como será o momento? Indago a expressão de um sorriso genuíno. "Tudo se resume a um momento tão rápido. E o que acontece é que a maior parte das vezes, nem conseguimos ouvir os "nossos oradores", porque estamos a ajudar outros departamentos com outros trabalhos, contudo, como temos agora as sessões gravadas, poderemos depois matar essa curiosidade e ver posteriormente".
Um ano intensivo de trabalho resume-se então a um fragmento de 4 dias, em que o tempo voa sem aviso, nem compasso de espera para ser devidamente saboreado.
Da recompensa de se chegar ao grande momento do evento e de se passar por ele em velocidade de cruzeiro, não apaga o sentido de desejo realizado, missão cumprida e a satisfação de ter dado certo enquanto equipa.
Situação que não precisa de ser vivida para saberem qual aquela que será a mais emblemática, cada um deles sabe qual o momento alto do programa para si. A Raquel não desanima pelo facto de provavelmente não poder ouvir em direto Henry Marsh, mas vê as coisas pelo copo meio cheio, "somos sempre nós da equipa que acompanhamos os nossos convidados ao almoço, já será uma excelente oportunidade de os conhecermos melhor. Isto depois de termos passado meses a trocar inúmeros mails e a combinar tudo com eles".
O Ricardo faz dupla com o João (que está ausente por ser o seu aniversário). Os dois encabeçam o módulo Custom-Made, que pretende mostrar um novo paradigma médico, ou seja, que a Medicina deve ser focada o mais possível no doente, mas sempre moldando-se à personalização de cada um, criando especificidades e detalhes das suas áreas, permitindo assim uma relevância muito exclusiva. A médica internista que trabalha na Apple - Lauren Cheung - é exemplo disso. O impacto da tecnologia na saúde é o seu mote temático, sendo uma das pessoas que esteve na origem da criação do Apple Watch. Por quê ter um sensor de batimentos cardíacos num relógio, ou sobre a facilidade de em alguns segundos se conseguir tirar um eletrocardiograma, num smartwatch, podem ser o começo da ponte para uma ligação muito mais vasta e enraizada do mercado com a sociedade civil. O Ricardo desenvolve a ideia, "vamos juntar duas palestras que se podem completar bastante. Um médico britânico, do National Health System, Sir Mark Caulfield, e onde já foram mapeados o genoma de 100 mil ingleses. Como sabemos, há várias empresas que nos trazem a nossa predisposição para certa doença, mas este médico coordenou um projeto inovador sobre o impacto do mapeamento genético em massa na personalização dos cuidados de saúde.

Trazemos outro investigador que não é médico, é um orador incrível, Edward Perello, que vai fazer-nos pensar muito na pergunta, "então e agora? Até que ponto podemos nós alterar o genoma de alguém, para não termos de gerar uma doença muito grave? E qual o limite para já não se poder escolher a fórmula genética que altere a cor dos olhos de um bebé?".
Jogo interessante de ideias e princípios éticos, o dia 12 levará a palco os seus próprios desafios e provocações.
Peço ao Ricardo ajuda para refletir até onde pode ir a introspeção, ou a real manifestação de interesse de uma classe inteira. Será o AIMS a porta de entrada a temas não suficientemente batidos e que podem agitar as mentes humanas? "Eu acho que a verdade é que, mesmo que tenham sido abordadas nas nossas aulas estas questões de ética, há muito para ser discutido e precisamos de nos exceder, mais do que aplicar as coisas como elas são”, continua. Inspirado e inspiracional, Ricardo entende que é a motivação de alguém que nos toca sempre a querer desafiar o conhecimento, a ir mais longe do que o conteúdo já traçado. "Se eu fizer algo que resulte muito bem, é provável que daqui a uns anos seja eu a ser convidado e a ir a um grande congresso".
Diogo é um silencioso paciente. Faz dupla com a Raquel para as Keynote Lectures e faz parte do restrito grupo que lança os desafios mais isolados, o que permite o contacto com áreas tão teóricas, como as mais pragmáticas e motivacionais.
Empreendedor e global, o AIMS gera sempre a pergunta a si próprio sobre se será o congresso mais rico pelo conteúdo, se pela lista de participantes e oradores.
Talvez menos habituado a trabalhar em equipa, agora que recorda a dinâmica de trabalho com a Raquel, o Diogo sabe que o AIMS não muda só de ano em ano os temas e os oradores, mas também intrinsecamente as pessoas que o organizam. "Nós mudamos também, na verdade qualquer experiência que tenhamos nos muda como pessoas, agora claro que o AIMS causa ainda mais impacto interior".
O AIMS é, por isso, o caminho das pistas para o futuro, "só podemos beneficiar com este evento, porque nos faz trabalhar áreas mais e menos intuitivas para nós. Dou exemplos concretos”, continua o Diogo, ”tanto trabalhamos no empreendedorismo, como na Saúde pública, ou investigação biomédica e isso faz-nos contactar com tanto. Tudo fica em perspetiva".

Este é o primeiro ano do Henrique na Comissão do AIMS. Já no 5º ano, o Henrique sabia que esta seria a sua prova de fogo, “porque depois já não haveria tempo, era agora, ou já não era. E eu não quis hesitar mais. Valeu muito a pena integrar esta equipa e embarcar no desafio. Eu queria sair da minha área de conforto, só assim sentimos que crescemos e que a experiência nos faz fazer as coisas de modo diferente."
Para o Nuno, a mesma ideia foi ainda mais sustentada, “nenhum de nós quer ser apenas um mero participante, há uma vontade que faz com que queiramos transformar o nosso último ano de Medicina em algo diferente e marcante. A forma como queremos transmitir e construir o pensamento de alguém, o sentido de querermos que o AIMS passe como mensagem a alguém, é também muito forte, pois sentimos isso como missão".
Legado que querem deixar aos seus e entre pares, querem lutar contra a desinformação e proporcionar o combate de ideias e de visões mais globais. “Posso afirmar com toda a certeza que houve mudanças conscientes e inconscientes em mim”, assim concluiu. E se o Nuno e o Henrique estão quase na meta final, já a Andreia está no 2 º ano, o que a permite contactar com realidades científicas com as quais não contactaria tão depressa. Outra forte ambivalência do projeto AIMS é saber que se estruturou muito mais emocionalmente, "sei agora que para obtermos algo, é preciso correr atrás e insistir muito. Isso aprendi no AIMS, assim como a ser menos cerimoniosa, a "incomodar" mais as pessoas e a pedir-lhes resposta, feedback. Há uns tempos atrás não me reconheceria nesta forma. Perdi a vergonha". Explica a sorrir.
Saber entrosar opiniões e comportamentos é outra das grandes aprendizagens que a todos parece ser comum. Saber ouvir opiniões contrárias e mesmo assim terem de dar as suas, tendo o discernimento de aplicar as melhores resoluções, quer concordem, quer não, são técnicas que não mais se perderão entre eles. Individualmente.
Princípio aplicado e defendido pela agora coordenadora geral, a Joana, que diz muitas vezes que "o AIMS nos dá muito mais a nós do que nós ao AIMS", a ideia passou de geração em geração com outras anteriores coordenações e isso traduz a dedicação extrema ao projeto, mas que recebe maior retorno de aprendizagem e amadurecimento individual. A Raquel e o Diogo são prova disso, este ano a coordenarem ambos o Departamento Científico, sabem que mais do que dar muito de si, é a aposta no grupo que trará o retorno completo e mantém o carimbo de assinatura deste sedimentado congresso de Biomedicina. "Agora experimentado o AIMS, permite-nos ainda ter perspetivas de carreiras que não teríamos olhando ao redor", fundamentou a Raquel.
Equilíbrio de forças entre diversos anos do curso, o Ricardo e o João são uma boa dupla entre um que já faz os anos clínicos e outro que em breve para lá irá. É isso também o AIMS, um encontro multicultural e integrativo de temas, pessoas e experiências.
Nunca param de querer superar a meta do ano anterior e o facto é que o conseguem. Achando que já não se alcançaria mais nem melhor, a verdade é que o melhor vem sempre e está guardado para o fim.

Em forma de despedida de uma equipa empenhada e cheia de sonhos, perguntámos o que será para eles, pessoalmente, o "The Day After". O momento foi de um longo expectável silêncio, como se só então caíssem em si e se perguntassem, "Como assim, mas o AIMS vai mesmo já terminar para nós?".
Depois do evento o grupo e o trabalho tenderão a atenuar. As atualizações de ficheiros e os chats de troca de recados também. Uns já mais sozinhos para diante, outras na continuidade do ritmo alucinante entre aulas, exames e práticas, todos dirão adeus a uma família a full time, a família que agora volta a encarnar os personagens iniciais. Entre o cansaço, a realização e o sentido crítico para analisar o que poderiam ter feito melhor, mais individualistas, ou mais dependentes das rotinas, este foi um grupo dos sonhadores que tiveram a coragem de arriscar e pôr à prova os sonhos, por mais pudor que tivessem e medo de o revelar.
A todos boa sorte, nós cá estaremos para vos aplaudir!
