A Reforma do Ensino Clínico proporcionou aos alunos um maior contacto com os doentes e com os docentes/médicos, tendo existido uma maior aposta na vertente prática onde os alunos terão a oportunidade de contactar com a realidade e assim desenvolver as suas características pessoais. “Cada aluno faz o seu percurso de desenvolvimento individual, organizando o seu tempo e estudo. Quando chega o momento de avaliação, esta vertente individual também se verifica, porque está numa avaliação individual com um teste de escolha múltipla e depois o OSCE volta a individualizar o aluno, mas com a garantia que está a fazer o mesmo que todos os outros, tal como acontece no teste de escolha múltipla”, mencionou João Eurico Cabral da Fonseca, Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL).
O Médico Reumatologista, coordenou o processo de implementação da nova Reforma do Ensino Clínico, concentrando-se essencialmente na estruturação da nova dupla de áreas Medicina-Cirurgia dos 4º e 5º anos. Numa entrevista à news@FMUL em junho do ano passado, momento em que se afinavam os últimos pormenores para implementar a Reforma, o Professor afirmou que para se criar um bom médico é necessário ter várias camadas: “a primeira é o gosto pelo estudo, nenhum aluno vem para Medicina se não gostar de estudar; a segunda diz-nos que um bom médico tem que ter um contacto mínimo com diversas realidades; e, por fim, a terceira camada, e que é aquilo que vai diferenciar a carreira de um médico, diz respeito às suas atitudes”.
De acordo com o Professor, as atitudes não dizem só respeito ao exercício da Medicina, mas também a todas as áreas profissionais. As pessoas são preparadas com determinados conjuntos de informação e depois são as atitudes que os diferenciam.
Existem vários motivos pelos quais os OSCEs são importantes, tais como, testar gestos, ou seja, técnicas de exame objetivo, ou técnicas interventivas terapêuticas; testar a maneira de colher uma história e valorizar dados clínicos e, por fim, consegue também avaliar a forma como o aluno comunica com um doente, como por exemplo, o modo como elabora um pedido de autorização para um procedimento ou informação sobre um diagnóstico, a obtenção de consentimento para uma técnica ou tratamento e, também, para avaliar uma decisão terapêutica (que terapêutica fazer; como fazer; como informar). “Este método de exame tem como mérito principal a capacidade de avaliar de uma forma mais objetiva e simplificada”, afirmou.
A reforma do ensino veio reformular o modelo de avaliação, como olha para a implementação da OSCE em concreto e quais os benefícios que aponta?
JECF: Esta técnica de avaliar integra-se na remodelação do ensino, porque um dos conceitos desta remodelação é a integração de conteúdos. Por isso, os OSCEs inserem-se na Reforma, como sendo processos de avaliação integrada, onde os alunos vão ser testados, todos ao mesmo tempo, com todas as valências que estiveram a ser treinadas durante o semestre anterior. Ao contrário dos modelos anteriores em que as avaliações eram setoriais, realizadas em momentos diferentes, e de forma significativamente menos objetiva. Por outro lado, uma padronização da avaliação ajuda a que as várias áreas disciplinares reflitam sobre a estruturação e a padronização do seu próprio ensino. Portanto, o ensino tem que ter uma estrutura diferente para que faça sentido com o que é solicitado mais tarde na OSCE. Há uma integração interessante do conceito OSCE com a Reforma do Ensino.
De que forma isto nos distingue das outras faculdades?
JECF: No mundo, as faculdades de medicina são todas diferentes e têm métodos distintos. Na europa, há faculdades que seguem metodologias muito clássicas, com um ensino muito teórico e o contacto com os doentes é bastante tardio e pouco valorizado. Depois temos outras faculdades no inverso absoluto. Começam no 1º ano com um intenso contacto com doentes-padrão, e um contacto precoce com doentes reais, e ao mesmo tempo desenvolvem o conhecimento teórico que vai desde os aspetos mais básicos do conhecimento biomédico até aos aspetos clínicos. Os aspetos de avaliação também variam muito de escola para escola.
Aquilo que implementamos é inovador em relação à nossa faculdade. Não tínhamos este tipo de estruturação e, por outro lado, o método de avaliação é revolucionário. O que nós queremos aplicar em termos de Reforma do Ensino, e é isso que estamos a tentar fazer no 4º e 5º ano, é permitir autonomia e responsabilidade aos alunos, ou seja, dar-lhes tempo para que possam estudar e realizar as suas atividades de organização do tempo e do conhecimento. Assim sendo, isto permite aos alunos estarem inseridos num pequeno grupo, em contacto com docentes clínicos, proporcionando-lhes um ensino mais personalizado com foco na componente prática e em contacto com o docente. Ao mesmo tempo, programam-se sessões teórico-práticas com grupos relativamente restritos, em contacto estreito com o docente, em que se procura refletir situações clínicas de uma forma mais estruturada. Antes das teórico-práticas os alunos têm tempo para consultar as fontes bibliográficas, disponibilizados no moodle, e tudo isto permite ao aluno ser um estudante autónomo. Apesar de estar inserido num grupo muito grande de outros alunos, cada um faz o seu percurso de desenvolvimento individual, organizando o seu tempo e estudo. No momento da avaliação, esta vertente individual volta a verificar-se através de um teste de escolha múltipla e o OSCE, mas com a garantia que está a fazer o mesmo percurso, com os mesmos critérios, que todos os outros.
Concorda que é necessário um ajuste em quem prepara as aulas práticas e em quem está a avaliar?
JECF: Nos últimos dois anos, o Departamento de Educação Médica (DEM) tem organizado diversas formações que carecem de um maior empenho na participação, por parte do corpo docente. São vários os temas abordados, como por exemplo, os OSCEs, ou como realizar um teste de escolha múltipla, e é fundamental que todos participem porque um Professor não é treinado para saber fazer estes modelos de exames. Esta aprendizagem surge de uma forma espontânea à medida que vamos participando no ensino, por isso, há de facto uma grande margem de progressão do corpo docente como um todo.
Para trazer os OSCEs da teoria para a prática é necessário um treino de todas as partes envolvidas nestes procedimentos, quer os docentes, quer os discentes. É essencial ter cuidado para que o ensino prévio à avaliação já preveja que determinadas situações vão ser efetivamente testadas, portanto, é preciso aplicar um ensino prático que prepare o aluno minimamente para aquilo que os OSCEs vão pedir.
Será feita alguma avaliação para perceber o que há ainda a melhorar?
JECF: Há uma comissão de avaliação da implementação da Reforma que está a recolher a informação com base em inquéritos, junto dos docentes e dos discentes do 4º ano. Agora com o fim do 1º semestre vão avançar com este balanço, elaborando um documento que servirá como base para melhorar o próximo 4º ano e para fazer uma preparação adequada da implementação do próximo 5º ano. Evidentemente que o 5º ano tem determinadas particularidades, mas muito daquilo que o 5º ano vai fazer ou não é aprendido com suporte no trabalho pioneiro do 4º ano.
Como balanço, como estão os alunos a adaptar-se a esta nova forma de avaliar?
JECF: Não há dúvida de que a reforma foi implementada para continuar. Foi uma revolução absoluta no funcionamento do ensino e avaliação da nossa faculdade, exigindo enormes adaptações em conceitos bastante clássicos. Inevitavelmente teve problemas, como é normal, mas diria que correu muitíssimo melhor do que provavelmente todos estavam à espera. Em particular, o nível de organização dos OSCE foi excelente e a isso devemos ao trabalho de uma equipa vasta envolvendo docentes e staff administrativo da faculdade liderada pelo Professor Diogo Ayres de Campos. Em relação à forma como na prática pequenas coisas correram, iremos ter de refletir em vários aspetos, nomeadamente, a nossa própria técnica de elaboração das várias estações; a forma como nós preparamos os alunos para responder; a forma como podemos de alguma maneira vir a dar feedback aos alunos, uma vez que da forma como está desenhado não é possível dar esse feedback. Por fim, a forma como os circuitos são montados obriga inevitavelmente a tempos de espera que, por vezes, estão no limite do razoável e de alguma maneira devemos otimizar os circuitos de modo a não termos tempos de espera tão extensos.
Em suma, diria que na globalidade há mais pontos positivos do que negativos. Logo, o balanço é bom, mas com a consciência que este processo de Reforma na avaliação é um processo de melhoria contínua, a cada passo devemos identificar os problemas e melhorar, e assim sucessivamente.
Leonel Gomes
Equipa Editorial
