Momentos
O Renascer do Haiti – A Experiência de Fernando Nobre

Dia 12 de Janeiro de 2010, pelo final da tarde, um dos países mais pobres do nosso planeta era flagelado por um violentíssimo sismo que deixou um rasto de morte, sofrimento e destruição que comoveu o mundo.
O Haiti, segundo pais a tornar-se independente no Continente Americano após os E.U.A., país de escravos negros libertos tem um historial trágico que, em boa parte, explica os números impressionantes da recente tragédia: seguramente mais de 250 mil mortos e um milhão de deslocados por todo o país, com particular relevo na sua capital Port-au-Prince.
Vale a pena, em poucas palavras, e fazendo uso apenas da minha memória, relembrar essa história trágica. O Haiti, que visitei pela primeira vez o ano passado, em Outubro, para estabelecer duas parcerias com Organizações Não Governamentais locais, tendo em conta a sua gravíssima situação social (80% de pobreza da sua população, e a sua vulnerabilidade aos furacões que de forma violenta e crescente atravessam o Caribe em direcção ao Golfo do México) nunca foi verdadeiramente reconhecido como país independente, pese embora a sua população negra escrava se ter libertado militarmente da França, derrotando sucessivos generais de Napoleão, em 1804.
De 1804 até hoje, tirando raríssimas excepções de períodos de acalmia política e de alguma prosperidade, o Haiti vivenciou uma descida aos infernos ao contrário da sua vizinha a República Dominicana que ocupa 2/3 do leste da superfície da ilha achada por Cristóvão Colombo aquando da sua primeira viagem e que nomeou de Hispaniola.
Golpes de Estado, revoluções, assassinatos ou suicídios de vários heróis da independência e de sucessivos presidentes; pesadíssimo tributo pago à sua ex-potência colonizadora, a França, a titulo de indemnização, para que a sua independência começasse a ser paulatinamente reconhecida por sucessivos Estados (só uns 60 anos após a sua verdadeira independência conquistada militarmente); dura ocupação militar norte-americana de 1915 a 1934 para impedir, nomeadamente, a nacionalização por parte do governo do Haiti de extensos terrenos agrícolas; ditaduras terríveis do médico François Duvalier e do seu filho e, finalmente, o recente exílio manu-militari para a África do Sul pelos EUA do seu Presidente, o ex-padre Aristide, que simbolizava enfim talvez alguma esperança após décadas e décadas de pobreza, sofrimento e subdesenvolvimento crónico com períodos de agudíssima violência.
Foi neste cenário e quando alguma estabilização política se deixava antever, após a acção de quase 10 mil funcionários das NU (militares, polícias e civis), que aconteceu o recente terramoto que matou, destruiu e apavorou o Haiti até hoje. Foi o que constatei quando lá estive com as equipas da AMI em Janeiro e Fevereiro.
O que também pude constatar, e esse constitui o grande factor de esperança para o eventual renascimento do Haiti, foi e é o formidável abraço de solidariedade e fraternidade generosas e espontâneas que o povo haitiano recebeu, e continua a receber, de muitos povos e governos do mundo inteiro. Tal faz-me crer que, efectivamente, a Cidadania Global Solidária está em marcha e é imparável. Todos os povos compreendem e profundamente interiorizam, que amanhã poderão ser, eles também, vítimas de um cataclismo natural, cada vez mais provável com as alterações climáticas em curso, e necessitarem o apoio fraterno dos outros povos. A aflição global despoletou a Cidadania Global Solidária!
O renascer do Haiti, ainda incipiente, dependerá da persistência da ajuda e da dimensão e do espírito dessa mesma ajuda.
Importa desde já acautelar a explosiva situação social e as revoltas populares que uma tal situação pode provocar.
Por isso, logo terminada a fase de urgência que ainda decorre e que não deverá ultrapassar os 6 meses, importará não só reconstruir fisicamente o Haiti, mas criar as verdadeiras condições de sustentabilidade, politicas, económicas, civis, sociais, ambientais e culturais, que permitam que o Haiti saia, enfim, das tenazes do subdesenvolvimento, miséria e violência onde vive mergulhado há pelo menos dois séculos.
Para o Haiti poder renascer é preciso criar postos de trabalho, paz, união política nacional e apoio internacional, geradores de esperança!
Resta desejar e esperar que todo esse esforço não esmoreça, desviado por outras tragédias que inevitavelmente o mundo enfrentará.
A AMI está comprometida com o Haiti para os próximos anos, assim como ainda continua comprometida com o Sri Lanka vítima do Tsunami de 2004.
Só com persistência da ajuda internacional verdadeiramente solidária e com objectivos claros e responsáveis da parte dos responsáveis políticos, económicos e sociais, do Haiti e da comunidade internacional, é que a experiência, hora encetada, do renascimento do Haiti chegará a bom porto. O povo do Haiti merece que assim aconteça!
Prof. Doutor Fernando de La Vieter Nobre
Fundador e Presidente da Fundação AMI

