Investigação e Formação Avançada
Mestrado em Ciências da Dor - Descoberta Pessoal
“O Homem e a Morte”
“O homem estava deitado dentro da noite sem cor.
Ia adormecendo, e nisto à porta um golpe soou.
Não era pancada forte. Contudo, ele se assustou,
Pois nela uma qualquer coisa de pressago adivinhou.
Levantou-se e junto à porta
- Quem bate? Ele perguntou.
- Sou eu, alguém lhe responde.
- Eu quem? Torna. – A Morte sou.
Um vulto que bem sabia pela mente lhe passou:
Esqueleto armado de foice que a mãe lhe um dia levou.
Guardou-se de abrir a porta, antes ao leito voltou,
E nele os membros gelados cobriu, hirto de pavor.
Mas a porta, manso, manso, se foi abrindo e deixou Ver
- Uma mulher ou anjo?
Figura toda banhada de suave luz interior.
A luz de quem nesta vida tudo viu, tudo perdoou.
Olhar inefável como de quem ao peito o criou.
Sorriso igual ao da amada que amara com mais amor.
- Tu és a Morte? Pergunta.
E o Anjo torna: - A Morte sou!
Venho trazer-te descanso do viver que te humilhou.
- Imaginava-te feia. Pensava em ti com terror…
És mesmo a Morte? Ele insistiu.
- Sim, torna o Anjo, a Morte sou,
Mestra que jamais engana. A tua amiga melhor.
E o Anjo foi-se aproximando, a fronte do homem tocou,
Com infinita doçura as magras mãos lhe cerrou…
Era o carinho inefável de quem ao peito criou.”
O mestrado em Ciências da Dor, do qual fui aluna assídua, e o de Cuidados Paliativos, que frequento presentemente, irromperam da auscultação e empatia pelo sofrimento dos doentes oncológicos e da necessidade imensa de o diminuir.
Desempenhei funções como enfermeira, durante sete anos, no Departamento de Otorrinolaringologia, Voz e Perturbações da Comunicação, do Hospital de Santa Maria de Lisboa. Deparei-me, assim, com doentes que sofrem com tumores da cabeça e pescoço. Esta patologia traz grandes alterações das funções dos órgãos que atinge, bem como da auto-imagem, auto-estima, alterações sociais, familiares e profissionais.
Os Cuidados Paliativos são uma parte integrante e quase integral do Departamento. Desta forma, senti a necessidade de aprofundar e aplicar os meus conhecimentos para prestar apoio total ao doente e à sua família e de reflectir sobre os problemas existentes, procurando a sua resolução. O investimento na formação é a única forma de conseguir combater e refutar as imperfeições pessoais e profissionais inerentes à equipa.
Trabalhar com doentes oncológicos e terminais foi para mim uma dádiva. Acredito que nesta vida nada acontece por casualidade e trabalhar com eles fez-me crescer, não só em termos profissionais, mas particularmente em termos pessoais.
A vivência com a morte muda as pessoas e mudou-me a mim. O sentimento de imortalidade que toda a vida se destacou é enterrado para dar lugar ao de letalidade. A morte faz-nos meditar e ouvir a nossa efémera vida. Faz-nos questionar sobre muitos medos: da dor, de perder os recursos materiais, de perder a nossa dignidade, do desconhecido e da separação. Faz-nos pensar na nossa vida passada e, muitas vezes, deparamo-nos com o sentimento de culpa pelo que não foi feito ainda em vida.
O doente terminal, como todos nós, vai morrer mas ainda está vivo, ainda respira, sente e ouve. Cabe aos profissionais de saúde decidir deixar morrer o doente ainda em vida ou ajudá-lo a abraçar os seus últimos instantes.
Como Schwartz disse: “Vou morrer ou vou viver?”. O corpo do doente, mesmo debilitado, não deixa de ser apenas uma parte do que nós somos. Comentários como - “O que quer que eu faça? O doente está a morrer!” - quando se procura ajuda para aliviar o desconforto do doente, são completamente mortificantes, obtusos e incompreensíveis nos dias de hoje.
Todos somos iguais quando olhamos de frente a morte e ela é a nossa amiga mais fiel.
A vida deve ser vivida diariamente, devemos aprender com os nossos erros e dar importância àquilo que vale verdadeiramente a pena: Cuidar do outro, quer sejam médicos, enfermeiros ou outros profissionais de saúde, todos nos formamos para Cuidar do outro.
Não sou perfeita, nem em termos profissionais nem pessoais, mas tento sempre aprender com os erros que cometo. Os cursos de especialização em Ciências da Dor e o de Cuidados Paliativos, são uma forma de eu aprender mais e adelgaçar os meus defeitos.
Com uma enorme alegria e vontade de aprender, estudei, estudo e descobri, ao longo destes anos de trabalho, a necessidade de reflectir sobre as necessidades dos doentes.
Mais do que um mestrado centrado na descoberta da dor e da paliação, estes permitem descobrir-me a mim própria e as pessoas de quem cuido.
Nós, profissionais de saúde, nunca devemos desistir, pois quando procuramos ser melhores do que somos, tudo à nossa volta se torna melhor também.
A formação contínua na área dos cuidados paliativos é a chave para ajudar o outro e para nos ajudar a nós próprios.
Espero que, para fortuna dos doentes e nossa melhor Ciência de Cuidados, consigamos encarar os nossos próprios medos e nunca desistir de Cuidar.
Ambiciono, nunca parar de aprender e reflectir, e logo, ajudar a posicionar-me de forma mais clara e mais versada sobre este grande mistério da existência humana.
Em nome da minha descoberta pessoal e da dignidade humana.
Ana Catarina Sanches Infante
(Enfermeira)
Unidade de Queimados do Hospital de Santa Maria de Lisboa
infante.sanches@gmail.com
“O homem estava deitado dentro da noite sem cor.
Ia adormecendo, e nisto à porta um golpe soou.
Não era pancada forte. Contudo, ele se assustou,
Pois nela uma qualquer coisa de pressago adivinhou.
Levantou-se e junto à porta
- Quem bate? Ele perguntou.
- Sou eu, alguém lhe responde.
- Eu quem? Torna. – A Morte sou.
Um vulto que bem sabia pela mente lhe passou:
Esqueleto armado de foice que a mãe lhe um dia levou.
Guardou-se de abrir a porta, antes ao leito voltou,
E nele os membros gelados cobriu, hirto de pavor.
Mas a porta, manso, manso, se foi abrindo e deixou Ver
- Uma mulher ou anjo?
Figura toda banhada de suave luz interior.
A luz de quem nesta vida tudo viu, tudo perdoou.
Olhar inefável como de quem ao peito o criou.
Sorriso igual ao da amada que amara com mais amor.
- Tu és a Morte? Pergunta.
E o Anjo torna: - A Morte sou!
Venho trazer-te descanso do viver que te humilhou.
- Imaginava-te feia. Pensava em ti com terror…
És mesmo a Morte? Ele insistiu.
- Sim, torna o Anjo, a Morte sou,
Mestra que jamais engana. A tua amiga melhor.
E o Anjo foi-se aproximando, a fronte do homem tocou,
Com infinita doçura as magras mãos lhe cerrou…
Era o carinho inefável de quem ao peito criou.”
O mestrado em Ciências da Dor, do qual fui aluna assídua, e o de Cuidados Paliativos, que frequento presentemente, irromperam da auscultação e empatia pelo sofrimento dos doentes oncológicos e da necessidade imensa de o diminuir.
Desempenhei funções como enfermeira, durante sete anos, no Departamento de Otorrinolaringologia, Voz e Perturbações da Comunicação, do Hospital de Santa Maria de Lisboa. Deparei-me, assim, com doentes que sofrem com tumores da cabeça e pescoço. Esta patologia traz grandes alterações das funções dos órgãos que atinge, bem como da auto-imagem, auto-estima, alterações sociais, familiares e profissionais.
Os Cuidados Paliativos são uma parte integrante e quase integral do Departamento. Desta forma, senti a necessidade de aprofundar e aplicar os meus conhecimentos para prestar apoio total ao doente e à sua família e de reflectir sobre os problemas existentes, procurando a sua resolução. O investimento na formação é a única forma de conseguir combater e refutar as imperfeições pessoais e profissionais inerentes à equipa.
Trabalhar com doentes oncológicos e terminais foi para mim uma dádiva. Acredito que nesta vida nada acontece por casualidade e trabalhar com eles fez-me crescer, não só em termos profissionais, mas particularmente em termos pessoais.
A vivência com a morte muda as pessoas e mudou-me a mim. O sentimento de imortalidade que toda a vida se destacou é enterrado para dar lugar ao de letalidade. A morte faz-nos meditar e ouvir a nossa efémera vida. Faz-nos questionar sobre muitos medos: da dor, de perder os recursos materiais, de perder a nossa dignidade, do desconhecido e da separação. Faz-nos pensar na nossa vida passada e, muitas vezes, deparamo-nos com o sentimento de culpa pelo que não foi feito ainda em vida.
O doente terminal, como todos nós, vai morrer mas ainda está vivo, ainda respira, sente e ouve. Cabe aos profissionais de saúde decidir deixar morrer o doente ainda em vida ou ajudá-lo a abraçar os seus últimos instantes.
Como Schwartz disse: “Vou morrer ou vou viver?”. O corpo do doente, mesmo debilitado, não deixa de ser apenas uma parte do que nós somos. Comentários como - “O que quer que eu faça? O doente está a morrer!” - quando se procura ajuda para aliviar o desconforto do doente, são completamente mortificantes, obtusos e incompreensíveis nos dias de hoje.
Todos somos iguais quando olhamos de frente a morte e ela é a nossa amiga mais fiel.
A vida deve ser vivida diariamente, devemos aprender com os nossos erros e dar importância àquilo que vale verdadeiramente a pena: Cuidar do outro, quer sejam médicos, enfermeiros ou outros profissionais de saúde, todos nos formamos para Cuidar do outro.
Não sou perfeita, nem em termos profissionais nem pessoais, mas tento sempre aprender com os erros que cometo. Os cursos de especialização em Ciências da Dor e o de Cuidados Paliativos, são uma forma de eu aprender mais e adelgaçar os meus defeitos.
Com uma enorme alegria e vontade de aprender, estudei, estudo e descobri, ao longo destes anos de trabalho, a necessidade de reflectir sobre as necessidades dos doentes.
Mais do que um mestrado centrado na descoberta da dor e da paliação, estes permitem descobrir-me a mim própria e as pessoas de quem cuido.
Nós, profissionais de saúde, nunca devemos desistir, pois quando procuramos ser melhores do que somos, tudo à nossa volta se torna melhor também.
A formação contínua na área dos cuidados paliativos é a chave para ajudar o outro e para nos ajudar a nós próprios.
Espero que, para fortuna dos doentes e nossa melhor Ciência de Cuidados, consigamos encarar os nossos próprios medos e nunca desistir de Cuidar.
Ambiciono, nunca parar de aprender e reflectir, e logo, ajudar a posicionar-me de forma mais clara e mais versada sobre este grande mistério da existência humana.
Em nome da minha descoberta pessoal e da dignidade humana.
Ana Catarina Sanches Infante
(Enfermeira)
Unidade de Queimados do Hospital de Santa Maria de Lisboa
infante.sanches@gmail.com