Esta ideia soou no início de mais um ano letivo num auditório cheio de novos estudantes de Medicina e de Ciências da Nutrição. Jovens que, na sua maioria, tinham acabado o secundário há pouco, com notas elevadas e um sonho que os trouxe até ao Edifício Egas Moniz, da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FML), no Hospital de Santa Maria (HSM).
Quem a proferiu conhece bem a faculdade, o curso e a medicina. Médico Oncologista, Diretor do serviço no HSM e professor da casa, o Professor Luís Costa fez uma pausa depois de a dizer:
“O Curso de Medicina não se faz sozinho...”
(Nós, no Gabinete de apoio ao Estudante da FMUL acrescentamos: “Nem o de nutrição. Nem nenhum curso superior”.)
Pareceu-me que nesses segundos de silêncio olhou todos os alunos nos olhos, um a um, para que a mensagem lhes chegasse com o impacto que pretendia.
Esta mensagem, aviso, alerta, conselho, talvez não seja possível incorporar totalmente na primeira semana de aulas, na excitação dum objetivo alcançado, nas expectativas otimistas, nos receios e nas fragilidades que desejamos impercetíveis.
"Mas ninguém está sozinho professor! O auditório está cheio! Em breve os estudantes estarão enturmados. Mesmos os mais introvertidos vão encaixar. Parece quase inevitável!”. Ninguém o disse, mas acredito que possa ter sido pensado.
O experiente professor sabe disso e sabe que a realidade não será tão... cor de rosa. Por isso insiste e explica: “O curso traz inúmeros desafios. E alguns desafios ultrapassam-se com os outros. Com os companheiros de viagem”.
Esta experiência, este saber, contrata com a experiência de muitos estudantes que entraram na FMUL: foi o seu esforço e a sua dedicação muitas vezes solitária, de estudarem horas a fio, mais do que os seus amigos e colegas do décimo ao décimo segundo, às vezes depois de outro curso, tantas vezes sem a compreensão dos seus pares que os fez conseguir! “Conseguimos! Valeu a Pena!”. Será esta a estratégia novamente utilizada quando o curso apertar. Quando se aproximar as provas de anatomia, no primeiro ano. Quando se preparam para a Prova Nacional de Acesso (PNA), no último ou no estágio final de LCN.
Sabemos que grande parte dos alunos que procura o Espaço S, normalmente com quadros ansiosos e depressivos, está com a sua rede social diminuída, reduziu do secundário para cá, muitas atividades lúdicas, artísticas e desportivas. Reduziram os momentos e as atividades em que estavam descontraídos, alegres e divertidos. Os momentos com os seus pares centram-se no espaço faculdade: encontram-se para as aulas, para os trabalhos, para estudar. Conversam sobre a quantidade de trabalho e sobre o estudo em atraso. Comparam-se e competem.
Muitos estudantes em acompanhamento confessam que deixam de estar na faculdade e com os colegas por causa disso: sentem-se mais atrasados, mais aflitos e inferiores aos outros. Parece melhor estar só que “mal” acompanhado.
Ansiedade, isolamento, cansaço, dúvidas...
Alunos altamente competentes que começam a desacreditar em si próprios.
“O Curso de Medicina não se faz sozinho”, disse aquele sábio professor naquele primeiro ano...
Sabemos que as relações positivas, a qualidade e efetividade da nossa rede social, o ambiente familiar, portanto, as relações significativas têm um impacto significativo no bem-estar dos indivíduos e na sua saúde mental! Sabemos, por oposição às doenças mentais, que o bem-estar psicológico potencia o desempenho dos indivíduos, que facilita a aquisição de novas competências e a assimilação de informação e conhecimento.
Por isso Newton teorizou a gravidade quando descansava debaixo de uma árvore e Arquimedes resolveu o dilema do rei Hierão ao relaxar num banho de imersão! Bem, “reza a lenda...” mas ajuda nesta ideia:
Um estudante será melhor estudante, o curso, difícil e exigente, será-o um pouco menos, se existir um equilíbrio entre trabalho-lazer-descanso, entre momentos individuais e cooperação com o outro, entre foco e descontração.
A relação, o grupo, a partilha, o apoio, a confiança, a cooperação, a amizade, o companheirismo, a alegria, o estímulo, o respeito por si próprio e pelos outros são fundamentais para estes equilíbrios.
Nem me parece possível ser bom médico sem boa nota nestas matérias.
O Curso não se faz sozinho. Obrigado Professor Luís.
Relativamente à integração e socialização:
- Estar na faculdade: utilizar os espaços da faculdade para estudar, fazer as refeições, tomar café. Evitar chegar à faculdade só para as aulas e sair assim que terminam.
- Procurar as atividades promovidas pela Associação de Estudantes, pela Faculdade e pela Universidade: através dos interesses pessoais estabelecer relacionamentos com outras pessoas que partilham desses interesses. No Estádio universitário podemos encontrar diversas atividades desportivas.
- Ser pró-ativo relativamente a programas fora da faculdade: desafiar colegas e aceitar convites para ir ao cinema e a outros espetáculos (dica económica: seguir sites que publicitam atividades gratuitas), jantar fora, sair à noite, fazer desporto, ir à praia ou até estudar fora da faculdade.
- Utilizar as redes sociais relativas à faculdade e à vida académica e os grupos de estudantes em aplicações para desenvolver os seus contatos.
Relativamente ao bem-estar psicológico e ao autocuidado:
- Compreender e respeitar o equilíbrio trabalho-lazer-descanso.
- Definir períodos de sono noturno estáveis (7-9 horas de sono).
- Definir, no início do ano, um plano de estudo (identificar as cadeiras que implicam um trabalho regular desde o inicio, diminuindo o stress nas épocas de exame).
- Manter atividades que produzem bem-estar, prazer, satisfação (sociais, desportivas, artísticas, recreativas) mesmo durante as épocas de maior trabalho/estudo.
- Cuidar da alimentação e da saúde física.
- Utilizar estratégias de controlo do stress e da ansiedade: priorizar tarefas, focar em menos tarefas evitando a dispersão por muitas, prever e preparar momentos de maior exigência, utilizar técnicas de relaxamento.
- Fazer pausas: sejam as “pequenas” pausas entre horas de estudo, sejam “grandes pausas” como tirar um fim de semana sem estudo e aproveitar a família e os amigos, ou tirar um dia de folga depois de fases mais intensas.
- Estar atento aos sinais do nosso corpo: cansaço, insónia, irritabilidade, falta de memória e de concentração, etc.
Rui Martins
Psicólogo do Espaço S