A 12 de janeiro de 2022, na Aula Magna da FMUL, decorreu a Aula de Jubilação do Professor Carlos Calhaz Jorge.
Docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, chegou ao topo da carreira académica, desempenhando funções de Professor Catedrático na Clínica Universitária de Ginecologia e Obstetrícia. No Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN), foi Diretor do Departamento de Obstetrícia, Ginecologia e Medicina da Reprodução e do Centro de Procriação Medicamente Assistida. É membro efetivo do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA), tendo sido eleito em 2007 pela Assembleia da República. O CNPMA é a entidade reguladora para as técnicas de reprodução assistida e é um órgão funcionalmente associado à Assembleia da República. Atualmente e até 2023, é Presidente na European Society of Human Reproduction and Embryology (ESHRE).
Esta sessão teve inicio com o discurso de Fausto J. Pinto, Diretor da FMUL. “A sua aula de jubilação, assinala hoje um percurso de 70 anos, um percurso de vida. O culminar de uma carreira brilhante.”
A “Medicina de Reprodução – a minha vivência”, foi o tema desta lição, “em grande parte” são temas que “se sobrepõem muito” na vida do Professor. “A soma de conhecimentos básicos e o desenvolvimento de técnicas terapêuticas que levaram ao aparecimento” da Medicina de Reprodução, como subespecialidade da ginecologia e obstetrícia, no final dos anos 70 e início da década de 80.
O Professor Calhaz Jorge levou-nos consigo numa viagem aos seus 50 anos de experiência.
Como influências marcantes na sua vida profissional, o Professor identificou, em primeiro lugar o Dr. Manuel Neves e Castro, que conheceu no IPO de Lisboa, “tinha estado na América, durante uns anos”, e que, abriu a Calhaz Jorge, “perspetivas absolutamente novas de uma área de interesse” – a ginecologia endócrina – que juntava as duas áreas de interesse, Ginecologia e Endocrinologia. O Dr. Manuel Neves e Castro trouxe dos Estados Unidos “uma maquineta, mecânica, que era um curso de ginecologia para autoaprendizagem” que deixava Portugal a anos luz da realidade tecnológica dos EUA.
Como segunda referência Calhaz Jorge refere Luís Sobrinho, Diretor do Laboratório de Endocrinologia do IPO na altura, “com o Professor Luís Sobrinho, não só aprendi a investigação clínica como deve ser, translacional um pouco, mas aprendi sobretudo a ver as pessoas como pessoas inteiras e os doentes com uma dimensão psicológica absolutamente avassaladora, que me permitiu aprender e desenvolver os meus instintos quanto à forma como valorizar o que os doentes nos dizem, como interpretar os sinais do que não nos dizem e globalmente avaliar as situações clínicas no seu todo”, referiu. Com Luís Sobrinho, Calhaz Jorge publicou o primeiro artigo enquanto coautor, em 1980, numa das revistas mais importantes da área.
“A terceira pessoa marcante na minha vida foi o Professor Pereira Coelho”, que conheceu antes de entrar para a especialidade, em 1980.
“Na altura, a clínica da medicina da reprodução, na altura a infertilidade, era muito pobre de recursos. O que se fazia genericamente era tentar identificar a causa, mas as técnicas eram muito limitadas. Tínhamos fármacos para estimular a ovulação”, relembra Calhaz Jorge.
Nos anos 50 aconteceu a primeira inseminação com recurso a esperma congelado.
O grande acontecimento foi o nascimento da primeira criança em resultado de uma fertilização in vitro (FIV), Louise Brown, em 1978, no Reino Unido, resultado de muitos anos de trabalho. A partir daqui foram surgindo novas técnicas, por exemplo 1983, “nasceu a primeira criança resultante embriões crio preservados.
Na década de 90 nascia o conceito de Procriação Medicamente Assistida.
Em 2014 ocorreu o primeiro nascimento de criança após transplante uterino.
Em 2018 ocorreu o nascimento de crianças após edição génica de embriões.
As conotações em redor da história da PMA “não são apenas cientificas, mas éticas e sociais”, relembra Calhaz Jorge. Da visão que a sociedade tem perante este tema, o Professor menciona que passámos da rejeição ao “ceticismo militante”, que depois se transformou numa aceitação com algumas reservas, “foi um grande alívio quando a Louise Brown teve espontaneamente os seus filhos”, até ás expectativas irrealistas, onde estamos atualmente, onde se pensa que tudo pode ser resolvido, o que não é verdade.
Em Portugal o primeiro parto resultante de FIV ocorreu em 1986.
Calhaz Jorge sublinha que técnicas de PMA resultam sim do trabalho de uma equipa pluridisciplinar, em que o laboratório é absolutamente fundamental. Durante 17 anos o laboratório existia num espaço mínimo, o que nunca colocou em causa a sua imensa qualidade. Naquele pequeno laboratório foram “geradas” muitas crianças, graças ao elevado nível dos embriologistas clínicos que lá trabalharam, a Dra. Isabel Cordeiro e a Dra. Fernanda Leal, relembra Carlos Calhaz Jorge, que “durante mais de 25 anos trabalharam fim de semana sim, fim de semana não”, “sem nenhuma remuneração, sem nenhum reconhecimento oficial”.
A endometriose é outra das áreas de estudo do Professor Carlos Calhaz Jorge, que surgiu da sua presença em bloco operatório, e que acabou por ser o tema do seu Doutoramento que concluiu em 2005, tendo demorado cerca de 10 anos a coletar resultados.
A medicina da reprodução atualmente engloba inúmeras técnicas e conceitos: a inseminação intrauterina; a microinjeção e fertilização in vitro; a doação de ovócitos; a gestação de substituição; os testes genéticos para implantação; a possibilidade de transferência de embriões crio preservados; a doação de espermatozoides ou de embriões, são apenas alguns exemplos.
No futuro virão as evoluções técnicas com recurso, por vezes, a inteligência artificial. Teremos gâmetas e úteros artificiais, em estudo. Há também a edição génica que “é a identificação de uma zona da hélice de ADN que se quer mudar, cortá-la com recurso a uma enzima e a hélice de ADN, em principio regenera-se”, esta técnica traz riscos muito elevados e atualmente é rejeitada por todos os especialistas desta área.
Poderá assistir à aula de jubilação do Professor Carlos Calhaz Jorge aqui
Cristina Bastos
Equipa Editorial