Dois jovens futuros médicos, a Ana Filipa Salvado e o João Pires, demonstram desde cedo a vontade em agarrar o espírito de missão e ajudar a cuidar de todos nós. Do outro lado da linha estão doentes que relatam as suas preocupações e queixas clínicas, mas brevemente, irão fazer este aconselhamento cara a cara, por isso, enquanto isso não acontece, aproveitam esta experiência para treinar a sua comunicação verbal com os doentes.
A 9 de março de 2020, a Linha Saúde 24 atingiu um máximo histórico de telefonemas, ultrapassando as 27 mil chamadas efetuadas, num só dia. Este foi, também, um dos principais motivos que levou estes dois alunos a querer colaborar com o Serviço Nacional de Saúde (SNS), contribuir no combate à pandemia, sendo a Covid-19 o motivo deste entupimento de chamadas na Linha Saúde 24, desde março de 2020 até ao momento atual, tendo fases em que a linha teve mais procura consoante o crescente da pandemia.
A primeira linha de apoio surge em 1998, intitulada como “Dói Dói Trim Trim”, destinada apenas a pais e cuidadores de crianças. Em 2002, surgiu a Linha de Saúde Pública, destinada a informar, a ajudar e esclarecer a população sobre questões de saúde pública e é no cruzamento destes dois serviços que surge, a 25 de abril de 2007, a atual Linha Saúde 24, oferecendo serviços clínicos e não clínicos, destacando o importante papel de triagem evitando idas desnecessárias às urgências.
Antes de surgir a pandemia Covid-19, para muitas pessoas, a Linha do SNS era quase desconhecida e nunca a tinham usado, mas o que é certo é que o 808 24 24 24 passou a estar presente na lista de contactos de diversas pessoas.
"Se não tivermos cuidado, damos por nós a fazer turnos 4-6h em que não parámos nem 1 minuto para respirar e beber água, o que não é de todo saudável."
"Senti que poderia ser uma ajuda aos profissionais de saúde que lá trabalhavam."
Porque foste trabalhar para a Linha Saúde 24?
João: Comecei a trabalhar na Linha do SNS24 em outubro de 2020, quando foi aberta a oportunidade aos alunos do 5º e 6º anos de Medicina de ajudarem na triagem de utentes, face ao aumento de fluxo de chamadas derivado da pandemia COVID-19. Na altura senti que poderia ser uma ajuda aos profissionais de saúde que lá trabalhavam.
Com o 6º ano apenas consigo fazer alguns turnos por semana, dando ajuda no que me é possível. Ao trabalhar no SNS24 foi possível o treino de comunicação verbal com doentes.
Como te sentes a trabalhar na Linha do SNS?
Ana Filipa: Não é fácil de descrever a sensação – é um trabalho mais cansativo do que inicialmente se poderia pensar e muitas vezes as pessoas são rudes e descarregam as suas frustrações em nós. Ainda assim, continua a ser um trabalho gratificante; continuo a sentir que consigo fazer uma diferença imediata na vida das pessoas, ajudando-as a encontrar o rumo certo no seu mar de questões e inquietações sobre testes, isolamentos e declarações provisórias de isolamento profilático.
Foi necessário preencher algum tipo de requisito para estares a trabalhar na Linha de atendimento?
João: Para começar a trabalhar na linha de Saúde 24 foi realizada uma formação de 2 dias, em que nos explicaram os principais algoritmos e como utilizar o sistema informático. Não foi necessário realizar nenhuma prova/teste, o único requisito era ser aluno do 5º ou do 6º ano do MIM. Atualmente, alunos do 4º ano do MIM também já podem ajudar a linha do SNS24.
Ana Filipa: Realizamos ainda uma breve formação online sobre o Regulamento Geral de Proteção de Dados. Após completarmos estas formações, podíamos começar logo a trabalhar. Desde essa altura que não há novas formações para quem já está a atender chamadas; sempre que há alguma alteração nas normas da DGS ou nos algoritmos somos logo informados e são feitas breves explicações sobre as implicações práticas dessas mudanças, de forma a evitar esta necessidade.
Já aconteceu algum dia não teres resposta para alguma pergunta que te fizeram? O que se faz nesse momento?
Ana Filipa: Inúmeras vezes! É mesmo muito frequente haver utentes com casos extremamente específicos e com os quais nunca me tinha cruzado antes.
João Pires: Em qualquer momento que tenhamos dúvidas existem os TLs (Team Leaders) que estão mais a par das normas e algoritmos que nos podem ajudar a resolver os problemas.
Já te sentiste em pânico/ansiosa enquanto atendias uma chamada?
Ana Filipa: O primeiro turno que fiz foi extremamente ansiogénico e acredito que seja assim para muita gente. Mas com a prática vai-se tornando mais fácil e intuitivo e agora até com os utentes mais difíceis já sabemos lidar.
Mesmo assim, ainda sinto umas ligeiras palpitações quando apanho chamadas fora do âmbito da COVID-19, nomeadamente as que envolvem situações urgentes e graves, como enfartes agudos do miocárdio e reações anafiláticas.
Como é lidar com a pressão de ver uma Linha de chamadas em que o algoritmo vai aumentando, como por exemplo, nos picos da pandemia Covid-19? Como fazes essa gestão emocional?
Ana Filipa: Com o aumento do número de casos, temos tido um maior número de chamadas em espera, mesmo em horas mais tardias (no meu último turno saí por volta da meia-noite e ainda havia quase 700 chamadas em espera, algo que não costumava acontecer). Isto faz com que estejam constantemente a aparecer novas chamadas imediatamente após desligarmos a anterior. Se não tivermos cuidado, damos por nós a fazer turnos 4-6h em que não parámos nem 1 minuto para respirar e beber água, o que não é de todo saudável.
A minha política é aproveitar o tempo que existe na transição entre chamadas (que totaliza no máximo uns 2 minutos) precisamente para fazer pequenas “pausas” – aproveito e bebo água, comento algum caso mais peculiar com colegas e, se sobrar tempo, aproveito para fazer uns alongamentos. Caso seja necessário, é obviamente possível fazer pausas maiores para beber café, comer algo, usar a casa de banho ou apenas para espairecer e limpar um pouco a cabeça. Em turnos particularmente intensos, são só mesmo estas pausas que nos ajudam a manter a sanidade.
O que fazes normalmente para acalmar aquelas pessoas que estão do outro lado da Linha bastante preocupadas e ansiosas com os seus sintomas?
João: Normalmente, tento explicar o máximo possível às pessoas os próximos passos e o que terão de fazer, face às situações em específico, bem como responder às dúvidas colocadas.
Ana Filipa: Felizmente a grande maioria das pessoas que apanhamos tem apenas sintomas ligeiros e estão vacinadas contra a COVID-19, o que é sempre um ponto por onde costumo pegar para as tranquilizar. Explico que como está vacinado, a probabilidade de ter uma doença leve que vai ter uma evolução benigna é muito mais provável – muitas vezes esta explicação é suficiente e as pessoas ficam mais aliviadas. Ainda assim, gosto de explicar os sinais de alarme e de deixar sempre claro que, caso seja necessário, a Linha SNS24 está cá sempre para os ajudar, 24/7, e que, caso considerem tratar-se de uma verdadeira emergência, podem sempre ligar para o 112.
O mais importante é mesmo explicar às pessoas que, mesmo com tempos de reposta superiores ao que seria ideal, nós continuamos deste lado a tentar ajudá-las o máximo que conseguimos.
Estás um dia inteiro a lidar com problemas e preocupações dos outros, como te sentes no final do dia? Consegues sair e esquecer tudo ou ficas a pensar no que aconteceu?
Ana Filipa: É raro o turno em que não me sinta cansada no fim, mas poucas vezes fico a pensar sobre o que aconteceu durante o mesmo. Geralmente costumo focar-me nos “casos novos” que apanhei, sempre com o intuito de consolidar a forma de atuação nestas situações. Ainda assim, de vez em quando há a ocasional chamada mais marcante em que é impossível não ficar a pensar durante mais algum tempo sobre o que terá acontecido àquela pessoa.
Há falta de pessoas na Linha de atendimento do SNS 24 para o número de chamadas que recebem, atualmente?
João: Penso que não haja falta de pessoas inscritas para ajudar, acho que devemos ser já cerca de 5000 profissionais. Diria que existem é poucos operacionais no ativo por cada turno (por limite de vagas impostas por turno, pelo facto de uma parte considerável sermos estudantes e termos limitação de horário).
Ana Filipa: Existem outros fatores limitantes, nomeadamente o limite de lotação imposto pela própria situação pandémica. Tendo isto em conta, talvez um aumento do número de colaborantes por turno permitisse efetivamente dar uma maior resposta ao crescente número de chamadas; no entanto, isso implicaria uma gestão dos espaços de atendimento que foge totalmente ao nosso controlo. Resumindo e concluindo, não considero que os tempos de espera se devam a uma verdadeira falta de recursos humanos, mas sim a estes fatores alheios a nós.
Conheça os serviços da Linha Saúde 24
O SNS 24 oferece serviços clínicos e não clínicos. Os serviços clínicos são todos prestados por profissionais de saúde e os serviços não clínicos por administrativos.
Serviços clínicos:
- Triagem, Aconselhamento e Encaminhamento na doença aguda não emergente;
- Aconselhamento sobre medicação não sujeita a receita médica;
- Informações clínicas e de saúde pública;
- Aconselhamento psicológico para utentes e profissionais de saúde;
- Referenciação para consulta de especialidade VIH/SIDA, VHB, VHC associada aos autotestes e testes rápidos (teste em farmácias, laboratórios e domicílio).
Serviços não clínicos:
- Marcação de consultas nos cuidados de saúde primários;
- Apoio à navegação ao Registo de Saúde Eletrónico – Área do Cidadão;
- Informar sobre a dádiva de sangue e transplantação;
- Informar sobre saúde oral (exemplo: Cheque-dentista);
- Pesquisa de prestadores de medicina dentária nos cuidados de saúde primários;
- Pedido de isenção de taxas moderadoras por insuficiência económica;
- Ativação do vale cirurgia.
Fonte: SNS 24
Leonel Gomes
Equipa Editorial