A história da sua vida começou há algumas gerações atrás, quando o bisavô João Goudinho, homem belo e despigmentado – a que comummente chamam de branco, e com poder económico - se perdeu de amores por uma escrava da sanzala santomense. Ele era proprietário de uma das belas roças de São Tomé, Vilamoura no Morro alto, na Trindade. Foi precisamente a bisavó Ana que viria a começar a longa história de um caminho de genética, bravura e rebeldia. Fruto dessa improvável e apaixonante relação, nascia Elisa, a avó a quem mais tarde chamariam avó Teresinha, por ser devota da Santa com o mesmo nome.
O tema da pele é importante esclarecer desde já, porque Isabel de Santiago é a primeira a dizer que “não somos pretos, nem brancos, somos feitos de cores, e nós pessoalmente temos cor de fiambre”. Ou como comummente discute com a Profª Clara Bicho, nascemos todos iguais e ficamos despigmentados”
Quem a vê apenas fisicamente de pele clara e cabelo loiro não entende quando diz que é “preta de alma e tem direito a isso”. No lugar verde rodeada de floresta e mar turquesa, terra onde se confirmou a teoria da relatividade de Einstein, com um eclipse solar de 98%, numa expedição chefiada por Eddington em 1918, deixou por lá parte da alma e dos laços, mantidos pela estrutura da casa que ainda existe e os terrenos com cheiro a terra e mistura de frutos e chuva tropical.
Nasceu em São Tomé, tem dupla nacionalidade e viveu na cidade até aos dois anos. Mas é à ilha que volta tantas vezes para contar histórias de outros, através de estudos, campanhas e movimentos ligados especialmente a crianças. Como aconteceu – durante as suas intervenções preventivas de comunicação em saúde, nas celebrações do centenário da Teoria de Relatividade 1918-2018 – com a presença dos chefes de Estado (o anterior de São Tomé e Príncipe que conheceu o seu avô João Lopes Rodrigues – um homem de justiça e bom – para quem o Presidente Evaristo trabalhou. Aliás guarda uma especial memória, fotografia captada pelo fotógrafo oficial, com os seus dois Presidentes.
Por natureza expressiva, ou não fosse a regente da optativa de Comunicação em saúde, do Mestrado Integrado em Medicina. Recentemente e já este ano letivo assumiu a co-coordenação da Literacia (e comunicação) em Saúde cadeira com o Professor João Costa, o regente da cadeira de Medicina Baseada na Evidência e Literacia em Saúde (MBELS). “Se eu ensinar com amor, mobilizando as pessoas em geral, nos projetos de comunicação em saúde e dos nossos alunos em especial, nas abordagens de ensino (considerando origens e culturas), ou em projetos de investigação, realizados no âmbito do Instituto de Medicina Preventiva e Saúde Pública, conseguimos atingir ganhos em saúde e objetivos mais positivos. Exemplifico com o estudo INCEAD-STP, cujo alvo de estudo eram (as crianças e) jovens em meio escolar: envolvemos os públicos-alvo. Durante a observação de campo, pode registar que algumas crianças são deixadas pelas mães e entregues à guarda da Casa dos Pequeninos, 100% financiada pelo governo português (instituto Camões). Estas crianças são filhos de mães (e pais) que fazem uso excessivo de álcoois ou outras substâncias. Durante um ano observou essas crianças e colocou perguntas às diferentes comunidades com quem conviveu. A abordagem para a tese, e que considera ter sido inovadora e como tal passível de desarrumar o que é convencional, viria a ser o foco que deu ao consumo excessivo de álcoois artesanais e drogas no arquipélago de São Tomé e Príncipe.
Defendeu a tese de forma apaixonada, descreve-me como se vivesse o momento novamente, talvez por acreditar que como a própria me disse “a Ciência não serve a política, a ciência serve as pessoas e as comunidades”.
Chegou à Faculdade de Medicina pelas mãos daquele que diz ser ainda hoje o seu Mestre, o Professor Pereira Miguel, o Professor Catedrático Jubilado que desempenhou importantes cargos públicos, como o de Diretor-Geral da Saúde, Alto-Comissário da Saúde e Presidente do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge e que presidiu à coordenação do trabalho de elaboração do Plano Nacional de Saúde 2004-2010, tendo-o assessorado as suas várias funções ao longo de mais de 22 anos.
Dele recorda, enorme saudade e uma amizade incondicional que vem desde há muitos anos. Anos suficientes que o fizeram conhecer desde pequenos os filhos de Isabel de Santiago, a Francisca, a Constança e o Joaquim. Da admiração e amizade ao Professor Pereira Miguel vai ainda buscar outras inspirações além das académicas, a poesia, vertente que também assume e insere como intrínseca na sua vida, citando-me T.S. Elliot, (if you aim poetry only at poetry, there is no poetry either) “Se procurar poesia apenas na poesia, nunca encontrará qualquer poesia aí”. Organizou aliás o jantar do seu dia de última lição de jubilação. Nesse dia, recorda, o seu mestre falou dos projetos de comunicação em saúde, 7 vezes, já de lágrimas nos olhos, como nas suas provas. Conta-me que desde pequena, a poesia sempre a moveu, assim como a Filosofia, precisamente pelas inúmeras abordagens perante o mesmo tema. Refere que só compreende o mundo e os homens quem lê e compreende filosofia e poesia. E se um olhar capta uma informação, outro olhar interpretará a informação de um prisma totalmente diferente. É essa a magia de quem interpreta os diversos olhares que sempre têm algo a comunicar.
À poesia já dedicou 3 livros, receitas para a missão associada à “Casa dos Pequeninos” de São Tomé e Príncipe, projeto para o qual foi nomeada embaixadora da Boa-vontade e cujo foco são as crianças abandonadas, “filhas do álcool”.
Um de fotografia associado à exposição “Rostos de São Tomé e Príncipe”, onde retrata através da fotografia as pessoas da terra, ficam evidentes os traços de pobreza que marcam ainda hoje quase toda a população das duas ilhas. O livro cuja introdução é assinada pelo atual Primeiro-Ministro António Costa, e prefaciado pelo ex ministro dos negócios estrangeiros, resultou de única exposição comissariada pelo fotógrafo oficial do Presidente da República e ex diretor de fotografia do Jornal Expresso, Rui Ochoa, que lhe sugeriu que fizesse uma exposição. Curiosamente, nesse ano em que completara 43 anos, o somatório das idades dos 3 filhos dava igualmente o número 43. Assim, o número de quadros da exposição foi esse: 43. As receitas dos livros e dos quadros revertem ainda hoje para a “Casa dos Pequeninos”, assim como a preservação das tartarugas marinhas (das 7 espécies no mundo de tartarugas, 5 vão parar a São Tomé).
Uma particularidade: esta foi a primeira exposição de fotografias para cegos. Numa ação única, com a artista plástica Carla Monereo (cunhada do ex ministro da defesa Nuno Severiano Teixeira) levou até à exposição pessoas especiais como a atual ministra da cultura Graça Fonseca a quem agradece todo o apoio nesta causa, ou mesmo o professor Germano de Sousa que apoiou e sponsorizou a exposição. Graça Fonseca e Germano de Sousa afirmaram “não se consegue dizer que não à Isabel”. E outros dois ligados à ciência, "Minuto Azul" – Healthy Food on the Radio (TSF) e outro de comunicação em saúde, o primeiro prefaciado pelo diretor da FM e outro resultante da conferência Comunicação em saúde – CDC e países em desenvolvimento.
Das suas relações académicas, fala-me ainda de outro Professor recentemente jubilado, António Vaz Carneiro, que recorda numa gargalhada que, depois da fricção de personalidades, perdurou a grande admiração e o caminho comum de acreditarem ambos que se buscarem a medicina preventiva só dentro dela, então nunca a encontrarão, porque a medicina e a comunicação da ciência e da saúde não veem muralhas.
Assume-se como uma mulher que ou causa amores, ou ódios, nunca sendo particularmente neutra a ninguém.
Atualmente a reger outra cadeira de Educação e Comunicação em Reabilitação cardiovascular, integrada no Mestrado de Reabilitação Cardiovascular, coordenado pelo Diretor da Faculdade, Fausto Pinto, e pela atual Diretora do Instituto de Medicina Preventiva e Saúde Pública, a Cardiologista e Professora Ana Abreu, Isabel de Santiago transmite agora novas ferramentas a um público que já exerce profissões na área da Saúde, cardiologistas, cardiopneumologistas, enfermeiros, bioquímicos, lecionando em inglês e português. Com este público, continua a evidenciar que comunicar não é só uma dinâmica entre médico e doente. “É um novo campo de compreensão para também se fazer diferente”, alargando o campo de intervenção a grupos específicos dentro da população em geral, reforça.
Diz-se “peixe do mar do Equador, nascida em águas profundas”, citação que atribui ao ex-ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, explicando que não se revê em padrões de visão com muralhas ao redor. Em diversas ocasiões revela particular preocupação pelos que são socialmente mais desfavorecidos e entende que é na mobilização das pessoas e na forma como se passam as mensagens-chave, que se tocam nos pontos certos e se promovem as mudanças. “É no tom da voz que se comunica saúde, com afetos, é na forma como olhamos o outro e não apenas no conteúdo da mensagem que passamos”.
“Gosto de ir além da vírgula”, diz-me a rir, é por isso que a encaixam como a revolucionária que gosta de pôr dúvidas em torno de todos os temas, nunca dá nada como certo e por isso diz-me tranquilamente que sabe que “pode ser exasperante”.
Quando descreve a personalidade dos três filhos e percebo que já todos têm a sua vida independente da mãe, questiono se isso lhe causará a síndroma de ninho vazio. É característica que não descarta e assume conscientemente fazer parte do processo de crescimento, da liberdade com responsabilidade inclusive da própria que diz, contudo, nunca se sentir só mesmo quando não há mais ninguém à volta. “Eu nunca me sinto sozinha, a solidão não faz parte de mim. Saber fazer-me companhia é o que me projeta para saber estar com os outros”, diz-me e cita um filósofo que defende que "se sente solidão quando está só, então está em má companhia” (Jean-Paul Sarte).
Nos encontros consigo e com a família, há retiros sagrados onde se manifestam os afetos e reforçam os laços. O Natal será bom ponto de encontro para o efeito. Na sua própria companhia vai aproveitando para escrever na pequena casa que tem junto ao mar, na Praia das Maçãs, onde faz caminhadas na orla marítima cedo e junto aos pescadores e tenta recomeçar a corrida – quando chega às Azenhas do Mar – algo que fazia a cada dois dias e que durava precisamente 12km, junto à sua antiga residência próxima da embaixada de França. No dia em que conversámos, Isabel de Santiago conseguira voltar a correr, desta vez apenas 3 km. A razão tem um responsável direto, a Covid-19. Ficou por duas vezes infetada. A primeira numa viagem a Israel (durante uma peregrinação à terra Santa, com aeroporto de Telavive encerrado à sua chegada) e a segunda nos Açores, num projeto de intervenção e empoderamento para a prevenção de comportamentos de risco, a convite do Governo dos Açores, a desenvolver em Rabo de Peixe, ilha de São Miguel. Mas já lá iremos a essa parte da interação com a ilha.
Da infeção que ainda hoje lhe deixa as marcas de não poder fazer esforço excessivo, recorda a temporária cegueira com que ficou no olho direito, tema que partilhou com a sua médica e amiga Professora Cristina Bárbara. Doente asmática, ainda assim, anda pelo Hospital de Santa Maria de escadas, algo que insiste em fazer depois da infeção. Insiste que nos elevadores apenas deveriam circular os doentes em macas. Nunca entrar pessoas que ao misturarem-se nesses circuitos, expõem os doentes a mais riscos. Conseguiu ultrapassar as dificuldades da infeção de SARS-CoV2, e hoje, comportamentos normais como carregar um leve saco de supermercado, antes difícil de executar hoje já é possível. Debateu-se bastante pela sua própria reabilitação através do yoga e pilates que foi aperfeiçoando em casa. Decidiu que para voltar ao que era, havia que treinar novamente a sua própria capacidade respiratória, até vencer a primeira infeção. E recentemente começou o treino de kickboxing, onde apenas treinam 2 mulheres. (risos)
O ano em que celebra os seus 50 anos veio repleto de “prémios de saúde”, diz-me a rir. Seguia-se uma operação, diante de um novo problema de saúde que tinha de encarar. A operação no Hospital de São José faz-lhe merecer os maiores elogios “pela forma como sabem comunicar e humanizar com o doente, porque olham nos olhos e tratam com amor” destacando outros médicos especiais. Eles sabem quem são. Os bons, verdadeiramente, não fazem propaganda: São. Ponto.
Uma semana depois de sair do bloco operatório e acabada de dar uma conferência a convite do Instituto politécnico de Portalegre – dia 8 de junho – embarca à noite para os Açores. Ia para a Freguesia de Rabo de Peixe, desenvolver um trabalho, com mais um grupo alvo, as mulheres e pescadores. Perguntava-lhe o presidente do governo numa audiência de cumprimentos: “a professora comunica bem com o nosso povo.” Respondi-lhe: somos todos iguais. Com algumas idiossincrasias diferentes.
Sentia-se sem energia novamente, como se estivesse a desenvolver mais uma crise de asma. A verdade é que tinha novamente ativo o SARS-CoV-2.
O Secretário Regional da Saúde, Assuntos Sociais e Desporto, Clélio Menezes, o Diretor Regional de Saúde Berto Cabral e Gustavo Tato Borges, responsáveis pela pandemia no arquipélago dos Açores, estavam já alertados, igualmente o Hotel onde se encontrava hospedada. Todos sabiam que ficava agora em isolamento total e iam ligando a acompanhar o processo, tentando antecipar alguma decisão mais grave. Nesses dias deixou de comer, tolerava pouco a água (bebe diariamente 3 a 4 litros de água) e quase nada mais lhe era possível aceitar, lutando contra um cansaço sem comparação e uma falência total do SNC. “Achei que ia morrer, nunca senti tantas dores de cabeça, achei que ia explodir”, descreve objetiva. Em 4 dias perdeu 5 quilos, só depois começou a recuperar lentamente.
Depois de regressada a casa e já recuperada, era a vez de assumir o papel da “mãe galinha”. Na casa do Alentejo, antiga Escola primária do Estado Novo, fotografada no passado para as Casas de Portugal e fotografada por um realizador holandês, no concelho de Ourique, onde se travaram as batalha afonsinas e junto das ruínas de Castro da Cola, tem um grande prato de barro com uma galinha a puxar um carrinho com 3 pintainhos, ri-se e conta ser o paralelo perfeito para aquilo que viria a passar-se tempos depois. Foi-lhe oferecido pela avó do Joaquim, a adorável Graça Lucena que perdeu o amor da sua vida um homem da ciência melhor amigo de José Mariano Gago, o Armando Trigo de Abreu. A sua oliveira, a pedido do filho Joaquim, esta plantada na Casa da Escola de S. Romão. Um esconderijo. Dois dos seus filhos acabavam por se infetar e procurar a mãe para que cuidasse deles. Recentemente a mais velha. A nada na sua vida dá tréguas fáceis, acha que “o vírus (SARS-CoV-2) é inteligente, mas comunica-lhe ser adversária à altura, “eu sou resiliente”.
Recuemos atrás no tempo novamente para falar dos Açores. Foi pelo governo da ilha que foi chamada para pôr em ação o Plano de Comunicação e Saúde para o arquipélago, onde há um grave problema de consumo de álcool. Realidade que começa a ver como padronizada nas vivências de um ilhéu. O plano será para 2022.
Nem só sobre os efeitos do álcool nas populações foram as investigações de Isabel de Santiago. Em 2014, a pedido da Organização Mundial de Saúde Africa (OMS), desenvolveu um Plano de Comunicação em Saúde, dirigido aos países lusófonos, com vista à educação e comunicação na prevenção da doença por vírus Ébola.
Plano que contou com o apoio inestimável do Professor Francisco Antunes e do seu mestre claro. Conta que houve duras discussões. O seu grande desafio era mais uma vez comunicar, de forma clara e simples, mensagens fundamentais para evitar o contágio. Onde não existe medicina, aplica-se a comunicação em saúde pública. E as nossas reuniões de equipa, com o diretor geral de saúde pública, Nicolau Quintino de Almeida, casado com uma médica santomense sua amiga, eram em crioulo.
Consultora em Estratégias em Saúde e Comunicação e Gestora de Risco e Comunicação de Crise, muitas vezes é chamada aos meios de comunicação social para comentar situações de agenda ligadas à saúde e a comunicação em saúde, ou simplesmente a escrever para jornais de referência refletindo aspetos gerais. Uma coisa é certa: sabe que não é consensual, mas não parece querer sê-lo. Geralmente lida bem com a crítica geral, mas assume sem qualquer pudor que teve situações pontuais em que precisou de se resguardar, para depois voltar com a força de sempre. E recentemente na conferência WHAT ELSE da AEFMUP – há 3 anos consecutivos que os alunos a convidam – ouviu os elogios surpreendentes do Professor André Moreira. Que lhe relatou: sei bem quem a professora é. Leio-a e sigo-a.
O que é que falta comunicar em Saúde numa Escola que é de Medicina?
Isabel de Santiago: Sabe que esta é a única Escola de Medicina do país onde existe, com a nova reforma do ensino, a disciplina de Comunicação em saúde. E a Comunicação em saúde é mobilizar. Se me pedisse para atribuir apenas uma palavra a “Comunicação”, responder-lhe-ia “Mobilizar”. Através da Comunicação conseguimos aliados, e através dos aliados temos o dever de estudar a melhor evidência científica disponível em torno de um determinado problema de Saúde Pública. Cabe-nos depois ter a capacidade de transferir este conhecimento, através de uma intervenção preventiva, para depois, nas diversas formas de comunicação em saúde, ter os diferentes públicos-alvo como aliados na mensagem. Depois intervir, para ganhos em saúde. Foi isso que aconteceu no I Fórum MBELS – Saúde.com, dia 10 de dezembro.
Este Fórum pretendia acontecer como o culminar da última aula de Literacia e Comunicação em Saúde, mas com o avanço da pandemia e por receio de ficarmos com mais restrições, entendemos, Professor João Costa e eu, que seria melhor antecipar o evento. Depois foi conciliar agendas do Diretor e do selecionador nacional de Futsal – eleito o melhor selecionador do mundo – e a partir daí consegui mobilizar os jogadores. Por fim, fui pedir ajuda ao Nicolau (Santos, presidente do conselho de administração da RTP) e expliquei-lhe como era importante a presença dele. Foi pedindo alianças entre partes que fomos desenhando esta comunicação estratégica. Deixo um relato de uma mensagem de um aluno especial, o António L.: “Bom dia Professora IDS, muitos parabéns pelo evento de ontem (dia 10/12) Acho que correu muito bem. E foi tão bom ver o grande auditório cheio de pessoas J. Votos de um bom fim de semana”. O António entra no projeto que vamos fazer no IMPSP – o MINUTO AZUL SAÚDE. Mais uma causa da Faculdade de medicina de Lisboa. Penso que é em equipa que se trabalha. Todos por uma causa e gosto de mulheres e homens que inovam. Gosto da Ana Abreu.
Comunicar em Saúde não é a mesma coisa que ter um médico a falar com o doente e a dizer-lhe relatando a sua situação clínica ou de doença. A comunicação em saúde pretende mobilizar os públicos-alvo – gerais e específicos - empoderando-os no sentido da prevenção da doença e promoção da saúde, visando a redução de custos para ganho maior.
Curioso porque na verdade é o governo dos Açores que lhe pede um Plano, com estudo para perceber como agir face aos problemas de consumos excessivos na sua população. Não encarou o estudo como um problema, bem pelo contrário.
Isabel de Santiago: A cultura africana (minha também, porque nasço no seio de uma comunidade matriarcal – as mulheres lideram!) e a cultura da Europa, pese embora do sul, pertencemos ao grupo dos pequenos dos grandes, ”, apesar de estarmos no subgrupo que depois é dos mais frágeis e fim de linha, os chamados PIG’s. Este projeto de investigação e de intervenção pretende inovar em termos de comunicação em saúde e é assim que é encarado em Portugal.
Como é que lida com o confronto de opiniões a seu respeito?
Isabel de Santiago: O silêncio passou a ser a minha “arma aliada” de comunicação. Existem pessoas, (até dentro das academias), que tentam esmagar áreas que não lhe competem. E eu vou gerindo, com a criação de projetos elevados e com nomes que dispensam apresentação. Sempre que me cruzo (diariamente) sorrio. É uma forma elevada de lhes mostrar que estou atenta. Sempre atenta. Algo que já não me seria possível se nos tivéssemos conhecido há 10 anos atrás. Os meus filhos conhecem os meus silêncios como ninguém, mas ainda assim acho que eles são percetíveis a todos. Quando me silencio, posso tornar-me um perigo. Risos.
Para alguém que defende a comunicação em saúde para fazer chegar mensagens-chave concretas, fez sempre questão, ao longo deste pouco tempo em que convivemos, de dizer “vamos avançando, mas eu não quero aparecer”, ou “eu acompanho determinada entrevista, mas fico atrás das câmaras”. Onde fica este ponto de equilíbrio entre a mulher que quer passar uma mensagem-chave evidente e que vê em vários meios de comunicação, e aquela que ao dizer “não quero aparecer aí”, também deixa uma mensagem subliminar?
Isabel de Santiago: Deixe-me pegar em situações concretas. Eu estava a trabalhar na freguesia de Rabo de Peixe, um povo fantástico cuja confiança conquistei e não violaria em circunstância alguma. A simples forma como me apresento no meu trabalho de campo, ou quando me apresento numa reunião com o Presidente do governo dos Açores, é totalmente diferente. Mas há outro caso dentro deste exemplo, tinha jornalistas a pedirem aos membros do governo para me acompanhar ao longo da intervenção. A missão em implementação e desenvolvimento com empoderamento humano, era um projeto com seres humanos que merecem o meu maior respeito, os rabopeixenses. E eles tornaram-se aliados na nossa estratégia de comunicação e prevenção de novos casos de infeção. Ora, eu não podia expor aquelas pessoas que me transferiram confiança, a pessoas de fora como jornalistas. Nunca poderia fazer “propaganda de mim” à custa deles. E infelizmente é isto que tenho visto nos últimos tempos nos diferentes meios e uns quantos arrivistas que se acham ótimos comunicadores. Não pode valer tudo. Apenas vale o que é certo. Se reparou eu tenho ido à SIC, e à CNN, fazer outro tipo de comentários e aí dou a cara porque são temas onde me posso expor, criticar, ou comentar, provando à luz da Ciência por que razão o posso estar a fazer. Agora, o que faço no terreno é muito diferente da minha abordagem quando vou a um meio de comunicação social.
Depois há outro exemplo em paralelo, o meu enquanto Professora desta Faculdade. Aqui o meu papel passa por investigar, ensinar e capacitar a intervir e permitir aos alunos – alguns dos quais a desenvolver de projetos, que participem cada vez, quer naqueles que estão ainda no MIM, quer os que já estão no Mestrado de Reabilitação Cardiovascular, ou mais recentemente na MBEHL. Como fiz, aliás, com a GlobalmediaGroup e o IMPSP/FM-UL que foi vencedor do programa EDP solidária 2016. Ou, mais recentemente e a estrear, com o Minuto Azul Saúde parceria com a RTP, onde alguns dos meus alunos, dos 2º e 4º ano, participaram. E onde alunos de outras escolas de medicina de norte a sul participarão a partir da nossa escola. Isso é mobilizar para a saúde e o apoio da diretora do IMPSP Ana Abreu tem sido inexcedível. Sei que a forma como eu comunico é divertida, é o meu lado de edutainment. Aprendi-o a fazer na África do Sul, o projeto SOULCITY (cidade da alma) com um grupo de mulheres, analfabetas e vítimas de abusos sexuais, agredidas pelos seus maridos. Aprendi como é que elas conseguiam criar estratégias de comunicação em Saúde para se defenderem dos seus agressores com quem viviam. Criaram então um mecanismo de edutainment: a combinação de dois conceitos Education e Entertainment. Como não sabiam escrever, desenhavam e projetaram telenovelas em torno da sua experiência e através de meios de comunicação social do seu país e em 11 dialetos africanos, passavam a mensagem para outras mulheres se prevenirem. Foi esta a técnica que apliquei com as crianças em São Tomé, ou seja, com os elevados níveis de iliteracia, tirava-as de casa para que elas não replicassem os padrões que assistiam nas famílias. A transferência da imagem social do pai e da mãe acabava assim. Não é a questão da pobreza que faz com que tenhamos obrigatoriamente de seguir os passos dos nossos pais, pode haver um espírito adversário. Falar-lhe-ia do modelo da epigenética, discutida com o pai da educação para a saúde, o meu querido e saudoso Professor Gomes Pedro, com quem desenvolvi o projeto da comunicação em saúde "Bom Dia em Santa Maria", com os príncipes da faculdade. Um deles jubilou dia 14. E para esse projeto angariei 80K.
Sobre o aparecer ou não, deixe-me dizer-lhe que consegui, em momentos diferentes, quer em 2005, quer agora em plena pandemia, muitas ajudas financeiras, posso dizer-lhe que elevadas, para ajudar este Hospital Universitário (Santa Maria). Nunca apareci. Fi-lo e fá-lo-ei por um bem maior: ajudar o próximo e não me importa quem seja. Eu sou assim. Não mudo a minha natureza. Os meus valores são: sei para onde vou, mas nunca me esqueço de onde venho.
Sabe, tal como na “Arte da Guerra”, acho que sou mesmo uma guerreira, o nome da minha bisavó (espanhola Isabel Maria Penolla) não foi por acaso que andei na missão do Ébola e só quis dar uma entrevista e uma só. E foi capa do Jornal de Notícias dia 25 de outubro. Pelo Domingos de Andrade, diretor editorial da GMG e um querido amigo, da minha idade, com as mais belas vozes de rádio. Afirmei a uma ex aluno minha de mestrado na Universidade Lusíada de Lisboa, a Isabel Moiçó da TVI: “Eu não sou a notícia, a notícia é o plano que que vai acontecer na Guiné-Bissau, fronteira com Guiné-Conacri.
A personalidade é também uma forma de comunicar?
Isabel de Santiago: Existem várias pessoas com quem me vou cruzando e o facto de termos um grau, não nos torna superiores face ao outro. Faço sempre o exercício de descalçar os meus sapatos, de número muito pequenino e por os pés no chão para sentir o sabor do chão, ou tirar os meus sapatos e calçar os dos outros. Tentar caminhar num pé que não é o meu, é como alguém que se assume como comunicador quando não tem o grau para tal. Não quero criar distanciamento e a comunicação em saúde resulta quando criamos aliados. Isso é mobilizar, esteja onde estiver eu quero ter aliados, as pessoas sempre e incondicionalmente ao meu lado e não atrás de mim. Guardo comigo dois nomes: um discípulo médico e uma não médica. E o futuro será com eles.
https://www.spiegel.de/international/tomorrow/trouble-in-paradise-the-problem-of-alcohol-in-sao-tome-and-principe-a-54a3f175-0972-4ea7-808e-66d475e43005
Joana Sousa
Equipa Editorial