Quantas vezes nos seus dias agradece pelas coisas boas que tem?
Sabe quais são essas coisas às quais deve estar grato?
O exercício de sabermos reconhecer os nossos privilégios, não nos devia fazer olhar para eles como dados adquiridos. Mas muitas vezes é o que fazemos.
Ter saúde, degustar uma boa refeição, ir todos os dias para a Faculdade, ou para o trabalho, ou ter aqueles que mais se ama por perto, parecem ser condições inerentes ao nosso quotidiano.
Parecem simples, não parecem?
A Sabrina e a Anaís poderiam subverter estes conceitos adquiridos, e ainda assim, quando falámos, pareceram ser mais positivas que a maior parte de nós.
Esta é a breve história da Anaís Sumeya Achá Baronet, de Moçambique e da Sabrina Farinha Mendes cuja terra natal é a África do Sul.
O que teriam para contar as nossas alunas se lhes perguntássemos como iam viver o período do Natal? Foi essa a desculpa para nos conhecermos, mesmo sabendo que sendo a Anaís muçulmana, o conceito de Natal para ela significa o encontro com a família, mas sem cunho religioso.
Não é difícil imaginar a Anaís e a Sabrina, filhas de terras tropicais, e que se os voos as levassem no tempo certo, e se a pandemia não existisse, muito em breve estariam reunidos com a família, a partilhar um maravilhoso churrasco, talvez.
Ao invés disso, e porque decidiram escolher o caminho melhor para alcançar o sucesso profissional, aceitaram prescindir do conforto, do colo, da companhia e aceitaram crescer mais cedo, seguindo cada uma pelo seu pé, bem longe de casa e dos pais.
No domingo antes de publicarmos esta newsletter, a comunicação social anunciava que estava reaberta a ponte aérea entre Portugal e Moçambique. Apressei-me a fotografar a notícia e a enviá-la à Anaís, “queres ver que afinal vais para perto dos pais?”. A alegria foi explosiva. Só não sabemos se a notícia veio a tempo.
Sabrina Mendes
A culpa de ter escolhido Medicina é do Arthur, o esqueleto de plástico que recebera de presente e que todas as semanas era preenchido com mais um osso, ou órgão do corpo humano. Sabrina tinha a tarefa de o saber montar, passo a passo. A par e passo, recebia igualmente um pequeno fascículo sobre aquela parte do corpo a ser adicionada ao esqueleto. Gostava muito de aprender e falava sobre isto com os meus pais e amigas. “O corpo humano sempre me fascinou e eu sempre quis estudar Medicina desde pequena”, conta.
Está no 2º ano de Mestrado Integrado em Medicina, em Portugal. Veio da África do Sul com a irmã e lá deixou os pais.
Nunca pensei em estudar no estrangeiro, sinceramente, mas quando estava no décimo segundo ano o meu pai perguntou-me se gostaria de estudar em Portugal e respondi que sim. Sou de descendência portuguesa e voltei às minhas raízes. Há mais oportunidade na Europa e não me arrependo da minha decisão. Tem sido muito difícil, principalmente no início, mas, no futuro, valerá a pena.
Os meus Natais na África do Sul fazem-me lembrar três palavras: Sol, churrasqueira e piscina. No hemisfério sul na altura do Natal é verão, portanto não é o típico Natal dos filmes. Não temos neve nem lareira acesa nesta altura.
Ao longo dos anos há menos pessoas à mesa, uma vez que muitos dos meus familiares emigraram para outros países. Os Natais da minha infância eram passados com mais ou menos 50 pessoas, hoje em dia estamos todos espalhados um pouco por todo mundo.
Muito mudou desde que vim para Portugal! Principalmente o meu crescimento pessoal. Sou a bebé da família e quando cheguei a Portugal tive de fazer tudo sozinha, noutra língua. Amadureci muito, sou mais independente. Embora esteja mais longe dos meus pais, sinto-me mais perto deles; graças à tecnologia falamos por FaceTime várias vezes durante a semana.
Este ano o Natal vai ser passado em Lisboa com os meus tios e a minha irmã. Estou muito grata por ter a minha irmã, não sei o que faria sem ela! É triste porque vai ser o segundo Natal passado sem os meus pais, mas espero que no próximo ano esteja tudo bem e tenha a oportunidade de voltar à África do Sul.
Estar privada subitamente de apanhar um voo para ir a casa fez-nos mudar todos os planos, que eram para estas férias. Não vejo os meus pais há mais de dois anos e íamos celebrar os anos da minha mãe – um aniversário excecional. Ia ser muito especial para nós, mas está tudo fora do nosso controlo. Só quero que a minha família esteja bem e saudável.
Houve muitas mudanças na minha vida nos últimos anos e tive de me adaptar à língua, à cultura e à vida universitária. Para além disto tivemos todos de nos adaptar à “nova vida” que vivemos durante a pandemia. Contactei o Espaço S para lidar melhor com tudo isto e lá estou.
O meu único desejo é ver os meus pais, receber beijinhos e abraços deles. Sinto a falta do carinho.
Anaís Sumeya Achá Baronet
No 3º ano de Medicina, a Anaís decidiu vir para Portugal pela melhor oferta de ensino. Talvez o estágio que fez de Enfermagem lhe tenha reforçado a forma que já via o outro, com compaixão e muita vontade de ajudar. A escolha foi corajosa na medida em que deixou a família em Moçambique, rumo ao caminho do seu maior sonho.
Em Moçambique o ensino não é assim tão bom. Escolhi Medicina porque sempre foi um grande sonho meu. Gosto bastante de ajudar os outros e não me vejo a seguir outra área profissional. O motivo pelo qual continuei no curso, apesar de todas as dificuldades, foi sem dúvida o apoio dos meus pais e o estágio de enfermagem que fiz no primeiro ano, marcou-me.
Como sou muçulmana, na minha família não celebramos o Natal pelo seu verdadeiro conceito, mas sim por ser o dia da família no dia 25 de Dezembro. Ainda assim, sempre fomos convidados por parte da nossa família católica, a passar a ceia com eles e as minhas recordações de infância são as melhores. Os tantos presentes que recebíamos, o aconchego da família, a mesa cheia e rodeada de inúmeros sorrisos, as conversas com os primos e a melhor parte era passar a madrugada a mergulhar na praia ou piscina, porque em Moçambique, o pico do verão é em Dezembro. Quem me dera voltar a esses tempos!
Apesar de não ser católica, tenho uma grande admiração pela época natalina. Acho que é um momento mágico e apaixono-me sempre pelas luzes, pelas decorações de natal, os doces típicos e por tudo aquilo que caracteriza o natal. Fico sempre mais sensibilizada nesta altura porque toda gente vai “à casa” e geralmente eu fico sempre cá, longe de casa. Mas este ano, o pai natal deu-me o melhor presente, uma viagem a Moçambique para passar as festas com os meus pais. Viajo esta segunda-feira e estou de coração cheio porque há muito tempo que não celebramos o novo ano juntos.
Eu cheguei a Portugal em 2017, estou cá há 4 anos e desde então muita coisa mudou. Diria que ganhei asas e voei! Saí de casa dos meus pais muito cedo, sou filha única então a dificuldade foi a dobrar, vim estudar e viver sozinha para um país distante e que apesar de ter a mesma língua oficial que o meu país, não entendia meia palavra de tão rápido que as pessoas falavam. A adaptação foi a parte mais difícil, tive muita dificuldade em fazer amigos na Faculdade o que diz muito da pessoa que sou hoje. Mas apesar de tudo, cresci bastante e de menina, passei a mulher.
Foi isto que me inscrevi no espaço S porque apesar de já se terem passado 4 anos, as dificuldades continuam a existir e num momento em que estava menos bem, procurei ajuda e o espaço S ajudou-me bastante.
Se pudesse pedir, desejava que os meus pais fossem eternos e por mais natais ao lado deles!
Obrigada por esta oportunidade.
Feliz Natal :)
Joana Sousa
Equipa Editorial
