“O Norte é para onde tu quiseres. Não há apenas um caminho… a adaptabilidade é a chave!”
No passado dia 6 de dezembro, realizaram-se as Job Talks, na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL). Ao longo de uma tarde, vários profissionais de saúde contaram a sua história profissional com o objetivo de inspirar os futuros médicos. Sabemos que o momento de decidir a área a seguir profissionalmente é bastante complicado e, por vezes, gera conflito emocional nos jovens. Foi por isso que, o Gabinete de Apoio ao Estudante (GAE) organizou uma tarde inteira de palestras sobre os diferentes percursos académicos e profissionais na área da Medicina e da Nutrição.
Cada orador, contando a sua história e experiência de vida, conseguiu tocar a plateia de diferentes formas. Os silêncios foram absolutos enquanto cada um falava e, por vezes, uns sorrisos ajudavam a descomprimir dos relatos profundamente sérios e emotivos dos palestrantes.
As conferências dedicadas à área da Medicina decorreram na Aula Magna da FMUL e ao mesmo tempo, no anfiteatro 58, do Edifício Egas Moniz, decorriam as palestras sobre a área da Nutrição.
Na Aula Magna, a primeira conferência estava subordinada ao tema “do trauma à recuperação” e o primeiro a usar da palavra, para contar o seu percurso e escolhas profissionais, foi João Nóbrega, ex-aluno da Faculdade, Professor de Anatomia e Médico interno Ortopedista.
Começou por pedir aos alunos presentes no auditório para que se imaginassem médicos e que fizessem uma questão individual: “vou querer lidar com mais, ou menos pessoas? Gosto da monotonia da especialidade que vou escolher?”.
Aconselhou-os a experimentar a especialidade que pretendem escolher em diferentes realidades, ou seja, “vocês criam o vosso ambiente, mas é preciso ver vários lugares diferentes. Trabalhar num grande centro, pode trazer mais vivência do que um lugar periférico.” E acrescentou, “ser um interno de fora não é o mesmo que ser da casa, porque aquele que é agora o meu médico, já foi o meu professor, já me conhece há anos”.
Salientou que todos devem ser versáteis na sua especialidade, “o trauma é um puzzle, não bate tudo sempre certo”, e que na Ortopedia há uma recompensa imediata para o doente, pois o processo de recuperação é rapidamente visível, mas questiona se enquanto futuros médicos, os alunos querem ou não lidar com a morte? (ficando uns segundos em silêncio)
João Nóbrega relatou sobre o seu contacto próximo com vários tipos de cirurgia, afirmando que, “a nossa pandemia é a trotinete”, já que grande parte dos traumas acontecem em acidentes com este novo transporte. Considerou-se, por fim, uma pessoa que não passa pelas coisas sem lhe dar a devida importância, porque ainda acredita que vai conseguir mudar o mundo.
E para o público de estudantes que ainda julga que estudar é demasiado penso, acrescentou, “o internato é muito pior que estudar na Faculdade, porque nós também estudamos, mas depois trabalhamos também muitas horas”. O médico referiu ainda para que, nos meses de férias, em vez de estarem parados 3 meses, os alunos se propusessem a estágios, rentabilizando o tempo e adquirindo novas skills. “Saibam esperar e ouvir os mais velhos, chegará o tempo em que serão vocês a falar”.
Seguiu-se a intervenção de Miguel Matias, Médico interno de Cirurgia Plástica, no Centro Hospitalar Central, que começou por referir que sempre adorou a Anatomia e a Medicina Interna e que tinha sido inspirado pelo Professor Válter Fonseca. “Fazer a escolha da especialidade é muito mais complexo do que apenas fazer uma cruz na escolha de acesso à Faculdade”, afirmou.
Contou que a maior parte dos seus doentes são “azarados”, mas que isso é bom, porque assim não lida com a morte e consegue restaurar e melhorar a vida das pessoas.
Aconselhou os futuros médicos a mostrar interesse no trabalho e em querer fazer mais, assim serão sempre requisitados mediante as capacidades que cada um tem e porque “enquanto souberem dar resposta, vão sempre ser chamados”, reforçando que é preciso ir à frente da tendência atual para se ter uma segurança na carreira. Salientou ainda a importância dos trabalhos científicos algo com elevado peso na avaliação final. Por fim referiu, “no vosso internato vão passar de rodopio em rodopio e sem rede de proteção”.
“A cirurgia de ponta que se faz em Portugal está no Serviço Nacional de Saúde (SNS)”, e que se os alunos não forem atrás dos caos, ninguém lhes dará cirurgias, “é preciso ir atrás e ser curioso”.
O trauma anda de mãos dadas com a cirurgia plástica, uma cria a outra, e relatou que, “a nossa pandemia são as motosserras (mãos cortadas)”.
Encerrou, dirigindo-se aos estudantes, dizendo que os hospitais sem centros académicos aceitam mais oferta de trabalho por terem menos acesso aos profissionais. Acrescentou que não tivessem pressa de ir muito cedo para o serviço de urgências, pois “vão ter muito tempo para isso, estudem também”.
Ricardo Henriques, Médico de Medicina Física e de Reabilitação, no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN), terminou a primeira sessão de palestras sobre os diversos percursos profissionais, considerando que a proximidade às pessoas é uma das grandes marcas de um médico e que as competências deste podem ficar ameaçadas pela demora nos processos dentro da saúde. Ou seja, “os doentes ficam tanto tempo à espera, que acabam por atrasar o nosso próprio desempenho.”
“Não podemos reabilitar um corpo, há o individuo como um todo, mas também os seus ascendentes e descendentes”, reforçando a importância da multidisciplinaridade das áreas médicas, sendo elas, o trauma, a cirurgia plástica e depois a reabilitação.
Por fim, perguntou aos estudantes se estariam preparados para ter picos de stress e operações fora de horas, “devem avaliar se aguentam esse ritmo de trabalho”.
A segunda conferência, intitulada com o tema “Da urgência ao internamento”, teve como primeiro interveniente o Dr. João Gouveia, Médico Intensivista e Presidente da Sociedade de Cuidados Intensivos, que defendeu a sua especialidade com real paixão, acreditando que quem trabalha nos Cuidados Intensivos “são os que mais ‘entram’ nos doentes”. Explicou ainda que a medicina intensiva nasceu de uma pandemia, a Poliomielite, e foi precisamente para tratar de doentes com doença grave respiratória.
Neste momento, a Medicina Intensiva está a precisar de pessoas novas para trabalhar “porque cerca de 50% já têm mais de 50 anos e isso é uma porta para uma carreira.” O grande aumento no número de internados na Medicina Intensiva deveu-se ao esforço médico e boa vontade das equipas e da ajuda de outros que vieram de outros blocos.
Reconhece que é necessário haver recompensas para aquilo que fazem e, nesta especialidade, essa recompensa resulta tanto mais rápido quanto for o diagnóstico do doente. Esta “especialidade é muito atrativa do ponto de vista Fisiopatológico, eu consigo entrar na fisiopatologia do doente e ver as minhas intervenções”, referiu o Médico Intensivista. Porém, a medicina intensiva deve estar presente na emergência, na medicina perioperatória, na doação de órgãos e na medicina de catástrofe.
Filipa Barros, Médica Interna e Intensivista de Emergência Médica Pré-Hospitalar, coordena vários projetos no INEM, e mencionou que a Emergência Pré-hospitalar “não é uma especialidade, é uma escolha, uma paixão e uma forma de vida.”
A Viatura Médica de Emergência e Reanimação (VMER) começou por possibilitar o tratamento de doentes fora do ambiente hospitalar e “esta é a área onde colocamos o doente certo, no sítio certo, à hora certa”.
Aquilo que mais a motiva em trabalhar numa VMER é não saber o que a espera quando é chamada de urgência, mas sim, “chegar e encontrar o inesperado e depois conseguir gerir o melhor para o doente”.
Não esquece as suas raízes de Internista, entrou várias vezes dentro da casa dos doentes e percebeu a forma como eles viviam, contactou com a sua família, viu a realidade de cada um deles e mais ninguém vê isso, por isso, terminou lançando um desafio aos alunos: “o que fazem vocês do ponto de vista de voluntariado para poderem perceber as realidades de cada um?”
“A urgência é o lugar transversal a todas as especialidades e é possivelmente o serviço mais mediático de todos”, declarou no início da sua apresentação Anabela Oliveira, Professora de uma optativa de urgência, na FMUL, e Diretora do Serviço de Urgência do CHULN, considerando que este serviço é a porta de entrada para muitos doentes que não conseguem entrar no SNS de outra forma e é o serviço mais escrutinado pelos doentes, pelos políticos e jornalistas, e isto acontece porque “é um local onde demoram muito; porque há gripe; porque lá se morre; e muitas mais críticas apontadas a este serviço.”
Afirmou ainda que, “Portugal é o país da OCDE que mais tem episódios de urgência”. A Diretora do Serviço de Urgência declarou que, “este é o sítio onde ninguém gosta de trabalha” (sorriu), e que este serviço ainda não é considerado uma especialidade, mas há uma grande aposta para que se torne como tal, declarando que já assim é em 80 países.
Recordou, com alguma tristeza, os dias sombrios que tiveram no combate da pandemia Covid-19, e aquele que mais lhe fica na memória foi o dia que em tiveram 50 ambulâncias à porta do serviço de urgência e optou por ir para a rua, à chuva, socorrer os doentes mais graves. A sua paixão nunca foi o Pré-hospitalar, mas naquele dia foi obrigada arregaçar as mangas e ajudar no auxílio aos doentes dentro das ambulâncias.
A Médica Anabela Oliveira referiu que, “só conseguimos aguentar a pandemia porque tivemos os médicos internos mais novos a trabalhar nas urgências.” Defendeu ainda que as equipas devem seguir um modelo dedicado para que se envolvam mais e estejam mais motivadas, criando mais ligações com os doentes, acreditando no modelo KAIZEN.
Na área da Nutrição os palestrantes convidados foram: a Doutora Gabriela Ferreira, Nutricionista que se dedica à investigação; o Doutor André Dinis, Nutricionista Clínico, no CHULN e a Nutricionista Raquel Ferreira que atua na área da intervenção comunitária.
A Doutora Gabriela Ferreira, contou que no momento da sua decisão profissional a principal questão que colocava era qual o contributo que poderia dar à sociedade, ser nutricionista ou cientista? E a sua decisão foi fácil, como disse na sua apresentação, “onde sou mais feliz é na investigação”.
Defendeu que é muito importante o aprofundamento das matérias e das aprendizagens e que a autoconfiança não se deve ao facto de sermos arrogantes ou termos inseguranças.
Em 2017, apresentou-se pela primeira vez num congresso internacional, falando da importância do networking e da adaptabilidade, porque isto mostra interesse nas áreas dos outros, aprendendo com isso o que os outros fazem, sendo uma mais-valia para a bagagem profissional. Deu um exemplo, mostrou uma fotografia de grupo, com vários médicos e especialistas de outras áreas, e a Investigadora Gabriela Ferreira estava lá no meio, a única de nutrição, e questionou os futuros nutricionistas: “nesta situação o que eu iria fazer, sou a única da minha área, vou almoçar sozinha? Claro que não, apesar de a maioria das conversas não serem da minha especialidade, é uma forma de me dar a conhecer e de mostrar as minhas competências de adaptabilidade e interesse sobre as outras áreas clínicas, neste caso, ali presentes”.
André Dinis, Nutricionista Clínico, concentrou a sua apresentação nos desafios que sentiu ao longo do curso de nutrição. O primeiro foi decidir a área que lhe suscitava mais interesse, defendendo que todos devem procurar aquilo que nos faz sentir mais realizados e felizes. Outro desafio foi olhar para o mercado e perceber quais as suas necessidades e tentar associar isso à sua área de interesse. Assim sendo, “tentamos combater o excesso de médicos nas áreas que têm mais procura e criamos novas oportunidades”.
De seguida, incentivou os alunos a não fazerem as coisas só porque os outros fazem, tendo assim mais tempo para que cada um “promova o desenvolvimento e a inovação”. Por fim, falou da forma como devemos atuar com base na evidência científica, prestar os melhores cuidados aos doentes, exigência que pede atualização permanente.
Na área da Intervenção Comunitária, a Nutricionista Raquel Ferreira abriu a sua apresentação a colocar um desafio a todos os presentes: numa escala de 1 a 10 dizer o nível como cada um se sentia, naquele dia. Depois desse exercício citou Sócrates: “Conhece-te a ti mesmo”, situando a sua apresentação com foco na referida citação e preocupando-se em transmitir a todos que aquilo que devem escolher fazer na vida, para se sentirem bem. “Fazer trabalhos de grupo aprendemos na escola, mas aprender a lidar com as emoções não”, referiu.
“Como nós queremos aprender, ou estar presentes, se o nosso estado emocional é negativo”, relatou Raquel Ferreira, acrescentando que “se nós queremos uma comunidade feliz, isso tem de começar pelo indivíduo”.
Terminou a sessão aconselhando os futuros nutricionista para que no momento de tomar uma decisão pensassem sobre aquilo que cada um realmente quer fazer, onde quer estar e “qual o vosso talento, porque é isso que vos vai distinguir uns dos outros.”
“Não há impossíveis e nós devemos ser aquilo que queremos ser”, disse.
Deixamos alguns conselhos gerais de uma tarde bastante produtiva em verdadeiras histórias de vida:
- Não se foquem no negativo, relativizem as notas, tratem bem as pessoas, mas olhem sempre para ver o que já cresceram;
- Afastem a possibilidade de irem para o estrangeiro, por um lado há muitas oportunidades, por outro, cá dentro já se faz tão bem tudo como no exterior;
- Deem importância a experiências dentro do vosso contexto, aos cursos no estrangeiro, networking, ouvir o que existe e o que os outros andam a fazer para aprofundarem os vossos conhecimentos, não só na vossa especialidade, mas também nas que vos rodeiam;
- Ter iniciativa, insistir e não ficar à espera de que vos chamem para trabalhar;
- Conhecerem os vossos pontos fortes e menos fortes, conhecer as potencialidades que cada um tem e isso juntamente com uma boa iniciativa pode trazer uma oportunidade;
- Na investigação estamos mais fechados sobre nós mesmos, não temos o contacto direto com o doente, ou com o enfermeiro, mas isso implica na mesma uma atualização científica. Em todas as áreas devemos aprofundar ao máximo o conhecimento, de forma a conseguirmos sempre fundamentar da melhor maneira as nossas ideias;
- O entusiasmo pela profissão é muito importante. Cada um deve conhecer-se e não estar envolvidos em coisas que vos mandam para baixo;
Leonel Gomes
Equipa Editorial
