Já conheço bem a equipa do Centro de Colheitas de Santa Maria. Dou sangue aqui desde 2015, altura em que comecei a trabalhar na FMUL. A Enfermeira Iolanda e a assistente Eunice estão sempre cá para me receber com um sorriso e boa disposição, são assim com cada pessoa que aqui chega.
Este mês quisemos falar com a Enfermeira Iolanda para saber mais sobre este Centro de Colheitas e a razão da escassez de dádivas aqui em Santa Maria. Revelou-se, por isso, urgente divulgar, sensibilizar e chamar pessoas para que, sem medo, venham doar um pouco do seu tempo e do seu sangue.
No final também alguns testemunhos de dadores de sangue e as razões porque o fazem.
Fale-nos um pouco do seu percurso até chegar aqui ao Banco de Sangue de Santa Maria.
Enfermeira Iolanda: Quando acabei o curso de enfermagem fui trabalhar no Hospital Pulido Valente, no Serviço de Cirurgia de Otorrino e estive lá uns anos. Acontece que tive uma intercorrência nos turnos, fiz uma lesão num dos ombros e precisei de ser submetida a uma cirurgia, isto porque fiz uma micro rutura de ligamento. Quando comecei a retomar o trabalho apresentava com uma percentagem de incapacidade, que me impossibilitava de continuar no Serviço onde estava, por ser mais “pesado”, pois tínhamos doentes dependentes. Na altura eu não podia exercer as minhas funções de forma adequada e fui então transferida para o Serviço de sangue do Hospital de Santa Maria. Recordo-me que esta foi na altura uma proposta feita pela Direção de Enfermagem e assim vim eu abrir o serviço.
Veio ajudar então à criação deste Serviço, uma área completamente nova para si!
Enfermeira Iolanda: Estou neste Serviço desde 2013. A unidade abriu em março de 2013 e eu vim em fevereiro. Ainda estive um mês no Hospital de dia, no Hospital de Hemofilia, e só depois vim abrir o projeto. Fiz a devida formação com a minha colega e viemos abrir a unidade no dia 18 de março. Foi uma área nova de facto, não a conhecia, o único contacto que eu tinha com o sangue era quando transfundia algum doente que recebia.
No início estava um pouco receosa, por ser uma área nova e por ser completamente diferente do que eu conhecia enquanto enfermeira. Mas gostei, fui percebendo que era uma área muito importante mesmo, sem sangue não há vida, isto parece um cliché, mas é verdade. Podemos ter músculos, ossos, ligamentos e tudo mais, mas sem sangue não adianta tudo o resto. E tem sido difícil fazer entender as pessoas sobre a importância da dádiva, sobre a importância do sangue. E aí também vi um desafio. Quando vim abrir esta unidade com uma colega, não tínhamos dadores no início, e tivemos que dar a conhecer a unidade. Eu ia para os corredores e para a rua para chamar pessoas para virem doar sangue. Fazia isso, e na altura tínhamos outro auxiliar que estava aqui connosco, o Pedro, e ele também fazia esse trabalho. Foi desta forma que começamos a ter mais dadores, Começamos a divulgar também na intranet, o gabinete de comunicação do Hospital fez esse trabalho e aos poucos fomos tendo mais dadores.
Que outros tipos de divulgação fizeram?
Enfermeira Iolanda: Fizemos folhetos para distribuir aqui internamente, porque tudo o que tentamos e podemos fazer é internamente. O Diretor de Serviço também tem facilidade em ir á comunicação social e ele próprio divulga e dá a conhecer a unidade a nível nacional. E começamos a ter alguns dadores de fora, à medida que iam conhecendo o projeto e ouvindo a mensagem iam chegando e assim íamos tendo mais pessoas. Também organizamos anualmente o evento do Dia Nacional do Dador de Sangue, onde tentamos chegar a figuras públicas, de forma que estas possam também chegar a outras pessoas, e nessa altura acaba por haver mais dadores. E assim durante um tempo os números melhoram, mas rapidamente as pessoas voltam a esquecer. É muito importante que elas sejam lembradas e relembradas mais vezes, porque uma mensagem só, não é suficiente.
E com a pandemia, agravou-se a ausência de dadores?
Enfermeira Iolanda: Com a pandemia nota-se então que as dádivas estão a diminuir muito, as reservas estão em baixo. Acredito que as pessoas têm receio de vir ao Hospital, há uma proporção cada vez que na televisão dizem que há um aumento do número de casos, também aqui diminui o nº de dadores. No começo do ano houve aquele boom de doentes COVID, os Hospitais ficaram caóticos, Santa Maria não foi exceção. Mas depois fez-se uma campanha que correu muito bem, e as pessoas vieram, mas a ideia não é que as pessoas venham todas ao mesmo tempo, não precisamos de ter duas a cinco horas de fila de espera para doar sangue. O importante é que as pessoas se lembrem de tempos a tempos devem vir doar. As mulheres podem doar de 4 em 4 meses, os homens de 3 em 3, mas mesmo que viessem duas vezes por ano, as reservas conseguiam ser equilibradas.
Qual acha ser o motivo para não virem? São mitos?
Enfermeira Iolanda: O que acontece é que as pessoas vêm uma vez, mas depois passam 2 ou 3 anos sem vir, esquecem-se, a vida é corrida, há uma série de desculpas. E nesta altura, dá-me a sensação que as pessoas estão pouco solidárias. As pessoas estão cansadas de ouvir falar da pandemia e da Covid e esquecem-se do resto e o resto são os outros. Temos que perceber que estamos cá para nos ajudar uns aos outros. Quem é saudável, devia ter quase que uma obrigação em ajudar, quem não é. E o receio das agulhas, o receio de ver sangue, é tudo infundado, porque a agulha dói, mas é um bocadinho e não é nada que não passe, e são 10 minutos de dádiva. Passa, é rápido. E temos dadores que vêm cheios de medo e de receio e depois corre tudo bem. Acabamos de ter uma jovem que vinha em pânico e que daqui a 4 meses volta. As pessoas também têm alguns medos e mitos. Algumas pessoas acham que dar sangue vicia. E que se vem uma vez tem que vir sempre. Não. A pessoa vem uma vez e se não quiser não volta. O organismo não vai pedir para vir dar sangue. Não emagrece, não engorda. Não apanham doenças, O material que é utilizado é estéril e de utilização única, só se utiliza o kit num dador. E o que pode ainda acontecer é descobrir-se se a pessoa tem algum problema. Porque são feitas análises e é feito um check-up prévio á dádiva, por vezes descobre-se anemias graves ou outro tipo de patologias que a pessoa possa ter e que nem a própria sabe. A pessoa vir dar sangue e apanhar uma doença está fora de questão, não acontece.
Qual o tipo de pessoas que vem aqui dar sangue?
Enfermeira Iolanda: A maioria dos nossos dadores são os nossos alunos de Medicina. E nós percebemos que quando eles estão ausentes as dádivas descem. quando andam por aqui é melhor. Mas ultimamente tem estado muito fraco. Temos muitos dadores que vêm de fora, mas estamos a metade ou menos dos números que estávamos antes da pandemia. Neste momento chegamos a alturas em que não há sangue, o que é grave, e há cirurgias que são adiadas por falta de sangue. Isso é uma realidade infelizmente.
Agora, as pessoas que vêm é com o sentido de querer ajudar, querem mesmo dar e ajudar. Alguns até davam mais vezes se pudessem.
E se deixar de haver sangue?
Enfermeira Iolanda: Aqui no Hospital de Santa Maria, diariamente precisamos de 100 unidades, e tendo em conta que estamos a ter uma média de 7 dadores por dia, as dádivas de sangue são mesmo necessárias. Nesse caso há cirurgias que têm que ser adiadas, ou então tem que se fazer pedidos ao Instituto Português do Sangue e Transplantação, que é a entidade máxima e que lhes cabe fazer campanha a nível nacional. Nessas alturas tentamos dessa forma, fazemos apelos e havendo outros centros de colheita, e eles vão enviando para cá o que é possível, mas não é suficiente. Era importante que cada centro fosse autossuficiente. Agora estamos com uma média muito baixinha, tínhamos cerca de 30 dadores, antes da pandemia, e agora são muito menos, não está fácil.
Então, o que nos pode dizer para encorajar as pessoas a virem?
Enfermeira Iolanda: Podem vir entre os 18 anos e 65 sendo que a primeira dádiva deve ser até aos 60. Ter no mínimo 50 kilos e estar saudável. Depois é feira uma triagem e aí todas as dúvidas são esclarecidas. O que podemos dizer mesmo é que sem sangue não há vida e o sangue é preciso todos os dias. Temos doentes oncológicos que todos os dias precisam de sangue, temos doentes com anemias graves, cirurgias, e acidentes, bebés prematuros, e doentes Covid que estão ventilados e também precisam. Já era necessário e com os doentes Covid ainda é mais necessário. Não têm que se sentir inseguros em vir dar sangue. Aqui, no piso 2, é uma zona nobre do Hospital, é na entrada, uma zona limpa, onde não passam doentes aqui, é logo o primeiro serviço e não têm que circular dentro do edifício. E ainda têm direito ao parque de estacionamento e se vierem perto da hora de almoço, recebem uma senha para ir à cantina. Temos aqui uma equipa que os recebe com muito boa disposição e mesmo que venham com medo e receio tentamos aligeirar, brincar e nunca deixamos o dador sozinho. Tem sempre ali alguém de apoio. Brincamos de modo a que as pessoas fiquem com vontade de voltar. A ideia principal é angariar novos dadores, a outra é fidelizá-los, manter a sua regularidade nas dádivas. Se vierem duas vezes por ano já não é mau. Todas as dádivas são importantes. Há pessoas que se preocupam porque são “”A positivo e como tal isso é muito comum e como tal há muito sangue desse tipo. Não é assim, se há mais pessoas com A positivo também haverá mais a precisar desse tipo de sangue, por isso todos os grupos sanguíneos são importantes.
Já sabem, venham dar sangue. Aqui na Unidade de Santa Maria irão ser bem recebidos e será tudo explicado para se sentirem com total confiança!
Informações para saber onde se dirigir:
Centro de colheitas para dadores de sangue
Hospital Santa Maria, piso 2, junto da entrada principal
Horário de atendimento: das 8:30h às 15:30h, de segunda a sexta-feira (não encerra para almoço)
Para mais informação ou esclarecer dúvidas ligue: 967 048 956.
Testemunhos
Tânia Andrade, 29 anos, Advogada
Desde quando dá sangue: 1ª vez
Motivação para dar sangue? Eu sempre quis dar sangue por saber que é uma boa ação e uma necessidade, que pode salvar vidas e que a falta de sangue pode impedir que se salvem essas vidas. Nunca quis dar por medo. Porque tenho medo de agulhas, e ouço histórias de pessoas que se sentem mal e ficava sempre com receio. Durante os primeiros meses do ano vi os apelos e agora decidi não continuar a adiar, vim dar. Não custou nada, vou passar a dar regularmente.
Porquê em Santa Maria? Por uma questão de facilidade. Venho a consultas com o meu irmão e aproveito a deslocação e faço as duas coisas. Vivo perto por isso dá jeito.
Miguel Andrade, Técnico Superior FMUL
Desde quando dá sangue? Desde 2007, regularmente
Motivação para dar sangue? Quando vi trabalhar para a Faculdade, que me comecei a sensibilizar para o tema e a aperceber da falta que as nossas dádivas faziam. Independentemente da questão da solidariedade sinto quase como um dever, traz-me muito conforto saber que o meu sangue pode ajudar a salvar uma vida.
Porquê em Santa Maria? Comodidade, perto do local de trabalho.
Rita Sobral, 36 anos, Coordenadora GAE-FMUL
Desde quando dá sangue? Participei em algumas ações esporádicas, mas regularmente desde 2016
Motivação para dar sangue? Primeiro, fiquei mais consciente da falta de sangue, e se calhar não tenho um tipo de sangue tão raro como o 0- achei que todos são importantes e que podia fazer a diferença. Apesar de dar o meu tempo, posso fazer a diferença de outras formas, e dar sangue é uma delas. No âmbito do GAE, fizemos várias campanhas com a Faculdade Ajudar e com a Associação de Estudantes e vamos ter agora o Giving Tuesday , de 29 de Novembro a 10 de Dezembro, a toda a comunidade FMUL e Universidade para virem dar sangue.
Sónia Teixeira, 36 anos, Técnica Superior GIE-FMUL
Sou dadora de sangue regularmente, desde 2003.
Sempre foi algo que quis fazer mal fizesse os 18 anos, por solidariedade e por ter percebido a importância de dar sangue a quem precisa, porque sei que é uma necessidade constante e sinto que é um dever cívico de preocupação com o outro.
O local escolhido foi sempre consoante o sítio onde me era mais conveniente, acho que já dei em mais de 10 sítios distintos, mas agora aqui por ser mesmo no meu local do trabalho e gostar muito da equipa, é fantástica e que nos faz sentir confortáveis durante a dádiva.
Sónia Teixeira
Equipa Editorial
![Share](https://www.medicina.ulisboa.pt/sites/default/files/media-icons/share.png)