Durante muitos séculos, na cultura de vários povos, os conhecimentos médicos eram muito elementares e estavam associados à religião e a práticas de magia.
A medicina era fundamentalmente de ordem prática, eram experimentados remédios e as recomendações médicas aconselhadas na maioria das vezes não levavam à cura mas sim, à morte do paciente, sendo atualmente consideradas absurdas. No entanto, alguns dos tratamentos utilizados eram considerados eficazes por várias culturas, que acabaram por se tornarem em inspirações para algumas técnicas utilizadas hoje em dia.
Na época, supunha-se que as doenças manifestadas eram rotuladas como de castigos enviados pelos deuses ou eram espíritos maus que se tinham introduzido no corpo do doente e que só o podiam abandonar através de amuletos, feitiços e rituais.
Muitos dos conhecimentos de então não chegaram aos nossos dias por se terem perdido no decorrer dos tempos, devido a vários fatores como as intempéries, incêndios ou guerras, que destruíam os locais onde se reunia o conhecimento, como aconteceu com o desaparecimento da Biblioteca Real de Alexandria.
Sabe-se que a fabulosa cultura egípcia era muito avançada e que floresceu por mais de 3 mil anos a.C. De acordo com o Papiro Ebers (datado aproximadamente de 1550 a.C.), um dos tratados médicos mais antigos que chegou até aos nossos dias, menciona inúmeras doenças como infeções e cáries dentárias, mas também receitas, bálsamos e outros tratamentos onde eram incluídas frutas, mel, resinas, incenso e inúmeras plantas, como documentam alguns dos antigos herbários encontrados em escavações arqueológicas.
As próteses e restaurações dentárias eram realizadas por algumas sociedades na antiguidade. Foi encontrado no norte de Itália um dente humano, que remonta a cerca de 14 mil anos, com indícios que tenha sido sujeito a tratamento.
Avicena (ca 980-1037) recomendava para as cáries dentárias “queimar uma mistura feita de gordura de cabra, meimendro e cebola em volta do paciente”, enquanto que Plínio, o Velho (23-79) sugeria para a dor de dentes “capturar um sapo à meia-noite e cuspindo na sua boca, pronunciando palavras "curativas".
A cultura egípcia dava grande importância à existência das próteses para os vivos, mas principalmente para os mortos, pois supunham que depois da morte o corpo deveria alcançar o Além de forma completa, inteiro e acompanhado de tudo o que fosse necessário para a viagem.
A medicina egípcia era muito desenvolvida, os seus praticantes tinham uma enorme noção acerca da anatomia humana, devido à prática da mumificação. Durante a preparação dos corpos tinham a oportunidade de analisá-los e, de acordo com a sua apresentação faziam a associação com as doenças que as pessoas haviam sofrido em vida, o que lhes fornecia conhecimentos suficientes para que praticassem a cirurgia, a perfuração de crânios e a remoção de tumores.
De forma a tratar doenças de cariz mental, convulsões epiléticas e enxaquecas, que supunham ter origem em demónios e maus espíritos que se tinham incorporado no paciente, era comum a realização da trepanação que consistia em perfurar o crânio do doente.
A trepanação é considerada a intervenção cirúrgica mais antiga, julga-se que já era praticada no período Mesolítico (10.000 a.C.), de acordo com os restos humanos encontrados. Esta prática foi utilizada em várias épocas desde a cultura da americana pré-hispânica até ao período do Renascimento, no entanto não sabemos se alguns destes doentes sobreviveram após esta prática.
Na época de Hipócrates (460-370 a.C.) pensava-se que a epilepsia surgia por vontade de deus. Este médico grego acreditava que esta enfermidade era provocada pelo frio, pelo sol ou pelo vento. Na Idade Média sugeriam o tratamento desta doença com orações e água benta.
Em meados do século XIX, no tratamento das doenças mentais era utilizada a cadeira giratória combinada com “chuveiradas geladas, laxantes, terapia de coma insulínico e lobotomia frontal”. A cadeira girava até que os doentes desmaiassem. Era suposto que desta forma o paciente curava a ”esquizofrenia e outras doenças mentais, “embaralhando” o conteúdo do cérebro”.
Chegou até nós alguma informação acerca de como os “médicos” na antiguidade anestesiavam os doentes para a prática da cirurgia. Na Mesopotâmia era empregue o ópio e o álcool, no antigo Egito a anestesia utilizada era produzida “a partir do extrato de frutos da mandrágora”, enquanto na China e na India era utilizada a cannabis, o olíbano e o acônito.
Para que pudessem ser praticadas as cirurgias para o alívio do sofrimento dos pacientes foram igualmente utilizados, por alguns povos, vários procedimentos como o método do “Estrangulamento parcial”, obtido por asfixia até à inconsciência, altura em que o cirurgião intervinha, a “Concussão cerebral” obtida golpeando a cabeça do doente com um pedaço de madeira e com a força suficiente para quebrar uma amêndoa, mas sem provocar fratura do crânio; compressão das carótidas e das jugulares, compressão de troncos e raízes nervosas, o frio e congelação de regiões do corpo humano”.
Até à Idade Média era ainda desconhecida a forma adequada de muitos dos tratamentos para curar muitas das enfermidades, os fatores condicionantes das mesmas, sendo a cirurgia somente realizada perante o perigo de morte do paciente, os instrumentos utilizados eram muito elementares e não existia uma higiene adequada.
No tratamento da diabetes eram aconselhados exercícios físicos e ervas curativas, mas rapidamente verificaram que os pacientes não obtinham melhoras e acabavam por falecer. Também as doenças de pele como a psoríase eram incuráveis, julgavam que eram contagiosas. Neste caso as pessoas que sofriam desta doença “tinham de usar um sino para avisar aos demais que estavam se aproximando”.
Desde os tempos mais antigos que muitas doenças eram tratadas através da sangria, método que foi utilizado durante muitos séculos.
Este método consistia em colocar sanguessugas em cima da pele para pudessem fazer uma “limpeza” das impurezas.
Esta prática que segundo se pensava “o sangue continha líquido maligno e que devia ser libertado para a cura do doente” foi inicialmente realizada no Egito e na antiga Grécia. Este método vulgarizado tanto na Índia como nos países árabes, foi muito utilizado pelos barbeiros durante a Idade Média. George Washington (1732-1799) foi submetido a este método para curar a pneumonia de que padecia, acabando por ser a causa da sua morte.
Na antiguidade, no campo da obstetrícia a mulher optava por dar à luz de cócoras ou de pé. Na India já se sabia virar o feto quando este se encontrava numa posição incorreta para se realizar o parto. As tribos em África já realizavam cesarianas com instrumentos muito rudimentares.
Ao longo da Idade Média houve um acentuado retrocesso no conhecimento da obstetrícia devido não só por terem desprezado as antigas informações obtidas durante os séculos anteriores, mas também por não ter existido um desenvolvimento nesta área por influência da Igreja, o que resultou num elevado número de mortes, tanto em recém-nascidos como das mães durante o parto.
Anteriormente à invenção dos antibióticos (a penicilina foi descoberta em 1928 por Alexandre Fleming), o combate às infeções era efetuado através de remédios assentes em venenos oriundos de algumas plantas e nas toxinas provenientes das cobras, que atualmente alguns investigadores comprovaram que essas substâncias contém elementos que “eliminavam bactérias ou tinham efeitos bactericidas”.
Na Idade Média foram adicionados às fórmulas destes remédios, serpentes e escorpiões dissecados.
O desenvolvimento da prática de curar teve como um dos seus inícios, os avançados conhecimentos em medicina deixados por vários povos como os egípcios que bem conheciam a anatomia humana, a utilização de plantas para a cura de enfermidades e os romanos que também tiveram um papel muito importante na era clássica da medicina, com a invenção de vários instrumentos utilizados em cirurgia como bisturis, tesouras, pinças ou agulhas.
Também Hipócrates considerado o maior crítico da Medicina Moderna discordava com o conceito, que por essa altura se pensava, de que “apenas os deuses eram determinantes para todas as causas das doenças”, dedicando-se a “estudar os sintomas de doenças e a evolução delas em outros pacientes”. Galeno, autor de mais de 400 livros entre os quais 70 títulos dedicados à Medicina, defendia o estudo e a observação do meio ambiente, e a relação entre os seres humanos, como forma para identificar as causas das enfermidades relacionadas a problemas físicos, o que contribuiu também para a evolução e desenvolvimento da Medicina.
Apesar de na Idade das Trevas terem desenvolvido alguns medicamentos, as doenças voltaram a ser novamente atribuídas às forças divinas. Nessa época a evolução da medicina baseou-se no conhecimento deixados pelos persas, árabes e judeus, que através dos seus estudos dedicados na codificação da medicina grega e apoiados pelos escritos egípcios e indianos, deram origem a algumas descobertas como a “natureza contagiosa das doenças infeciosas; distinção entre a varíola e o sarampo, sobre as reações alérgicas”.
A partir do Renascimento, a mudança do pensamento (onde foi abandonada a ideia de que a causa das doenças tinha origem divina) contribuiu para um enorme avanço do conhecimento médico nos séculos seguintes. Verificou-se no séc. XVI o início da realização de testes em laboratório muito mais aprofundados e uma evolução do conhecimento tanto da anatomia como da cirurgia; no séc. XVII com a descoberta do sistema circulatório do sangue por William Harvey que revolucionou os conceitos de anatomia, trazendo outras ciências como a Farmácia ou a Biologia a apoiar a Medicina, um mais vasto “conhecimento fisiológico que possibilitou que as doenças fossem identificadas com mais precisão”.
No séc. XIX a invenção do microscópio acromático possibilitou a identificação das bactérias causadoras de várias doenças e “a teoria dos germes desenvolvida por Pasteur”. A partir do séc. XX surgiu um enorme desenvolvimento na Medicina devido ao avanço tecnológico que contribuiu na criação de equipamentos para diagnosticar as enfermidades que continuavam sem tratamento curável. Surgiu ainda nos finais do seculo XIX o Raio-X sob a responsabilidade de um dos seus criadores, o físico alemão Wilhelm Conrad Roentgen. Esta descoberta contribuiu especialmente para os tratamentos ortopédicos, auxiliando “a examinar as estruturas anatómicas sem precisar fazer procedimentos invasivos no paciente”.
No início do seculo XX, Willem Einthoven inventou o aparelho de eletrocardiograma que permitiu o estudo sobre o funcionamento do músculo cardíaco.
Em 1972 foi criado o tomógrafo por Allan Cormack e Godfrey Newbold Hounsfield, e em meados da mesma década começaram a ser utilizados os aparelhos de ressonância magnética, invenção de Edward Purcell e Felix Bloch, que permitiam a realização de exames em humanos, dando a possibilidade de realizar os diagnósticos com mais precisão de várias enfermidades.
Este importante aparelho além de fornecer imagens internas do organismo com excelente resolução espacial, não utiliza a radiação ionizante (potencialmente cancerígena) em comparação com as radiografias e as tomografias.
Com a utilização da telemedicina mediante os recursos das tecnologias da informação e comunicação, é possível transmitir e partilhar informações, documentos, diagnósticos ou exames médicos, entre profissionais de saúde que estejam em localidades distantes.
As primeiras comunicações foram realizadas no séc. XIX através do telégrafo e do telefone. Já no século XX a telemedicina usufruindo da utilização da internet, revolucionou a comunicação no universo médico. Atualmente é possível um médico avaliar um paciente de onde ele quer que ele esteja, orientando-o e transmitindo-lhe indicações na procura de que a doença não progrida.
Verificou-se na última década do seculo XX, a introdução das mais recentes inovações tecnológicas (impressão em 3D e a robótica) e de novos recursos digitais que proporcionaram uma nova evolução da Medicina, destacando-se a cirurgia robótica que tem como finalidade efetuar cirurgias à distância, mesmo em locais muito distantes. Por outro lado, este recurso traz enormes vantagens visto que enquanto máquinas são mais precisas e não são influenciadas por várias causas como o cansaço ou tremores.
Sem todos estes grandes avanços e inovações tecnológicas, que ocorreram neste último seculo, seria muito difícil de compreender melhor o organismo humano, realizar estudos e investigações com o objetivo de se criar novos tratamentos, medicamentos, vacinas e outras soluções que nos possam responder às várias questões da saúde, mas também na orientação para a prevenção das doenças, impedindo o risco de morte, aumentando a longevidade e qualidade de vida dos seres humanos.
Bibliografia:
- 5 tratamentos bizarros que a medicina antiga considerava como eficazes. Disponível em: https://www.megacurioso.com.br/medicina-e-psicologia/69535-5-tratamentos-bizarros-que-a-medicina-antiga-considerava-como-eficazes.htm. . [Acedido em 11-09-2021]
- Como se deu a evolução da Medicina ao longo dos anos? Disponível em: https://medicina.ucpel.edu.br/blog/evolucao-da-medicina/. [Acedido em 11-09-2021]
- Conheça a história da medicina e sua evolução ao longo dos anos. Disponível em: https://www.ceen.com.br/conheca-a-historia-da-medicina-e-sua-evolucao-ao-longo-dos-anos/. [Acedido em 11-09-2021]
- As práticas médicas do Egito Antigo que são usadas até hoje. Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/geral-40634202. [Acedido em 11-09-2021]
- 7 tratamentos médicos estranhos que ficaram no passado. Disponível em: https://incrivel.club/criatividade-saude/8-tratamentos-medicos-antigos-que-devem-ficar-no-passado-para-sempre-332610/. [Acedido em 11-09-2021]
Lurdes Barata
Área de Biblioteca e Informação
Equipa Editorial