A pensar nos futuros alunos que recentemente escolheram a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL), pedimos aos nossos estudantes que nos relatassem o que foi viver o primeiro ano académico diante de uma pandemia. Que dificuldades sentiram, como foi para eles criarem uma relação de amizade à distância com os novos colegas, o que mais os marcou e como se atravessam alguns momentos que nem sempre são facilmente geríveis, foi o que pedimos para refletirem.
E eles assim o fizeram, com o propósito de inspirar e ajudar os que agora chegam.
Maria Leonor Realinho | Caldas da Rainha
1º ano do Mestrado Integrado em Medicina
“A entrada na faculdade é, sem dúvida, um momento de enorme mudança na vida de qualquer estudante, marcada por uma necessidade acrescida de maior autonomia e responsabilidade. Saímos da nossa área de conforto, mudamos de cidade, de casa, de colegas e deixamos a escola de sempre. São muitas mudanças que exigem uma robustez emocional e um suporte familiar/amizade que não nos deixe ficar isolado.
No entanto, embora ser estudante do ensino superior não seja uma etapa fácil, iniciar este percurso num ano tão atípico como este revelou-se um desafio de exigência superior. Sem dúvida que a minha experiência de primeiro ano não foi a que tinha idealizado, na medida em que esperava deparar-me com uma realidade completamente diferente da que experienciei, onde se sente, vivamente, a falta de convívios e festas que acabariam por tornar toda esta fase de adaptação mais fascinante.
A pandemia mudou a realidade do presencial na Faculdade, para o virtual e, tendo em consideração o facto de estar deslocada, levou a que passasse a maior parte do tempo nas Caldas da Rainha, junto da minha família e amigos.
Na verdade, esta nova realidade traz consigo inúmeros desafios com os quais tive de aprender a viver. Tenho também um irmão na faculdade de Medicina que frequenta o quarto ano e, durante todo o meu percurso, foi, sem dúvida, um enorme apoio, bem como os seus amigos, a minha monitora, a minha mentora e amigas de anos superiores que se mostraram sempre disponíveis para me ajudar, quer nas estratégias de estudo, quer no suporte emocional, uma vez que todos acabamos por passar por momentos de insegurança e angústia.
Após ter concluído o primeiro ano, sinto que é fundamental para conseguir ultrapassar as dificuldades iniciais saber fazer uma boa gestão do tempo, definindo um plano de estudo que abranja horários para estudar, tempo para atividades extracurriculares e também para fazer novas amizades. Para além disso, sendo que todos entramos em medicina, curso cuja média de acesso não é baixa, leva a que as expectativas relativamente às notas tenham de ser moderadas e, ao mesmo tempo, torna-se essencial não viver os problemas em silêncio e saber partilhá-los com alguém.
O primeiro ano na faculdade é um período repleto de emoções tanto positivas pela conquista do lugar com a qual sempre ambicionei alcançar, mas ao mesmo tempo há momentos mais difíceis, sobretudo durante a época de exames, em que não basta o apoio familiar ou mesmo dos amigos do secundário. Revela-se fundamental o apoio de alguém que viva o mesmo, que demonstre as mesmas preocupações e enfrente as mesmas dificuldades. Assim, no meu caso, fazer novos amigos na faculdade tornou-se um elemento chave para me integrar e para me sentir em “casa”. Parece difícil conhecer novas pessoas num momento inicial, não nego, sobretudo durante este ano em que a pandemia nos levou a percecionar a vida social de outra forma.
No início do primeiro semestre, tive algum receio de não estabelecer novas amizades e de ficar à margem. No entanto, os primeiros dias de receção foram decisivos e consegui conhecer algumas pessoas, com as quais fui começando a combinar almoços e jantares. As aulas práticas presenciais foram também determinantes para estabelecer contacto com novos colegas, sendo que as redes sociais impediram o distanciamento quando as mesmas foram suspensas. De forma natural, mesmo sem os “clássicos” convívios fui desenvolvendo uma relação de amizade com um grupo de colegas de curso, com os quais irei passar férias no final do mês de agosto.
A pandemia é, seguramente, uma barreira à formação de novas amizades, mas não é insuperável.”
António Gonçalves | Região Autónoma da Madeira
1º ano do Mestrado Integrado em Medicina
“Coloquei Lisboa em primeiro lugar por duas razões: Ao sair da Madeira iria ter experiências diferentes, iria ter um cheirinho do que é a vida adulta, pois teria de viver sozinho e deixar a casa dos meus pais. Tudo isto na expectativa de crescer enquanto pessoa; E porque é a cidade onde tenho mais apoio de amigos e conhecidos. Também porque é central e tem montes de coisas para fazer.
Este primeiro ano de faculdade não foi fácil. Foram muitas mudanças ao mesmo tempo, sair da casa dos pais, uma cidade nova, um nível de ensino mais complicado. Estava à espera de sentir mais saudades de casa, mas não aconteceu, adaptei-me bem. Com a pandemia expectava que as coisas não fossem como nos anos anteriores, sem praxe presencial, sem as aulas presenciais, sem aquele contacto com os outros. Estava ansioso por fazer amigos novos, para conhecer pessoas novas, claro que devido às condições que nos encontramos, foi difícil.
O primeiro semestre correu bem, ainda tive a sorte de ter algumas aulas presenciais de BMC (Biologia Molecular e Celular) e bioquímica, nas quais aproveitava para ter contactos humanos. Tive a minha primeira avaliação oral, e foi de Anatomia. Essa oral foi muito puxada, mas com jeitinho passei com aquele 10 maravilhoso. Passei a maior parte do tempo em casa, onde estudava a maior parte do dia, ainda me inscrevi no futsal da faculdade, mas só houve um treino. Sinto que o desporto me fez falta, coisa que tenciono melhorar este ano.
No segundo semestre tive grande parte do tempo em casa, na Madeira, devido às condições pandémicas terem piorado. Facto importante a referir, anatomia de segundo semestre é mil vezes mais interessante relativamente à do primeiro. Arranjei outro método de estudo, usei anki cards, que são flashcards. Resultou e gostei, tive 18,5 na oral do segundo semestre. Acho isto muito importante, senti-me completamente perdido muitas vezes, porque não sabia como estudar, sabia o que tinha de estudar, mas era tanta coisa que não sabia por onde começar.
Custou chegar lá e aceitar, mas percebi que é impossível saber tudo, é preciso arranjar um ponto de equilíbrio, não escolher o tudo nem o nada. É difícil este impacto, porque somos todos estudantes espetaculares, que vieram com altas notas do secundário, e, de repente não temos nada controlado como tínhamos, e aceitar isso pode custar um bocado. Passei a tudo à primeira, no entanto tantos exames de seguida foram um exagero, ninguém merece. Tive ataques de ansiedade, que nunca tinha tido.
Concluindo, foi um desafio muito grande, mas com calma, e às vezes não, tudo se fez.
Eu estava com sede de novos amigos, e sem saber o que era, inscrevi-me na comissão de curso no dia da apresentação. Este grupo de pessoas salvou-me, tive imensa sorte, são todos maravilhosos à sua maneira. Apoiaram-me quando estava em baixo, partilhámos os mesmos obstáculos, juntos fizemos este primeiro ano atípico. Medicina não se faz sozinho. Fizemos imensas reuniões por zoom, esquecemo-nos do curso no meio das gargalhadas online. Tivemos sempre juntos nas orais uns dos outros, principalmente nas de segundo semestre. Fora do CC, conheci um grande amigo meu da faculdade, devido às tais aulas presenciais.”
Inês Carmo Ferreira | Lisboa
1º ano do Mestrado Integrado em Medicina
“Para mim, a entrada na faculdade no curso de Medicina foi desde sempre algo com que sonhei. Idealizei a receção na primeira semana, a praxe, as festas e os convívios, como seriam as aulas num auditório cheio com 300 alunos... Por esse motivo, entrar como caloira num ano em que a pandemia forçou a que o ensino presencial transitasse para o virtual acabou por me obrigar a gerir as expectativas que tinha em relação a este, e penso que essa foi a maior dificuldade que encontrei.
A minha entrada na FMUL foi sem dúvida uma grande mudança e o meu primeiro ano foi mais atribulado do que tinha idealizado. Não obstante, acho que não deixou de ser uma experiência incrível porque apesar das circunstâncias consegui conhecer muitos colegas, assistir a algumas aulas presenciais, participar na praxe e ganhar mais autonomia.
No primeiro semestre conseguimos ter bastantes aulas presenciais o que ajudou a lidar com a exigência do curso e a conhecer mais pessoas. No segundo semestre, como fomos forçados a regressar a casa, o curso foi mais desafiante porque me obrigava a ficar concentrada durante várias horas no computador à minha frente. Apesar disto, também existiram vantagens, porque ao passar a maior parte do tempo em casa consegui fazer uma melhor gestão do meu tempo e pude contar com a companhia constante da minha família.
É certo que a pandemia colocou alguns obstáculos no meu percurso enquanto caloira e que não permitiu que o meu primeiro ano fosse aquele que eu esperava e desejava. Ainda assim, considero que foi um grande ano porque me desafiou diariamente, permitiu-me aproveitar cada momento semelhante à realidade pré-pandemia da melhor forma e fez-me ansiar ainda mais pela vivência de tudo o que a faculdade e a vida académica têm para oferecer.
Num ano atípico como este, fui sempre uma privilegiada em relação às pessoas que conheci e amizades que criei. Tive desde o início o apoio incrível da minha mentora e de amigos mais velhos que me ensinaram a sobreviver ao curso. Depois, fui conhecendo alguns colegas que passaram a amigos próximos e que tornaram este primeiro ano muito melhor. Não tivemos as festas, mas não dispensámos as noites de convívios, mesmo que isso implicasse muitas chamadas zoom e alguma criatividade.
No princípio pode parecer complicado conhecer pessoas novas, mas num universo com tantos alunos como a nossa faculdade é impossível não encontrarmos alguém com quem nos identifiquemos e há sempre quem esteja disponível para nos ajudar, seja a encontrar a sala de aula ou com uma crise existencial.
Logo no início, conheci alguns colegas que pertenciam ao meu horário e começámos a combinar cafés depois das aulas para nos conhecermos melhor. Esses momentos foram muito importantes porque não só me ajudaram a ultrapassar o choque inicial da entrada no curso como também a criar uma base de apoio que me acompanhou nos vários obstáculos deste ano e que me ajudou a superar alguns momentos de insegurança pelos quais todos passamos.
Medicina é indissociável das inúmeras horas passadas a estudar, mas ironicamente foram essas tantas horas que me permitiram conhecer mais pessoas. No segundo semestre, as salas de estudo da faculdade encheram-se com caloiros do 20-26 e, portanto, conheci muitas pessoas com quem nunca me tinha cruzado nas aulas presenciais. Algumas das minhas amizades mais próximas surgiram mesmo das pausas (talvez demasiado longas) entre estudos no piso 3, dos risos aos almoços e de uns quantos momentos de desespero com os exames.”

Vasco Lança | Beja
1º ano do Mestrado Integrado em Medicina
“O meu nome é Vasco Lança e completei agora o meu primeiro ano na Faculdade de Medicina. Sendo eu natural de Beja tive que me tornar “deslocado” para embarcar neste desafio, neste sonho de, um dia, vir a ser médico. Felizmente, a minha ida para Lisboa foi bastante fácil, uma vez que, tendo eu dois irmãos mais velhos, também eles a estudar na FML, bastou-me levar as minhas coisas e integrar as rotinas diárias da nossa casa. Embora para mim tenha sido uma questão muito acessível de resolver, muitos dos estudantes universitários não têm esta sorte.
O ser “deslocado” pode parecer assustador, ao início, mas o misto de adrenalina, êxtase e vontade de explorar o que é novo fazem desta experiência algo único.
Este primeiro ano foi, para todos nós, algo atípico. A pandemia marcou os nossos tempos, marcou a entrada para a faculdade, marcou o nosso primeiro ano de caloiros, marcou as nossas aulas, as nossas vivências, as nossas experiências, marcou tudo! Sermos os pioneiros destes descobrimentos é algo que não é fácil, mas o encarar desta nova realidade é algo que, do meu ponto de vista, só depende de nós. Que ia ser diferente todos sabíamos. Mas a bola ficou do nosso lado. “Vais condenar este primeiro ano e viver em angústia? Ou vais fazer deste ano um ano incrível, apesar de tudo?” – esta era a pergunta que eu me fazia a mim mesmo. Nem sempre foi fácil escolher a 2ª opção, devo reconhecer. Mas, se há coisa que aprendi este ano, é que a vida nem sempre vai ser fácil, nem sempre se vão abrir todas as portas para nós, nem sempre vamos ver o nosso esforço reconhecido, nem sempre vai correr tudo bem; mas aprendi também que com um sorriso na cara tudo fica mais leve. Aprendi ainda a dar ainda mais valor aos pequenos gestos, aos pequenos encontros, às pequenas conversas, às pequenas ajudas, porque um ano passa e os grandes momentos são esporádicos, mas os pequenos momentos são inúmeros...
A pandemia mudou a realidade do presencial, na Faculdade, para o virtual. Para mim e para muitos dos meus colegas, esta não foi uma mudança: foi um conhecer uma realidade, a única diferença é que esta era desconhecida por toda a gente. Enquanto que para os alunos mais velhos teve que haver uma adaptação, para nós, alunos de 1º ano, teve que haver uma aprendizagem de raiz. Rapidamente percebi que estudar muito tempo em casa, para mim, não é a melhor opção. Juntamente com os meus irmãos e alguns amigos, adotei as salas de estudo como opção primária para o meu estudo. Caleidoscópio, Piso 6, Anatomia, Piso 3 e aquários (e até a Cantina, quando já não havia lugares em lado nenhum), foram as minhas segundas casas.
O que eu esperava deste primeiro ano torna-se uma questão um pouco relativa. Conhecia já bastantes histórias devido aos meus irmãos e, por isso, num ano “normal” saberia o que esperar. Mas sendo este o ano que todos sabemos que foi, procurei sempre não criar expetativas (talvez seja uma estratégia algo defensiva, porque quanto mais se soube, maior é a queda).
A nível pessoal e social sinto que foi todo um novo mundo que tive de descobrir. Tive que me adaptar, ou mesmo reinventar, porque estava a conhecer pessoas novas, muitas delas em que a única coisa em comum era a faculdade onde estudávamos. Conhecer pessoas do 1º ano era um constante desafio, porque, com a maior parte, víamo-nos 1 vez por semana. Tenho a sorte de poder dizer que fiz alguns amigos com os quais falo regularmente e com os quais sinto que posso mesmo contar! Passaram de colegas a amigos e essa transição dá toda uma nova perspetiva a cada uma das relações interpessoais.
Ter irmãos na faculdade foi, sem dúvida, uma grande bênção. Não é possível dizer por palavras o quão bom foi. Não o digo pela facilidade que tinha em esclarecer dúvidas, pedir informações ou mesmo por todos os materiais. Digo-o sim por todas as conversas, por todas as pausas para café, por todas as (intermináveis) sessões de estudo, por todos os momentos que partilhámos e, sobretudo, pela amabilidade como cada um deles me acolheu no seu núcleo, no seu grupo de amigos, no seu grupo de estudo. Essa atitude deu-me um conforto e uma segurança que não consigo descrever. Obrigado ao Miguel e ao Pedro por isso. Foi a minha maior sorte neste 1º ano, sem pensar duas vezes.”
Aos alunos do futuro 1º ano, só queremos desejar-vos um ano cheio de felicidade e de muita aprendizagem. Deem valor aos pequenos momentos. Lembrem-se de dar prioridade àquilo que vos faz felizes e de se empenharem ao máximo. O vosso 1º ano só depende de vocês. Let the journey begin!
Joana Sousa | Leonel Gomes
Equipa Editorial
