André Graça é especialista em Pediatria desde 2005, sub-especialista em Neonatologia desde 2007, doutorado em Medicina em 2013 e Professor Auxiliar de Pediatria desde 2014, na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL). Desde Maio de 2021 desempenha as funções de Diretor do Serviço de Neonatologia. Atualmente, é Coordenador Nacional do Ensaio Clínico TREOCAPA e Investigador Principal no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN).
O TREOCAPA é um ensaio clínico em que se pretende demonstrar um eventual benefício em administrar profilaticamente o paracetamol na diminuição da incidência e complicações de uma situação comum nos grandes prematuros, que é a persistência do canal arterial. O paracetamol é um fármaco com perfil de segurança conhecido em Neonatologia, usado frequentemente como analgésico, mas também usado algumas vezes para tratar o canal arterial em prematuros com contraindicações para o ibuprofeno, que é atualmente o fármaco de primeira escolha nesta situação.
O ensaio clínico será conduzido em mais de 60 centros de 17 países europeus, com um total de 794 bebés prematuros durante um período de 28 meses. O ensaio terá uma duração de 38 meses.Em Portugal, este ensaio iniciou o recrutamento no mês de Junho em 3 Centros: CHULN-Hospital de Santa Maria, 2CA Braga e Centro Materno-Infantil do CH do Porto. O objetivo nacional é a inclusão de 27 recém-nascidos pré-termo.
É muito raro termos ensaios clínicos com bebés. O risco é elevado?
André Graça: Existem certamente muito menos ensaios clínicos em recém-nascidos do que em adultos ou mesmo crianças mais velhas. Não terá tanto a ver com os riscos, mas sobretudo com um menor interesse da indústria farmacêutica em desenvolver novos fármacos para um grupo relativamente restrito de indivíduos, que são os recém-nascidos doentes. No entanto, neste momento temos 3 ensaios a correr no Serviço de Neonatologia do CHULN, dois em prematuros e um em recém-nascidos de termo com encefalopatia hipoxico-isquémica.
O que o motivou a avançar agora?
André Graça: O TREOCAPA é um ensaio académico europeu baseado no consórcio c4C, criado especificamente para promover ensaios clínicos em idade pediátrica. A Sociedade Portuguesa de Pediatria, de que sou vice-presidente, tem tido um papel ativo na promoção do hub nacional do c4c, o Stand4Kids, e sendo eu Neonatologista, foi natural a minha colaboração com o único ensaio neonatal promovido pelo consórcio.
A prevenção da persistência do canal arterial foi o único motivo que o levou à concretização deste ensaio? Há, atualmente, muitos bebés a sofrerem de complicações, tais como: a redução do risco de morte ou de complicações graves relacionadas com a prematuridade, como hemorragias cerebrais, lesões pulmonares ou problemas oculares? Consegue dar-nos números exatos?
André Graça: A prematuridade extrema associa-se a uma elevada mortalidade (15-30%) e sequelas nos sobreviventes (20-30%), de gravidade variável, sobretudo quando envolve lesões do sistema nervoso central (nomeadamente hemorragia intraventricular, leucomalácia periventricular e retinopatia da prematuridade), gastrointestinais (enterocolite necrosante) ou respiratórias. Sendo grande parte destas situações agravadas pela ocorrência da persistência do canal artéria, é expectável um impacto positivo da prevenção deste último na ocorrência de sequelas.
O facto de podermos começar a utilizar nestes bebés, com tão poucos dias de vida, o paracetamol, só por si já pode minimizar alguns problemas graves que estes podiam ter à nascença ou dias seguintes?
André Graça: O paracetamol é um fármaco seguro e já utilizado no recém-nascido. Em qualquer caso, as doses precisas em bebés com menos de 27 semanas ainda estão a ser determinadas num ensaio de fase II que faz parte do TREOCAPA, motivo pelo qual a generalidade das unidades está apenas a incluir nesta fase bebés com 27 e 28 semanas. Assim, a base científica para este ensaio é que a prevenção do canal arterial hemodinamicamente significativo, utilizando um fármaco conhecido e seguro, poderá levar a uma redução da mortalidade e morbilidade por redução destas complicações clássicas da prematuridade.
Que grandes passos podemos estar a dar com este ensaio?
André Graça: Confirmando-se através dos resultados do TREOCAPA uma redução apreciável da incidência de persistência do canal arterial em grandes prematuros por consequência da utilização da profilaxia com paracetamol, podemos esperar um avanço significativo na Medicina Neonatal, por efeito de um aumento apreciável da sobrevivência sem sequelas dos grandes prematuros, que é o desiderato último de todos os que tratamos diariamente estes bebés.
Mais informação disponível em: https://conect4children.org/studies-treocapa/ | https://stand4kids.pt/
Leonel Gomes
Equipa Editorial