Fernando Namora, médico, licenciado em 1942 na Universidade de Medicina de Coimbra foi um nome que sempre fui ouvindo quando se falava de escritores portugueses, mas nunca com o enfâse dado a Eça de Queiroz, Júlio Dinis (também ele médico) ou outros. Pensava eu, que era um escritor obscuro, com pouca obra. Mas não. Escreveu mais de 20 livros, muitos sobre a sua experiência como médico e com componentes autobiográficas, consoante o período da vida em que estava.
Decidi, agora ao dar-lhe uma oportunidade, conhece-lo através de uma das suas obras mais conhecidas, que originou uma série nacional nos anos 80 “Retalhos da vida de um médico” em dois volumes. Este conjunto de dois livros trata de episódios isolados, histórias de pacientes no decorrer da vida profissional de Fernando Namora.
![fotografia a preto e branco do escritor mais jovem a escrever](/sites/default/files/inline-images/Fernando_Namora_2.jpg)
O primeiro volume passa-se no meio rural, nos anos 40, em que Fernando Namora, jovem, ingénuo e motivado, exerceu sua profissão de médico, “João Semana”, em aldeias do interior de Portugal, desde a Beira Baixa até ao Alentejo. Uma das minhas grandes surpresas ao ler este livro foi a simplicidade da escrita e a atualidade dos temas.
Fernando Namora escreve de modo escorreito, sendo sempre agradável a leitura, e mesmo quando refere momentos trágicos ou grosseiros, nunca se prende a juízos de valor, sendo as suas reflexões adequadas e sensíveis às condições das pessoas do campo.
Condições essas, expressas ao longo do livro, que nos mostram a miséria, ignorância em que viviam as pessoas do povo, pobres e dependentes de qualquer autoridade, civil ou religiosa e presos a misticismos e a práticas antigas, duvidosas e muitas vezes prejudicais de curandeiros, bêbados e sem o mínimo conhecimento de medicina ou humano.
Fernando Namora conta-nos através de episódios da vida comum como pouco a pouco consegue ganhar a confiança destas pessoas, como é posto à prova e como vai ganhando o seu espaço como médico e pessoa. Pungente é o capitulo que trata da sua relação com os ciganos e mordaz o capítulo em que refere os bruxos e curandeiros da aldeia: as suas preocupações são exatamente as que nos assolam a nós, numa época em que tantas terapias alternativas querem fazer-se passar por credíveis…
No segundo volume, escrito 15 anos depois do primeiro, encontramos Fernando Namora mais velho, um médico mais seguro das suas competências, mas não menos atento às fraquezas e magnitudes humanas. Agora trabalha numa cidade de província e os seus relatos, apesar de terem outro ambiente, não deixam de ter todas as nuances próprias da vulnerabilidade humana, que frente à doença adquirem cores mais autênticas e colocam a descoberto as nossas fraquezas e virtudes. Afinal, não somos assim tão diferentes, rurais ou urbanos, mais sofisticados ou mais simples.
Fernando Namora é um escritor que não fala para nós, mas connosco, e sinto que para quem estuda ou exerce Medicina pode ser uma excelente companhia, seja para lembrar a Medicina de “outros tempos”, como para nos maravilhar com as suas histórias e contemporaneidade.
As obras de Fernando Namora já foram publicadas por diversas editoras como a Publicações Europa América e Círculo dos Leitores. Atualmente podem encontrar as suas obras na Editorial Caminho.
Sónia Teixeira
Equipa Editorial
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