No dia 15 de junho voltaram as já conhecidas sessões “À conversa com…”. Desta vez, sobre o “Uso Racional do Sangue na Medicina Paliativa”, uma iniciativa do Centro de Medicina Paliativa.
Nesta sessão, com moderação de Marina Caldas, Diretora do FDC Consulting e jornalista, estiveram presentes, Paulo Reis Pina, Professor da FMUL e especialista de Medicina Interna e pós-graduado em Medicina da Dor e Geriatria, Rui Tato Marinho, Professor na FMUL e Diretor do Serviço de Gastroenterologia e Hepatologia do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN) e Álvaro Beleza, Diretor do Serviço de Imunohemoterapia do CHULN.
Esta sessão começou com uma introdução ao tema realizado pela moderadora Marina Caldas, referindo que o sangue é um bem raro e escasso e que os pacientes seguidos nos cuidados paliativos se queixam de cansaço e de falta de ar devido a anemia. Deixou no ar as questões sobre o que poderá ser feito, alternativas, e o futuro.
De seguida passou a palavra ao Professor Tato Marinho que realçou o sangue, referindo-se a este como o “ouro vermelho. É um bem precioso. Mencionou a sua excelente equipa, especialmente quanto à sua habilidade no controlo das hemorragias.
Equiparando o sangue a um medicamento, refere ser o 4º mais gasto em Portugal. Sublinha que não existe engenharia genética que produza sangue. A sua utilização deve ser equilibrada. Os doentes morrem menos com menos sangue do que com excesso. Salienta que não é fácil ter acesso a sangue, depende de pessoas saudáveis que se desloquem para dar; há riscos, embora pequenos (febre, doenças transmissíveis, reações inesperadas); é caro; há uma redução de dadores e fala ainda sobre a redução do uso e suas alternativas.
O Professor Paulo Reis Pina começou a sua apresentação refletindo sobre o título desta sessão, referiu que as transfusões têm de ser ponderadas. Em casos de anemia crónica, por exemplo, pode-se pensar em alternativas. É necessário perceber o que se pretende com a transfusão. Um sistema saudável tem capacidade de voltar à norma. Baseado na teoria geral dos sistemas, se um doente não volta à norma, é porque escasseia a homeostasia. Perante um sistema assim, com entropia crescente, sem capacidade de retroação, não se pode estar obstinadamente a dar plaquetas ou outros. Transfusão de sangue pode ser má prática clínica. Salienta a importância de focar nos doentes, sendo este o comportamento padrão nas medicinas paliativas. Há substitutos do sangue, via oral ou injetável, que podem fazer parte da decisão, mas para um doente que está cansado, ou com falta de ar, ou dependente de objetivos que ainda tenha, a transfusão é ponderada, a atitude depende dos valores do doente e da evidência científica. Comenta que, a medicina paliativa podia ser chamada medicina de suporte, mas infelizmente os doentes chegam muitas vezes demasiado tarde e já não têm cabimento as transfusões em termos gerais tendo em conta os protocolos específicos.
A moderadora colocou uma questão pertinente, sobre como passar esta mensagem para o público sem que este fique a ideia errada de “seleção de doentes”. O Professor Paulo Pina salienta que a medicina tem que ser reforçada em evidência científica, e que a decisão terapêutica tem que ser tomada tendo em conta a doença e tendo em conta a indicação para o processo terapêutico. Primeiro a evidência científica, depois os valores do doente tendo em conta a sua vontade, mas o doente não escolhe terapêuticas. Não são processos fáceis, mas têm que ser feitos pela boa prática clínica.
O Dr. Álvaro Beleza concordando, deixou a ideia do que é feito no Hospital de Santa Maria: 12 mil sessões por ano em hospital de dia, 6 mil consultas por ano, e doentes de cuidados paliativos que fazem terapia transfusional. Esta terapia consiste num transplante, havendo transfusão apenas se necessário, mas isso não depende da idade, apenas da necessidade. Os critérios são clínicos.
O médico Tiago Quaresma, interno do serviço de imunohemoterapia, fez uma apresentação sobre as valências deste serviço onde identificou os sintomas que são tratados neste departamento, como a anemia e a trombocitopenia. A grande maioria dos doentes que necessitam de cuidados paliativos têm tumores sólidos metastizados (82%), doença hematologia (15%) ou outros casos (2%). Mencionou ainda as terapêuticas realizadas: 63% dos doentes recebem ferro, por outro lado, a darbepoetin, é administrada a 48% dos pacientes. Muitas vezes é possível fazer terapias de substituição. Só um terço dos pacientes faz transfusão completa. Refere ainda, a importância da empatia para lidar com os doentes e como isso é essencial no seu processo evolutivo.
Em relação à empatia, o Professor Tato Marinho, deixou uma mensagem muito clara que aprendeu com a medicina paliativa, não é o tempo atribuído a cada paciente que importa, importa sim a compaixão, basta um sorriso, um olhar, uma conversa breve.
A moderadora questionou então como se olha para o futuro, que alternativas existem? O Professor Paulo Pina esclarece, “é necessário perceber até quando se dá transfusões, ou seja, perceber qual é a performance do doente antes da transfusão e durante, quanto tempo o doente irá melhorar”. Tem que se perceber como está o doente a lidar com a sua situação, perceber os riscos da transfusão, que têm que ser comunicados ao doente. Em fases avançadas os riscos são efetivamente maiores. Importa investigar retrospetivamente para perceber os benefícios das transfusões, em que momento estão da doença, entre outros.
Álvaro Dias, acrescentou que Portugal tem reduzido o número de transfusões, 10% nos últimos anos. Em Santa Maria, estas reduziram em 30%, o que é considerada uma ótima racionalização do sangue. Tem que se pensar sempre nos riscos e nas vantagens.
Marina Caldas referiu que é muito difícil passar esta mensagem aos doentes e seus familiares e questiona os presentes se têm esse cuidado. Álvaro Dias salienta que um médico, acima de tudo, tem que ser humano, empático, ouvir e olhar para o doente. Os médicos têm que ser grandes comunicadores. Tem que se estabelecer uma relação de confiança com o doente. O Dr. Tiago Quaresma acrescentou que é importante saber como é a vida do doente, é importante perceber o risco. Por exemplo, relativamente ao tempo de demora a chegar ao hospital das situações de veias perfuradas, é importante gerir com a família o tempo da transfusão, devendo esta acontecer quando há maior beneficio e necessidade.
Como última mensagem, o Prof. Paulo Pina mencionou a necessidade de atenção e cuidado para com o outro, atenção a gerir a doença e o doente. Ter um plano maior para o doente cujo valor é incalculável. Temos que gerir pessoas vulneráveis e mostrar-lhes que a transfusão não lhes prolonga a vida. São necessários mais estudos, perceber os benefícios, em quem e como. O importante é demonstrar que não se vai abandonar o doente.
Álvaro Beleza finalizou esta sessão referindo que é importante ganhar seriedade a lidar com a morte e com esta cultura pelo medo. A comunicação tem que ser cuidada. Os médicos têm um papel relevante quando falam para o público, têm que ter atenção aos interlocutores. A importância do médico hoje em dia, é muito maior que no passado, pois substituíram várias instituições e há uma grande confiança no médico.
Sónia Teixeira
Equipa Editorial