A conferência I AM…ME, uma iniciativa do Departamento de Saúde Pública e Sexual da AEFML e do Gabinete de Apoio ao Estudante da FMUL, realizou-se em formato virtual, no passado dia 7 de Abril e teve como principal objetivo a discussão e reflexão sobre as temáticas de identidade, igualdade e violência de género.
Com um painel composto por várias associações, personalidades, e movimentos promotores de igualdade de género, nomeadamente, o movimento HeforShe e o movimento #nãoénormal, entre outros; o evento, composto por duas palestras, propôs-se a ajudar os participantes a 1. Compreender a dimensão do problema das desigualdades e violência de género, 2. Demonstrar como todos podemos ser parte ativa da solução.
Poucos são aqueles que nos tempos que correm se sentem à vontade para denunciar ou simplesmente dar o seu testemunho pessoal. Muitas vezes, a vergonha e o preconceito caminham de mãos dadas, dificultando as ações de sensibilização. Não é o caso da Marta Croca nem da Marta Godinho que conscientes da gravidade da aceitação e do silêncio inerentes a estes casos, decidiram dar voz a um assunto delicado, mas tão necessário.
“Enquanto aluna da FMUL, não me lembro de ter visto estes temas serem abordados ao longo da minha formação. Provavelmente, porque o curso está mais focado nas doenças, e não tanto na promoção da saúde, com exceção de algumas cadeiras.
Mais tarde, enquanto interna do ano comum e depois da especialidade de Psiquiatria no HSM, com interesse na área de Sexologia, vi-me confrontada na prática clínica diária com as repercussões da desigualdade e violência de género, principalmente no Serviço de Urgência do HSM. A reação dos médicos ao serem confrontados com vítimas de violência de género, nas suas variadas formas, é de algum desconforto. Penso que há vários motivos para que isto aconteça: 1) precisamente por não ouvirmos falar destes temas na nossa formação, eles afiguram-se como algo longínquo do nosso campo de ação óbvio, mais próximos talvez das ciências sociais (a Medicina é, não o esqueçamos, talvez a ciência natural mais próxima das ciências sociais, e quer-se sempre o mais humana e empática possível); 2) o fato de não estarmos familiarizados com estes temas na comunidade médica faz com que não saibamos exatamente qual o protocolo a seguir (ou se sequer se existe um protocolo) e 3) a própria natureza destas questões gera esse desconforto, por de alguma forma sentirmos que estaríamos a invadir a “intimidade” do casal/núcleo familiar.
Muitas vezes a própria vítima pede-nos para que a situação não seja reportada (e em ambiente hospitalar, é geralmente o Serviço Social que tem o formulário de sinalização à Equipa de Prevenção à Violência no Adulto – EPVA), mas aí há que perceber os motivos, e ajudar as pessoas a saírem de situações com muitos riscos potenciais.
Estarmos atentos ao género, um determinante essencial da saúde e doença, contribui desde logo para a equidade e igualdade na saúde. Ao considerar de forma sistemática o género como irrelevante, estamos a ignorar aspetos que lhe estão inerentemente associados. Torna-se assim premente clarificar, na formação médica, quais os temas associados ao género que deverão ser integrados no currículo, e em que domínios. Alguns são multidisciplinares e de mais difícil integração, e por isso a inclusão nos casos clínicos de temas psicossociais, juntamente com os biomédicos, a disseminação de literatura e material educativo e a formação do staff, são esforços na direção de um currículo que seja sensível a este tema.
A igualdade de género, como sabemos pela história, não é um processo espontâneo. Há que a defender ativamente, e há que a defender na comunidade médica.
A integração do género na educação dos futuros médicos é, assim, um investimento qualitativo muitíssimo justificável.”
Marta Croca
Assistente hospitalar no Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental do HSM desde 2017 e Assistente convidada da FMUL
“Se me perguntam porque é que eu, como mulher, tomei a decisão de participar nesta conferência, a resposta torna-se óbvia. Desde nova que ouço que tenho de ter cuidado com a forma como me visto e me comporto, evitando tonar-me alvo de violência de género. No entanto, apesar dos esforços que fazemos, a maioria das mulheres já experienciou algum tipo de assédio durante a sua vida – é um tópico pessoal e íntimo para muitas de nós e por isso torna-se óbvio que tenhamos este interesse. No entanto, é importante perceber que a violência de género não é um “assunto de mulheres”, é sim um problema da nossa sociedade – até porque, como sabemos, não são só as mulheres que são vítimas de violência de género.
Hoje sabemos que muita desta violência é um produto de abuso de poder, e assim, independentemente de quem é a vítima, conseguimos entender que é indiferente educar aos jovens como se devem defender deste tipo de violência, se não instruirmos a todos os valores de consentimento e respeito.
Assim, cada vez mais palestras como as do “I AM…ME” tornam-se cruciais na sociedade em que vivemos. Ter a oportunidade de aprofundar o nosso conhecimento em tópicos tão complexos como a identidade e violência de género é um privilégio e um dever, pois dá-nos mais capacidades para partilhar esta informação tão essencial. Tópicos difíceis como este têm de se tornar conversas abertas e honestas, e todos têm de estar incluídos.”
Marta Godinho
Estudante do 4ª ano do MIM, FMUL
Isabel Varela
Equipa Editorial