O Projeto chama-se RISE e nasceu de uma ideia do seu primeiro grande mentor, o Professor Altamiro Costa-Pereira, Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. A Rede de Investigação em Saúde liga várias regiões do país e une a investigação científica e a clínica, tornando a translação nacional em algo materializado para o cidadão comum.
Projeto devidamente aprovado com o selo da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), o RISE tem como especial foco as ciências cardiovasculares, o cancro, as doenças inflamatórias e degenerativas. Quebrando os regionalismos, este Consórcio criou a ligação entre Porto e Lisboa, através de duas grandes escolas médicas, uma unidade hospitalar e quatro centros de investigação, somando ainda a participação de vários investigadores de diferentes pontos geográficos.
Maestro desta orquestra tão completa quanto nova, o Professor e Patologista da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Fernando Schmitt foi a escolha de referência para assumir a Direção do Consórcio RISE. Investigador do CINTESIS, responsável pela Unidade de Patologia Molecular do IPATIMUP, foi Professor da Universidade de Toronto no Canadá e Diretor do Laboratório Nacional de Saúde do Luxemburgo e tem desenvolvido grande parte da sua investigação na área do cancro da mama, exercendo simultaneamente trabalho na investigação básica e na clínica. Os frutos de todo esse caminho refletem-se, por exemplo, nos mais de 450 artigos científicos publicados em revistas com peer review.
Professor qual a razão de nascer o RISE?
Fernando Schmitt: O Projeto nasce da constatação que, apesar da vasta expertise em investigação básica, em Portugal há ainda pouco trabalho feito na área da transposição para a clínica e aplicabilidade ao doente. Esta ideia talvez tenha sido o primeiro grande ponto de partida para o nascimento do Consórcio. A ideia inicial foi do atual Diretor da Faculdade de Medicina do Porto, o Prof. Altamiro Costa-Pereira, que é igualmente coordenador de uma Unidade de Investigação, o CINTESIS.
A ideia inicial pressupunha manter a norte o desafio da translação com um laboratório associado da Faculdade de Medicina da Universidade de Porto. O facto é que a tentação de alargar a rede de contacto causou o segundo passo, "por que não atravessar o lado de lá da rua e envolver o IPO do Porto?". Rui Henrique, Presidente do Conselho de Administração do IPO foi o primeiro a acolher a ideia e a entrar na rede, através do Centro de Investigação do IPO. Chegados ao IPO e uma vez que a Escola de Enfermagem do Porto e a Universidade de Aveiro estavam já incluídas no grupo CINTESIS, nova meta era traçada agora, ir até Lisboa conversar com a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
A Unidade de Investigação em Ciências Cardiovasculares do Porto criava assim nova ligação à Unidade de Lisboa, através de Centro de Reabilitação Cardiovascular da Universidade de Lisboa (CCUL). A fusão desta dupla tornou-se logo forte para a rede. Agora, sabemos que os princípios são sempre mais difíceis porque precisam de traçar uma linha temática e de encontrar as equipas, mediante o orçamento final atribuído pela FCT.
Como aplicar clinicamente a investigação? Esse seria o segundo passo a desenvolver. Ficava agora claro que a aplicação clínica não cabia apenas na esfera do hospital; fazer a translação podia e devia passar por conceitos mais amplos como a do campus onde há o hospital, o laboratório e o ensino.
E como levar estes resultados à comunidade?
Fernando Schmitt: A maior parte dos doentes não estão no hospital. Estão na comunidade, porque não estão internados, vão aos centros de saúde, aos médicos, mas não ficam internados. Quem tem diabetes, hipertensão, mesmo cancro, não fica internado. Quem os acompanha é a unidade de saúde. Com base nesta noção de partes separadas, e que não comunicam entre si, havia também a necessidade de se quebrar com o regionalismo de cada cidade e instituição. Apesar de sermos um país pequeno, as pessoas ainda se isolam muito por grupos de trabalho, por regiões.
Uma rede tem as condições de levar ao exterior mais resultados e de os alargar, quanto mais se abrir.
Quais são os primeiros passos a dar enquanto Consórcio?
Fernando Schmitt: Primeiro é preciso escolher um gestor de ciência, e que ele possa captar fundos principalmente europeus, depois formar um grupo administrativo. Mais do que fundos da FCT, a meta é internacional. O Horizonte 2030, é um projeto da Europa e o que garante maior financiamento, mas é preciso muito músculo para concorrer, porque precisa de se saber como captar o melhor de cada um. Este gestor da ciência procurará as oportunidades, mas não será depois ele a desenvolver os projetos, ele será apenas quem vai lançar o desafio entre o investigador e o capital possível a investir. Outro ponto muito forte é conhecer a rede em profundidade para saber, diante de uma investigação, que pessoas juntar. A rede vai cruzar de norte a sul todos os contactos e perceber quem tem mais potencial para se juntar mediante uma necessidade concreta. Pretendemos ser um centro catalisador que reúna os principais grupos de investigação.
Quais são as suas principais expetativas do projeto num curto, médio prazo?
Fernando Schmitt: Penso que levará uns dois anos até termos as estruturas todas a funcionar e que seja criada a interação positiva, dando a conhecer que a rede está a funcionar. Este é um projeto a longo prazo e para já queremos consolidar. Futuramente ampliar com outros polos que ainda são externos. Este trabalho de agregação não significa, contudo que queremos desaparecer enquanto Unidades individuais de investigação, mas que sejam unidades dentro da rede, com os seus diretores e investigadores.
Como é que um Patologista de grande ação, que se envolve tanto no terreno para descobrir mais e mais, assume agora um papel tão mais ligado à gestão, mesmo a financeira, jurídica e administrativa?
Fernando Schmitt: É preciso ter mesmo uma boa equipa. Temos de trabalhar muito juntos. Mas claro que me vai retirar tempo para a minha investigação, já não me poderei dedicar como me dedicava antes. É um balanço cauteloso. Já fui diretor do Laboratório Nacional de Saúde do Luxemburgo durante dois anos, por isso penso que saberei encarar este processo mais administrativo. É também o contributo que quero deixar à Faculdade de Medicina do Porto, e à investigação num sentido mais global. Mas após estes cinco anos retiro-me destas funções.
Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e do Centro Cardiovascular da Universidade de Lisboa (CCUL), Fausto J. Pinto não podia ter recebido com maior agrado o desafio do Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, o Prof. Altamiro Costa-Pereira. Criar um Laboratório associado vinha impor uma estrutura mais robusta, à investigação das duas Faculdades e em particular dos dois centros de Cardiologia.
Fausto Pinto: A ideia é permitir que se reforcem as capacidades de intervenção, sobretudo na área de intervenção clínica. Aproveitando a simbiose criada no Laboratório Associado que, nas áreas respetivas, e falamos da área cardiovascular, da oncologia, da epidemiológica, e das doenças inflamatórias, passando pela área digital, se possa criar, sobretudo na matriz da investigação clínica, uma estrutura mais forte e competitiva, quer a nível nacional, quer internacional. Isto sem comprometer a autonomia de cada uma das áreas e dos seus grupos. O objetivo é que nos possamos posicionar de uma forma mais robusta a nível internacional, apesar de individualmente já o estarmos a fazer.
Como é que este projeto pode beneficiar aquele que é o vosso principal destinatário, o doente?
Fausto Pinto: Este tipo de estruturas de investigação mais robustas criam pilares mais fortes para a investigação clínica, sobretudo quando é necessário haver mais “músculo”, sendo muito importante poder assumi-lo de forma mais apropriada para abraçar campeonatos mais difíceis.
Susana Constantino é Professora de Bioquímica da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e diretora executiva do Centro Cardiovascular da Universidade de Lisboa (CCUL),
A sua investigação baseia-se na Neovascularização e Angiogénese, ou seja, na formação dos vasos sanguíneos, a rede vascular. Necessária a qualquer ser humano, o seu foco afina ainda mais no contexto oncológico, assim como no de isquémia, em que é necessário reduzir esta rede para eliminar eficientemente o tumor e sua metastização ou promover a neovascularização para ultrapassar um problema de falta de oxigénio nos tecidos, ou seja, a falta de vasos. Os projetos vão mudando à medida que foi conquistando novos resultados. "Não há um único projeto que eu não tenha escrito e que agora olhe e não pense que mudaria algo porque o conhecimento vai-nos modulando". A grande linha de investigação poderá manter-se a mesma, mas os caminhos percorridos mudam de acordo com o conhecimento produzido e o amadurecimento das ideias. É dentro desta grande linha que todos os dias ela e a sua equipa trabalham no CCUL, um dos Laboratórios associados e que pertence à Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
Gostava de ouvir a Professora sobre a presença do CCUL no Consórcio RISE.
Susana Constantino: Este grande consórcio assume extrema importância para o CCUL, vem fortalecer a investigação translacional e não conseguimos fazê-lo sozinhos e isolados. Integrar um mesmo consórcio com o CINTESIS e a Unidade de Investigação e Desenvolvimento Cardiovascular, Unidades de investigação da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, e o Centro de Investigação do IPO do Porto, é conseguirmos uma estrutura catalisadora, não só em conhecimento científico, mas em inovação, a qual atrairá financiamento nacional, e também internacional.
Todos os investigadores do CCUL sempre interagiram e colaboraram, quer nacional, quer internacionalmente e como tal não é de agora esta visão ampla e integradora, fundamental para nos enriquecermos, a nós e à investigação. E a meta é trabalhar com o maior número de investigadores que num momento concreto da nossa vida e investigação, acrescentem valor e saber.
Agora, claro que este Consórcio, permite-nos uma melhor organização, estrutura e sinergia entre laboratórios de investigação. Sempre estivemos todos predispostos a esta colaboração, mas neste momento haverá uma melhor articulação para o fazermos.
Essa junção fortalece também o próprio conhecimento?
Susana Constantino: Há que ser eficiente no conhecimento, trazer novo conhecimento importa muito e, por vezes, ele vem sem grandes financiamentos. Se estivéssemos sempre dependentes desses financiamentos, pouco se investigava, mas sem dúvida que com esta junção seremos mais eficientes em conhecimento e em soluções e conseguiremos atrair maior financiamento, sobretudo internacional que é fundamental.
Possivelmente para um cientista esta questão não tem grande relevância. Mas esta sinergia cada vez mais globalizada poderá vir a retirar algum protagonismo para o primeiro autor de uma investigação?
Susana Constantino: acho sinceramente que não. O protagonismo pertence sempre ao grupo de autores que despoletaram a primeira ideia. Mas pessoalmente acho triste que se pense que se consegue realizar essa ideia de forma isolada. Atrás de uma ideia tem que estar uma equipa que, por um lado, consiga estar suficientemente motivada para acolher a ideia e perceber o seu alcance, por outro chegar a conclusões e resultados. Depois há outro ponto, que é o facto de os resultados poderem vir a ser diferentes da nossa ideia original. Muitas vezes quando se concebe um projeto, quem tem a ideia escreve quase o resultado que vai alcançar, mas é a equipa que está atrás a trabalhar e que tem os diferentes resultados que, com esses mesmos resultados, abre inúmeras novas perspetivas enriquecendo a ideia inicial.
Entendo que é importante partilhar uma conquista e um resultado com a comunidade académica, científica e com a nossa sociedade, mas com o objetivo de se poder beneficiar dessa mesma partilha e não por um protagonismo individual. Agora a partilha da ideia, do resultado, valorizando o que foi feito e, não menosprezando os autores das ideias, claro que tem sentido e é mesmo fundamental. Sabe por que razão acho fundamental a partilha? Porque as pessoas merecem saber como é aplicado o investimento na ciência. O mesmo aplico à nossa realidade, é importante a divulgação de um projeto enquanto CCUL, mas a razão nunca pode ser o ego do investigador, mas sim a conquista enquanto grupo.
Falemos então dessas conquistas. Que benefícios trazem estes investimentos para o cidadão comum?
Susana Constantino: Este projeto pretende ser o grande laboratório de translação, que traz o conhecimento aplicado à Medicina e à Saúde. Foi muito bom sermos reconhecidos como Laboratório Associado pela FCT, mas o nosso grande desafio e a batalha será nos próximos 5 anos. Pegar no conhecimento e aplicá-lo à saúde e ao cuidado prestado aos doentes, é esse o desafio. Se não conseguirmos essa aplicabilidade do conhecimento, os artigos científicos a serem publicados, serão seguramente muito bons, mas o projeto ficará aquém da expetativa colocada no RISE. Este é um projeto muito ambicioso, precisamente pela aplicabilidade dos projetos de investigação e sua relevância na Saúde humana. Este é o grande desafio do RISE.
Este RISE é um amanhecer da ciência e da translação em conjunto?
Susana Constantino: Acho que é, sim!
A FCT traçou um prazo até 5 anos para avaliação de contrato com o projeto RISE. Para já vão estabelecendo oficialmente o Consórcio, criando a estrutura mais burocrática para que possa ter a maior autonomia possível, mesmo em termos administrativos. Será após a atribuição final de orçamento, pela parte da FCT, que será possível ao Consórcio dizer quantos investigadores exatos vão ser contratados. Mas uma coisa é certa, foi da vontade que se criou a aliança e o RISE já nasceu.
Joana Sousa
Equipa Editorial