- Com a assinatura de Helena Cortez Pinto
As doenças do fígado afetam atualmente cerca de 29 milhões de pessoas só na Europa. Apesar de terem uma semelhança quanto aos seus sintomas iniciais, a sua evolução assume diferentes comportamentos. Dentro do universo das doenças do fígado, a cirrose, o fígado gordo não alcoólico e a hepatite viral são as três mais proeminentes. Só a cirrose é causadora das cerca de 170 000 mortes na Europa, em idades compreendidas entre os 45-65 anos.
Prevenção e medicação são as formas de combate à doença que se vê ainda limitada nas opções de tratamento.
Diante deste cenário em que os números são tão elevados e tendo em conta a dimensão dos custos para a saúde diante desta doença, a Europa saúda o Consórcio Carbalive, projeto Europeu financiado pelo H2020 que conta também com assinatura portuguesa.
Após tomarmos conhecimento de um comunicado oficial que avançava os sucessos da Carbalive, fomos entender com uma das partes envolvidas no processo, como se processa esta nova estratégia de terapêutica que junta a academia e a indústria numa investigação conjunta.
Helena Cortez Pinto, gastrenterologista e Diretora da Clínica Universitária de Gastrenterologia e do Laboratório de Nutrição da FMUL é quem dá a cara pelo grupo português. A pessoa certa que parabenizamos e que nos explica o que é a Carbalive.
O que motivou e qual a principal missão deste projeto Carbalive?
Helena Cortez Pinto: O projeto Carbalive é motivado pela descoberta de uma substância com capacidade de reduzir a endotoxinemia, a qual se verificou estar envolvido na patogénese da cirrose hepática, assim como em outras doenças hepáticas, como seja o fígado gordo. A evidência preliminar deste efeito benéfico em estudos no modelo animal, necessitava de ser confirmado em estudos humanos, sendo naturalmente necessário primeiro verificar a sua segurança. Neste primeiro ensaio, conseguiu demonstrar-se a segurança numa população particularmente frágil, como são os doentes com cirrose hepática.
Porquê a designação "Carbalive"? O nome está intimamente ligado ao trabalho a que se propõe?
Helena Cortez Pinto: A designação Carbalive prende-se com o facto de a substância a ser testada, o Carbalive, ser constituída por grânulos de carbonos de porosidade controlada, sendo que o sufixo “live”, terá a ver com vida.
Qual é exatamente o papel da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, enquanto parceira do consórcio europeu Carbalive?
Helena Cortez Pinto: A Faculdade de Medicina de Lisboa é um dos parceiros do Consórcio Europeu Carbalive, que tem estado a ser financiado pelo Programa Europeu Horizonte 2020. Estivemos envolvidos no primeiro ensaio clínico desta substância, tendo como objetivo a avaliação da segurança do Carbalive em doentes com cirrose hepática descompensada, com inclusão de doentes. Temos estado também envolvidos na definição e estruturação dos ensaios clínicos, quer seja este de segurança que agora terminou, como o do Fígado Gordo não Alcoólico, que irá ser realizado em seguida.
Qual ou quais as iniciativas/investigações que destacaria no âmbito do Carbalive?
Helena Cortez Pinto: Os resultados positivos do presente ensaio clínico equivalente de fase 2, como um tratamento inovador para a cirrose hepática. De facto, este primeiro ensaio de segurança, em que conseguiu demonstrar-se que para além da segurança da substância em estudo, levava a uma melhoria de vários parâmetros inflamatórios. Isto é particularmente impressionante porque a substância não é absorvida, e o seu mecanismo resulta da sua capacidade de adsorção da endotoxinémia, o que vem reforçar a importância da microbiota intestinal na génese da doença hepática e do seu agravamento. Estão agora planeados, um ensaio clínico com doentes com fígado gordo não alcoólico, e outro em doentes com cirrose hepática, agora para avaliar sobretudo a eficácia.
De que forma a terapia inerente à investigação desenvolvida poderá ser decisiva no combate às doenças hepáticas?
Helena Cortez Pinto: A confirmar-se, como esta evidência preliminar sugere, a importância da microbiota intestinal e da endotoxinémia na doença hepática, esta substância poderá demonstrar ser uma forma muito inovadora de controlar a doença hepática, ou alguns casos retardar a sua progressão.
Qual é o maior desafio para Médicos e Cientistas no panorama atual das doenças hepáticas?
Helena Cortez Pinto: A fase descompensada da cirrose hepática continua a ser um desafio para os Médicos e Cientistas, dado que na maioria dos casos apenas conseguimos controlar os sintomas, sendo o transplante hepático a única hipótese de tratamento e sobrevivência, para muitos doentes. No entanto o transplante hepático, depende da disponibilidade de órgãos, que é limitada, sendo assim insuficiente. Além disso, existem muitas contra-indicações para o transplante, incluindo a idade, raramente se transplantando indivíduos com mais de 65 anos.
No momento atual a doença hepática mais frequente é o Fígado Gordo, quer associado aos fatores de risco metabólicos, no contexto da elevada prevalência de obesidade, ou ao consumo excessivo de álcool. Esta situação pode progredir para cirrose hepática e carcinoma hepatocelular. Este último, tem vindo a aumentar de frequência, e tem uma elevada morbi-mortalidade.
Joana Sousa
Sofia Tavares
Equipa Editorial