Com o agravamento das alterações climáticas, o tempo como o conhecemos, tem sofrido mudanças bruscas, a prova esteve à vista com as temperaturas que se fizeram sentir na entrada em 2021, em Portugal, onde os termómetros chegaram a marcar os -4 e o -1°C, em zonas interiores do País.
Numa altura em que, todos os dias, os jornais abrem com notícias aterradoras sobre a evolução calamitosa da pandemia e em que a questão ambiental parece ter ficado arrumada para segundas núpcias, parece que também o frio e as doenças por ele causadas ou agravadas, não constituem grande preocupação para a agenda mediática.
Contudo, houve algo que me despertou à atenção, durante o período da diminuição das temperaturas: a falta de aquecimento das nossas velhas casas e o stock de akilhiver esgotado nas farmácias. Foi, então, que juntamente com a equipa editorial da News, numa espécie de Brainstorming, tentámos identificar as doenças associadas ao frio. A primeira ideia, partilhada, foi “A pele”. Funcionando como muralha protetora do nosso organismo, pareceu-nos que, de fato, este era o órgão mais ameaçado pelas temperaturas agrestes.
Amadurecida a ideia, e não desfazendo na importância das outras especialidades clínicas que igualmente sofrem com as agruras do Sr. Frio, procurámos o Dermatologista Paulo Manuel Leal Filipe, Professor da casa (FMUL) e Diretor do Serviço de Dermatologia do CHULN para obter alguns esclarecimentos sobre as doenças de pele que tendem a surgir, ou ver a sua sintomatologia agravada durante o inverno.
Prof. Paulo Filipe, Dermatologista
Composição da Pele Humana
Que doenças dermatológicas podem surgir com a diminuição da temperatura? Quais os principais tratamentos?
Paulo Filipe - As principais dermatoses causadas pelo frio são a urticária ao frio, o fenómeno de Raynaud, a paniculite ao frio, as crioglobulinemias e, a mais frequente, a perniose (vulgarmente designadas por frieiras). Algumas destas entidades têm especificidades muito particulares, e podem inclusivamente ter envolvimento de outros órgãos e sistemas, pelo que o seu tratamento é complexo e deve ser orientado por especialistas nestas áreas. Como ponto fundamental, comum a todas, está a evicção ao frio.
Há muitas doenças como as frieiras, que se manifestam nas extremidades do corpo e tornam-se crónicas. Quais são as principais medidas de prevenção/tratamento a adotar?
Paulo Filipe - As principais medidas de prevenção e cuidados gerais envolvem a evicção do frio, nomeadamente, com a utilização de luvas nos ambientes com temperaturas mais baixas; evitar variações térmicas muito marcadas, por exemplo, colocar as mãos frias sob água excessivamente quente; ter uma higiene adequada das mãos, mas sem incorrer em excessos de lavagem ou de uso de produtos irritantes; emoliação (hidratação) adequada da pele; e, contra-intuitivamente, devem ser evitadas fontes de calor quando existe perniose ativa, uma vez que o calor pode agravar as manifestações inflamatórias da doença.
É possível que o frio não cause, mas agrave algum tipo de patologia?
Paulo Filipe - O frio pode agravar várias dermatoses, desde logo o eczema, e particularmente, o eczema atópico, que é a dermatose inflamatória mais frequente no mundo. A pele fica mais xerótica no Inverno, e requer emoliação adicional.
Que cuidados devemos ter com a nossa pele durante o inverno?
Paulo Filipe - Deve-se evitar banho e lavagem da pele com água muito quente (deve ser tépida) e emoliação diária após o banho. Nas peles mais xeróticas e sensíveis, poderá ser necessária emoliação mais frequente.
De que forma é que o nosso estilo de vida (Stress, rotina, alimentação) afeta a saúde da nossa pele?
Paulo Filipe - A pele é a interface entre o meio interno e o meio externo do nosso organismo. Desta forma, a patologia da pele reflete as agressões que sofremos do nosso meio ambiente, mas também, traduz alterações do meio endógeno. A saúde da pele depende, assim, da saúde do restante organismo e de escolhas de vida saudável. A frequência de solários, o tabagismo, a obesidade e síndrome metabólica, entre tantas outras variáveis podem ter repercussão na pele e contribuir para o aparecimento de dermatoses, enquanto fator de risco, ou exacerbar dermatoses existentes, enquanto fatores de agravamento.
A saúde da nossa pele e cabelo pode ser um reflexo das nossas emoções?
Paulo Filipe - Algumas dermatoses têm exacerbação durante períodos de stress psíquico e emocional, nomeadamente patologias frequentes como a psoríase, a dermatite atópica ou a dermatite seborreica. Também é frequente o deflúvio nestes períodos, que motiva preocupação nos utentes. No entanto, o papel do stress emocional é menos claro como fator causal para patologia da pele, excetuando algumas condições, nomeadamente as psicodermatoses.
Isabel Varela
Equipa Editorial
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