Naquele dia o nevoeiro deu tréguas, e a humidade que havia pintado sucessivas manhãs de branco e cinza, deu lugar à luz do sol que esteve incrivelmente aprazível na tarde em que havíamos combinado encontrar-nos no jardim, em frente ao Hospital de Santa Maria. E ali, sentadas com o devido distanciamento, conversámos sobre a experiência do estágio e recordámos os momentos mais marcantes de um ciclo que se aproxima do fim.
Marta Santos tem 23 anos e está na fase final do Mestrado Integrado em Medicina. No mês passado, subiu ao palco do Auditório João Lobo Antunes para falar aos novos estudantes da FMUL no primeiro dia das Jornadas de Introdução, que marcaram o arranque do ano letivo. Nesse dia, e ao longo da nossa entrevista, recordou as tantas vezes em que, ao longo dos últimos cinco anos, pensou que não seria capaz, orgulhando-se do outro tanto que conquistou até ao dia de hoje.
O convite para partilhar a experiência de ser estudante na FMUL partiu do amigo Francisco Baptista, que na qualidade de Discente do Conselho Pedagógico foi consultado sobre possíveis estudantes com interesse para desempenhar esse papel no programa inaugural do ano académico. Veio-lhe ao pensamento a colega Marta Santos que, após a primeira abordagem num tom mais informal, respondeu prontamente à chamada oficial. “Ele questionou-me se eu eventualmente teria disponibilidade e eu disse que sim. Lembrei-me do que é que foi o meu primeiro dia e algumas coisas que eu gostava de ter ouvido, ou até posso ter ouvido, mas naquele primeiro dia nós ouvimos muita coisa e às vezes é difícil interiorizar quais é que são os pontos principais do que vamos levar para o resto da nossa caminhada, mas tentei dar a minha perspetiva de, no início eu achava isto, e depois não foi bem assim, e se eu pudesse voltar atrás o que é que eu podia ter feito de diferente”.
O que não mudaria, e Marta afirma-o com forte convicção, é a escolha de seguir Medicina na FMUL. Ainda que a escolha não tenha requerido ponderação, voltaria a repeti-la no dia de hoje, assumindo-se como a opção “óbvia” de quem havia decidido seguir a paixão pelas Ciências e pela anatomia do corpo humano, sem com isso se limitar à “vida de laboratório”, no lugar que encerra o maior hospital do país, situado “ali mesmo ao pé de casa”.
“Eu nunca soube muito bem o que queria fazer, mas sempre gostei mais da área de Ciências. Lembro-me, por exemplo, que a parte que eu mais gostei no Estudo do Meio foi o estudo do corpo humano, eu adorava aquilo, ainda hoje os meus familiares brincam comigo, porque eu ia para os jantares recitar os sistemas e os órgãos todos, mas nunca tinha pensado na Medicina de forma mais séria, achava que gostava era de Ciências e até pensava que havia de ser cientista”, conta, adiantando que no momento da escolha optou pelas Ciências devido à abrangência da área de estudo em si. “Não me quis restringir muito no secundário, porque ainda não sabia o que queria e quando chegou o momento de ir para a faculdade, acabei por ter uma média que me permitia ter alguma flexibilidade e poder escolher quase tudo, e comecei mais a pensar no que é que me imaginava a fazer no futuro.”
Nessa altura, e por não se imaginar num escritório, entendendo que a vida de laboratório a tempo inteiro pudesse tornar-se “monótona”, Marta encontrou na Medicina – e na paixão pelo estudo do corpo humano – a direção acertada para o seu percurso académico e profissional. “Tinha muito receio, porque é um curso muito exigente e eu não tinha a certeza se ia ter aquela disciplina para estar a estudar muito todos os dias, sempre em cima da matéria, e tinha algum receio”. Contudo, e à medida que iniciou os estudos, o empenho e dedicação crescentes fizeram com que Marta se envolvesse cada vez mais, levando-a a questionar-se como é que não havia percebido que era exatamente aquilo que queria, “e agora não me imagino basicamente a fazer mais nada”, confessa.
Em retrospetiva, e se pudesse deixar algum conselho à Marta do passado, a jovem de 23 anos que se sentou diante de mim naquela tarde solarenga de novembro, alertá-la-ia para a realidade e para os desafios que se colocam à profissão de médico nos dias de hoje. “Quando escolhi Medicina achei que era uma escolha muito fácil de fazer, ou seja, terei sempre emprego, recebe-se bem, é uma escolha segura, e hoje em dia… Eu vinha muito desinformada também, não tenho ninguém na família ligado à área da Saúde, não tinha a mínima noção do que é esta área, nem das limitações que os profissionais de saúde enfrentam”, revela, garantindo, porém, que o conhecimento adquirido nesse choque com a realidade não a levou a arrepender-se da decisão de enveredar por Medicina. “Eu acho que não me faria mudar de ideias, mas se tivesse outro conhecimento, pelo menos vinha mais preparada para as dificuldades. Eu achei que o curso seria difícil, que ia estudar imenso, mas depois teria a vida feita, estaria tranquila, super bem remunerada, com possibilidades de trabalhar em qualquer lugar que desejasse. Nunca me passou pela cabeça que podia ser um problema entrar na especialidade que queremos e, hoje em dia, nós sabemos como é que as coisas estão. Há pessoas que nem têm oportunidade de escolher especialidade, quanto mais a especialidade que gostariam. Para além disso, as condições de trabalho, infelizmente, também não são assim tão aliciantes, sobretudo no Serviço Nacional de Saúde, e apesar de haver sempre uma parte de nós que quer ficar no SNS, essa gestão é difícil de fazer”, salienta.
A Medicina ocupou um papel de destaque na vida de Marta, que acabou por sacrificar alguns sonhos, nomeadamente a vontade de fazer carreira no mundo da música. Algo que, assegura, teria deixado a Marta do passado bastante surpreendida e desgostosa. “Quando nos focamos mais numa determinada área, tudo o resto acaba por ficar em segundo plano. No meu caso foi a música. Eu sempre gostei muito de cantar – nunca toquei ou aprendi qualquer instrumento, porque não tive essa possibilidade ao longo da infância – mas cheguei a participar em alguns programas de televisão e sempre foi uma coisa que me imaginava a fazer, mas a certa altura considerei a carreira de cantora como sendo muito instável, algo em que eu não sentia confiança, ou qualidade para escolher como opção de carreira e de vida e, então, acabou por ficar completamente em segundo plano e a Marta do passado, provavelmente, teria alguma pena dessa parte artística ter sido muito renegada”.
Apesar da realidade da carreira médica estar distante do ideal, Marta afirma que voltaria a escolher Medicina “apesar de tudo”, pois “não há mais nada que eu sinta que me fosse deixar tão realizada como acredito que a Medicina me vá deixar, apesar de todas as limitações, afiança, acrescentando: “Eu gosto muito de pessoas, gosto muito de falar com pessoas e de ajudá-las. E acho que aplicar esta parte da Ciência, que era aquilo que eu sentia que era o meu forte, a ajudar os outros é o que faz mais sentido para mim”.
Por sua vez, e pese embora os condicionamentos impostos pela atual pandemia, o estágio clínico do 6º ano está a corresponder perfeitamente às expectativas da estudante, que depois da experiência no Serviço de Pediatria do Hospital Garcia de Horta, em Almada, regressou ao Hospital de Santa Maria para um contacto direto com a Cirurgia. “Eu sempre achei que o estágio de 6º ano ia ser um momento fundamental para perceber como é que as coisas, na prática, funcionam. E quando vi o que aconteceu aos colegas do 6º ano do ano passado, de facto, pensei que era catastrófico, mas eu tinha sempre a esperança e achei que não ia acontecer o mesmo no ano seguinte, ou seja, para nós as coisas iam ser diferentes, porque eu percebi que foi no ano deles que as coisas explodiram e a única maneira de lidar com a situação, numa altura em que não se sabia nada, era fazer uma pausa e parar”, conta Marta, revelando ter acalentado a esperança de que “ao longo de um ano fôssemos aprendendo mais sobre a pandemia, sobre a transmissão do vírus, e que o novo conhecimento permitisse adotar estratégias para conseguirmos ter o estágio”.
Marta reconhece que ficaria muita desiludida com a impossibilidade de frequentar o estágio clínico e sente-se grata pela oportunidade de desfrutar de uma experiência de aprendizagem única. “Está a ser ótimo. Eu penso que esta experiência é muito pessoal e as respostas vão variar imenso se perguntarmos a vários colegas do 6º ano. Adorei o estágio no HGO – Hospital Garcia de Orta – usámos sempre materiais de proteção individual, nunca senti nenhuma limitação naquilo que podia fazer e senti que aprendi tanto como aprenderia num ano não-covid. Agora estou aqui (Hospital de Santa Maria), na Cirurgia, e já assisti a várias cirurgias. No fundo, tenho tido um estágio normal na medida do que é expectável para um 6º ano”, revelou com uma satisfação e contentamento evidentes. “Se calhar há menos doentes do que haveria num ano normal, mas penso que há os suficientes para nós ganharmos esta componente de percebermos como é que as coisas funcionam. E na prática, na verdade, nós vamos começando a aprender, mas ainda temos de estudar muito. Mais tarde, quando formos internos do ano comum e formos mesmo médicos, aí a componente prática vai aumentar cada vez mais, mas nesta fase eu acho fundamental consolidarmos muito tudo aquilo que aprendemos, porque só com uma boa base teórica é que conseguimos avançar. Então, o 6º ano ainda passa muito por estudar, até porque é necessária preparação para a prova, e até ao momento tem corrido conforme eu esperava.”
Sobre o impacto da pandemia no ensino médico, Marta refere que foram os colegas do 4º e 5º ano, aqueles que sentiram o maior abalo em virtude da Covid-19. “Penso, sobretudo, nos alunos do 5º ano neste momento, ou seja, no 4º ano não tiveram quase prática, agora no 5º ano a prática é muito, muito escassa. Custa-me colocar-me no lugar deles e penso que são os mais prejudicados, porque aquele primeiro contacto com a prática é fundamental para nos começarmos a ambientar, para além de haver uma certa motivação pessoal, até para percebermos o que é mais importante no momento de estudar. Se daqui por um semestre surgir a vacina e a situação normalizar minimamente, os colegas do 4º ano atual ainda têm o 5º ano para compensar, mas os que estão agora no 5º ano, esses sim acabam por ser os que sofreram um impacto maior”.
Ainda reina a incerteza sobre a especialidade que irá escolher no futuro, mas atendendo à competitividade que impera, Marta prefere manter todas as opções em aberto, até porque uma mente aberta responde de forma mais eficaz a imprevistos ou acontecimentos indesejados. “É ainda uma incógnita e existe muita incerteza e competitividade no momento de escolher a especialidade. Penso que todos tentamos, cada vez mais, manter a nossa mente o máximo aberta possível, porque torna-se muito duro se nos agarramos muito a uma ideia ou nos apegamos a uma especialidade, e chegado o momento de escolher com base na nota, verificar que não é possível. Tenho muito esse receio”, confidenciou, reiterando que o 6º ano é um ano muito exigente a vários níveis. “Eu ainda estou no início e não tenho ainda bem essa perceção, mas tenho amigos que estão agora a terminar - vão fazer a prova no final de novembro - e é um ano que é sempre descrito como sendo muito duro. Aquela perspetiva do «se não correr bem, repete-se», não é assim tão linear”, garante Marta, alertando para o “peso emocional muito grande” que se abate sobre os estudantes de 6º ano. “Todo o receio que houve devido à possibilidade do exame ser adiado causou um enorme impacto emocional e psicológico nos estudantes que terminaram o 6º ano no ano passado, portanto, é de facto um exame que mexe muito connosco e acho que todos nós preferimos manter ao máximo as nossas possibilidades em aberto para não nos desiludirmos”, frisou.
Mas supondo, por breves momentos, que não havia qualquer obstáculo ou limitação na escolha da especialidade, para que lado penderia? A dificuldade em responder com clareza à questão é justificada pelo facto de ainda não ter experimentado a componente prática da sua especialidade de eleição neste momento: Ginecologia-Obstetrícia. “No meu 5º ano eu ia ter Ginecologia-Obstetrícia, mas isso não aconteceu. Então, teoricamente, e assim estudando, eu gosto muito e é algo que conceptualmente eu gostaria, mas é muito difícil dizer se gosto efetivamente antes de passar pelo estágio que vou ter agora no 6º ano. Por exemplo, eu achava que não gostava nada de Pediatria, que não tinha jeito nenhum, que não conseguia falar com os pais e, no entanto, fiz o estágio e gostei imenso. Achei que afinal até tinha jeito”, revelou entre risos.
Enquanto aguarda pelo estágio de Ginecologia-Obstetrícia para aclarar ideias, Marta imagina-se “perfeitamente” no papel de especialista em Medicina Geral e Familiar. “Se tiver uma nota mais alta na prova terei mais escolhas e farei a minha opção consoante as possibilidades disponíveis, mas a Medicina Geral e Familiar é, de facto, uma especialidade que eu pondero até por uma questão de qualidade de vida, porque a perceção que nós temos (ainda não conversei muito com especialistas sobre isto e irei fazê-lo a devido tempo) é que acaba por ser uma especialidade que proporciona uma melhor qualidade de vida do que as especialidades hospitalares, que são mais exigentes em termos de horários. Para além disso, a Medicina Geral e Familiar é muito interessante no sentido em que vemos grávidas, vemos crianças, adultos, vemos todo o tipo de patologias, seguimos a família, e eu acho isso muito interessante”, adianta, imaginando com visível entusiasmo a possibilidade de acompanhar uma pessoa desde o seu nascimento até à vida adulta.
Não é só a paixão pelo contacto com as pessoas que alicia Marta a fazer carreira em Medicina Geral e Familiar. Também o facto de reconhecer o papel vital dos cuidados de saúde primários na sociedade é um fator, deveras, aliciante. “Eu penso que é fundamental termos bons cuidados de saúde primários, termos médicos de família que sejam verdadeiramente apaixonados pelo que estão a fazer, portanto também é uma área em que eu me imagino e em que eu gostaria muito de fazer um bom trabalho, porque penso que devemos apostar nos cuidados de saúde primários e esse é um dos aspetos a melhorar no nosso Serviço Nacional de Saúde”, afirma, comentando que “os hospitais estão entupidos de doentes que não são referenciados e às vezes até vemos os médicos a chatearem-se com os utentes, porque não tinham razão em vir à urgência, mas as pessoas, efetivamente, não têm acesso. Por vezes, é verdadeiramente caótico sermos vistos numa consulta de cuidados de saúde primários e as pessoas não têm a literacia que nós temos, não têm noção do que é ou não grave, e vêm à urgência por não terem opção”.
E para resolver a problemática da sobrecarga desse serviço, Marta aponta o caminho da educação. “Tem que haver uma capacitação da população, dar-lhes literacia em Saúde para saberem quando é que devem ir à urgência e quando é que devem ir aos cuidados de saúde primários. Mas também não é dizer às pessoas para irem ao centro de saúde e depois não haver resposta, portanto isto tem que levar uma grande volta”.
O estado da Saúde do nosso país foi um dos temas da nossa entrevista, em que procurei compreender quais as estratégias que Marta entenderia serem as mais indicadas para melhorar a resposta do Serviço Nacional de Saúde. E se por um lado, o aumento de incentivos para cativar os profissionais de saúde e manter a qualidade do SNS foi a primeira medida apontada pela estudante, também a comunicação entre equipas surgiu como ponto de intervenção, de forma a promover maior harmonia e espírito de equipa, desenvolvendo líderes e profissionais mais competentes e equilibrados.
“É absurdo como é que temos uma das médias de médicos por 100 mil habitantes mais altas da Europa e temos o SNS no estado em que está, em que estamos constantemente, e neste momento até com o covid, em que o problema não é propriamente a falta de ventiladores, é uma falta de pessoas para operar os ventiladores que existem. Não há profissionais com disponibilidade e capacidades necessárias para manusear os ventiladores e isto para mim é grave, tendo em conta que somos um dos países com mais médicos. Então onde é que eles estão, não é!?”. A resposta é já bem conhecida por todos, em que assistimos á distribuição dos profissionais pelo setor privado e pelo estrangeiro, que é a opção de muitos médicos que escolhem abandonar o próprio país para perseguir os seus ideais. “E antes de criticarmos as pessoas que tomam esse tipo de decisões também nos devemos perguntar porque é que elas as tomam e, de facto, neste momento há uma grande insatisfação por parte dos profissionais de saúde que trabalham no Serviço Nacional de Saúde e que não se sentem recompensados, não têm qualidade de vida. Tem que se exigir mais daqueles que ficam e os que ficam acabam por ter que dar muito e abdicar de muito na sua vida, o que acaba por ser uma bola de neve”.
Na opinião de Marta é urgente tornar o SNS “mais competitivo versus outras ofertas que existem”, indicando a gestão de recursos humanos como a principal lacuna do atual sistema de saúde português. “Muitas vezes, vemos que os blocos não estão sempre ocupados, ou seja, o que nós precisamos é de pessoas”.
Enquanto estudante, Marta diz não sentir na pele os efeitos de uma gestão parca em eficácia e que tem aniquilado as potencialidades do nosso SNS. No entanto, diz que é evidente a insatisfação dos médicos e profissionais que tem acompanhado ao longo do seu percurso académico, ainda que lhe falte a perceção “ao certo de qual é a fonte dessa insatisfação”. Uma insatisfação que se traduz em desmotivação que, segundo Marta, não passa despercebida. “Há algumas coisas que eu consigo apontar e perceber. Há a questão da remuneração, que efetivamente muitas vezes sentem que não são devidamente remunerados, sobretudo em termos das horas que fazem a mais e que, muitas vezes, são trocadas por potenciais folgas que acabam por nunca poder ser tiradas, porque não há possibilidade de tirar senão os serviços param”. Também o excesso de trabalho é razão de descontentamento. “É muito exigente para muitas especialidades, em que são muitas as horas que se pedem, e nós temos a capacidade de recusar até certo ponto, mas também é difícil fazê-lo, porque sabemos que são doentes que estão dependentes de nós. Por outro lado, torna-se uma grande sobrecarga e as pessoas acabam por ficar muito cansadas, porque lhes é exigido demais. São muitas horas de trabalho. Eu sei de médicos e colegas que trabalham 80-90 horas por semana e é muito exigente. Claro que são remunerados, mas não à escala daquilo que é exigido, portanto acho que, pelo que eu percebo, é um bocadinho esta dualidade. Além disso, nem sempre as equipas são acolhedoras, ou seja, por vezes há equipas que não funcionam muito bem e há que perceber porquê, porque é que os profissionais de saúde não estão tão oleados em termos de relações pessoais, não tanto em prol do doente. O que acontece é que, às vezes, há ali certos atritos em várias equipas que devem ter uma série de fatores e que deviam ser abordados e resolvidos”.
Marta no Congresso Nacional de Estudantes de Medicina (2019)
Com colegas no Congresso Nacional de Estudantes de Medicina (2020)
Quando pensa no futuro, Marta questiona-se se haverá espaço e oportunidades para o associativismo na sua vida. No dia em que soube que tinha entrado em Medicina, as atenções concentraram-se totalmente no estudo e na disciplina necessários para ser bem sucedida nessa missão. Não imaginava envolver-se em projetos da Faculdade, unir-se a causas maiores e levar na bagagem amizades e lições para toda a vida. “Quando cheguei à faculdade estava muito focada na Medicina. Aos poucos, e por influência do meu amigo Francisco, que foi quem acabou por desencaminhar-me um bocadinho, dediquei-me a alguns projetos, especialmente, ao AIMS. Ele pertencia à Comissão Organizadora e desafiou-me para a task force só para experimentar. E eu gostei imenso”. No ano seguinte, Marta integrou a Comissão Organizadora do AIMS e dali partiu para outras paragens, ligando-se também à ANEM.
Marta com os colegas do AIMS Metting (2019)
Ao revisitar os últimos anos da sua vida, vieram-lhe à memória momentos e pessoas que conquistaram um lugar especial no seu jovem e ávido coração. Marta recordou, ainda, as experiências de um 1º ano angustiante, ao longo do qual atravessou algumas barreiras de terror, duvidando por vezes que seria bem sucedida nas provas que a vida lhe colocava pela frente. “O 1º ano, sobretudo a oral de Anatomia, foi o pior. Nunca me vou esquecer da angústia que senti nesse dia e ao longo desse ano inteiro. Foi, de facto, um ano terrível, eu só pensava na oral. Depois de fazer a primeira, achava que estaria mais tranquila na segunda. Mas não! Em junho, lá estava eu outra vez a tremer que nem varas verdes. Só me faltou vomitar. Horrível! Foi um ano claustrofóbico para mim. Era tudo novo e um ritmo de ensino totalmente diferente do secundário. Eu achei mesmo que não ia ser capaz e meti na cabeça que, ou me matava a estudar todos os dias ou nunca na vida ia chegar lá, e mesmo assim tinha dúvidas”, confessou com a ligeireza de quem provou a si mesma que nada falha como o sucesso quando a vontade de vencer é sempre mais forte do que o medo de falhar.
Dos longos serões de estudo na Biblioteca, no piso 6, às aulas de Microbiologia do 2º ano com o Professor Thomas Hanscheid (“a minha disciplina favorita da faculdade inteira, aquela que eu tive mais prazer de estudar e aprender”); aos jantares com os amigos e os desafios que superou na coordenação do AIMS, Marta partilhou com algum saudosismo e nostalgia os momentos mais marcantes que viveu na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. “Tive muitos altos e baixos no AIMS, porque é um evento que está ao mais alto nível, é muito exigente. Eu estava na parte do fundraising e parceiras, pelo que tinha de pedir muitas coisas, por vezes entendia que nem era razoável e afinal as pessoas até davam. Foi para mim um momento de grande aprendizagem perceber que, realmente, se não lutarmos por uma coisa, não a vamos ter e se não acreditarmos que a merecemos, também ninguém nos vai dar”. A valorização e o merecimento foram importantes lições que leva para a vida. “Também o intercâmbio no Brasil foi um momento maravilhoso. Estive lá um mês, na Urgência, e foi uma experiência enriquecedora. A organização é completamente diferente da nossa. Tínhamos salas de internamento na própria Urgência que eram quase enfermarias e foi muito interesse adquirir alguma componente prática ali, porque havia uma maior abertura para tal desde o 4º ano, há uma autonomia maior”.
Em videoconferência com os amigos e colegas da faculdade
Marta em intercâmbio no Brasil
Quando percorremos o caminho acompanhados, a viagem tornar-se mais agradável. É tudo mais fácil quando temos as pessoas certas do nosso lado e Marta partilha dessa opinião. “Estou infelicíssima, porque agora não podemos estudar todos juntos na faculdade, pois sempre fomos a team de estudar aqui, juntos, o tempo todo. Sempre foi mais simples para mim. É verdade que não me concentro tanto como se estivesse em casa sozinha, mas eu preferia perder um grau de estudo, que não era tão intensivo, mas estava mais feliz porque estava com eles e era o ideal, mas agora é mais complicado”.

Movida pelo desejo de ser feliz, Marta acredita que a verdadeira felicidade só existe quando é partilhada. “Eu adoro ajudar os outros e isso é uma coisa que me faz feliz, ou seja, não sacrifico nada porque fico verdadeiramente satisfeita com isso e acho que se a nossa vida for só dedicada a nós próprios não tem graça nenhuma, então o que me move é ser feliz e o que me faz ser feliz é, muitas vezes, partilhar essa felicidade com outras pessoas. E a Medicina acaba por ser uma maneira de seu ser feliz no trabalho, tal como eu espero depois ser feliz na vida pessoal. Penso que só somos realmente felizes quando partilhamos a felicidade com os outros”.

Sofia Tavares
Equipa Editorial
