Com praticamente 50 anos de casa, António Barbosa despediu-se da vida académica e hospitalar numa Aula Magna que acolheu apenas aqueles que iam discursar, reunindo todos os outros pela distância de um encontro digital.
O Professor Catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa foi igualmente Diretor da Clínica Universitária de Psiquiatria e Psicologia Médica. Ainda Chefe de Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN), António Barbosa foi o cofundador do Centro de Bioética, desenvolvendo e impulsionando vasto trabalho na área dos Cuidados Paliativos e do Luto.
No sentido de homenagear o Professor, a FMUL e a AEFML associaram-se para uma merecida cerimónia que contou com os discursos do Diretor da FMUL, Fausto J. Pinto, o atual Diretor da Clínica Universitária de Psiquiatria, Diogo Telles Correia, o Diretor do Serviço de Psiquiatria do CHLUN (Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte), Luís Câmara Pestana, e o então Presidente da AEFML, José Rodrigues.
António Barbosa seria o último a falar, revelando a tão já esperada humildade, “pelas palavras naturalmente excessivas” a ele dirigidas.
O seu primeiro envolvimento à Instituição começara quase logo, quando pertencera à Associação de Estudantes de Medicina, fazendo parte das brigadas que socorriam as vítimas das cheias de Lisboa, em 1967. Bem cedo, ficou-lhe evidente o papel intrínseco que a Filosofia, Antropologia e a relação comunicacional entre médico/doente assumiam nas suas ações, nos seus pensamentos. Por isso, transpôs todos esses conhecimentos adquiridos e trabalhados ao longo da vida mesmo enquanto académico. Um dos grandes mentores na sua vida, o Prof. Carlos Ribeiro, permitiu que na Introdução à Medicina se desse especial foco à relação entre médico e doente, “relação essa só agora fortalecida novamente com o atual Diretor, Fausto J. Pinto”, afirmou sem cerimónias.
Mas não esqueceu a importância de outros papéis como “o do Conselho Científico para lhe delegarem a confiança para desenvolver áreas como os Cuidados Paliativos”. Outros nomes lhe viriam a fazer eco nas emoções, quando se referiu “à Dra Vivelinda como a co-parteira de tantos projetos” por ele desenvolvidos no âmbito da Clínica Universitária. A mesma responsável pelo secretariado da sua área que me viria, dias depois, a confidenciar que “com o Professor (António Barbosa) já aprendera a preparar os lutos, já que eles não se antecipam", sensação agora vivida, neste caso de luto pela separação entre ambos.
A preencher as diversas prateleiras do Centro de Bioética, grande maioria dos livros que hoje o ocupam, António Barbosa ofereceu-os à Faculdade, trazendo-os da sua biblioteca pessoal, razão pela qual pedia ao seu braço direito, a Vivelinda, “dê um abraço aos meus livros, porque eles estão dentro de mim. Nada podia ter sido feito sem as ajudas destas pessoas”, admitia o Professor de voz embargada.
O mesmo Centro de Bioética, que publicou também mais de uma vintena de volumes, viu alguns destes manuais tornarem-se de grande referência.
O agradecimento especial viria finalmente “aos estudantes, com quem manterei sempre contacto,” os mesmos que quis abraçar neste dia final e não o pôde fazer. Abraços honestos de quem afirmava pouco a seguir que “é o envolvimento relacional que liberta a energia única, tirando assim o peso das coisas e espicaçando a inércia”.
“Entre tanto” foi como disse ter vivido, no equilíbrio da humildade com o da contestação. Contestação essa que pretendia com que “convertesse muros e construísse degraus para criar pontes”. Assim foi vivendo “entre tanto”, aberto e atento a outras realidades, partilhava o saber e os destinos em experiência e sabedoria.
Criou novas estruturas de trabalho e sensibilizou os olhares a uma delicadeza que era necessária para se poder avançar. “Yes we can”, dizia calmamente, “podemos sempre partilhar e ensinar”, reforçando já em si um papel de aplicar a ética no saber académico. Não foi, por isso, em vão que disse ser ele próprio “aluno para sempre”, pois também foi sempre que entendeu que “a Educação toca o futuro”, assim como a sensibilidade à realidade do outro, explicava, “ morria-se mal no hospital e as perdas não eram bem trabalhadas”.
Entre o tanto que António Barbosa deu, no tanto que mostrou ter absorvido com o mundo do outro, afirma agora que chegou o tempo de “ir deambular para outras geografias”. Saberemos que a saudade com que já parte tem-lhe sabor a gratidão, mas igualmente o sentido de missão cumprida e personalidade discretamente afirmada, “tentei sempre não me distrair com as vaidades, e fui sempre contra as diversas formas de vedetismo”. Vida pintada em tela como relato de obra feita, obra adquirida, o Professor não nega, no entanto, que a firmeza de carácter advém de algo profundo e mais enraizado que apenas a personalidade trabalhada, “nós somos a educação e o amor que os pais nos deram, somos os livros que lemos e os filmes que vemos”, concluiu.
Mesmo antes de lhe ser entregue o medalhão jubilar, pelas mãos do Diretor da FMUL, Fausto J. Pinto, despedia-se em jeito de conclusão de personalidade, de caminho concluído, naquele destino.
“A vida é uma dádiva, não fiz tudo o que quis. Quis tudo o que fiz”, disse terminando a sessão.
Fausto J. Pinto – Diretor FMUL
“António Barbosa foi um dos grandes Mestres desta casa, que sempre teve a postura de um académico médico”.
“Serei sempre incompleto sobre as suas múltiplas áreas (…) Foi um Homem da Renascença e que introduziu a Filosofia do Conhecimento”.
“O académico com mais orientações de teses, deu a sua vida e o melhor pela Instituição”.
Diogo Telles Correia – Psiquiatra, é o Responsável pela Clínica Universitária de Psiquiatria e Psicologia Médica
“O Professor António Barbosa foi o meu Mestre”.
“A Psiquiatria é a ponte entre a Medicina e as Ciências Sociais, mérito trabalhado pelo Professor”.
“Foi sempre a personificação do trabalho, para se ir vencendo e sem ceder. É com ele que levo a ideia de persistência”.
Câmara Pestana – Diretor do Serviço de Psiquiatria do CHULN
“Participo com tristeza por ver um Professor de excelência, no auge das suas capacidades, a ir embora por limitações administrativas”.
“O Professor António Barbosa enriqueceu a Psiquiatria Forense, a Bioética e deu nova perspetiva da Psicologia Social.
“Conheço-o há cerca de 40 anos e aos 32 anos de idade já era conhecido pelo seu vasto CV em Psiquiatria de ligação, pela sua grande serenidade e consenso”.
José Rodrigues – Presidente cessante da Associação de Estudantes da Faculdade de medicina (AEFML)
“O Professor era uma segurança para todos nós”.
“As visitas que o Professor fazia com os estudantes no Módulo de medicina 3.1 tornaram-se as mais adequadas à realidade, no contacto com os doentes”.
“Apoiou a AEFML nas diversas atividades e em dinâmicas nunca possíveis até ao momento”.
“O Professor transformou o lugar” – citando um texto de José Saramago.
Joana Sousa
Equipa Editorial
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