A COVID-19 é uma doença nova, cujas manifestações clínicas podem ser leves, moderadas ou graves, necessitando de internamento em unidade de cuidados intensivos. Calcula-se que cerca de 10% dos 20 milhões de sobreviventes, à fase aguda da COVID-19, mantêm sintomas persistentes e mesmo disfunção grave, cardiovascular, pulmonar ou neuropsiquiátricas. Porém, desconhece-se, ainda, qual é o resultado a longo termo dos cerca de 4 milhões daqueles sobreviventes nos Estados Unidos da América, Reino Unido e Suécia, que se mantêm com sintomas, para além das três semanas após o início da doença, ou, mesmo, para aqueles que se mantêm com queixas para lá das 12 semanas. Se bem que raras, têm sido descritas sequelas associadas a outras doenças víricas, como é o exemplo da mononucleose infecciosa e do sarampo, sendo esta síndrome reconhecida, também, em doentes que recuperaram de doença grave, requerendo internamento hospitalar e admissão em unidade de cuidados intensivos.
De referir, ainda, que esta síndrome pós-COVID-19 não se limita a doentes graves que foram hospitalizados ou, apenas, a adultos idosos. Esta situação ocorre, com maior frequência, em indivíduos com idade superior aos 50 anos e com três ou mais doenças crónicas, todavia tem sido observada, também, em adultos jovens com teste positivo para SARS-CoV-2, sem necessidade de internamento.
Os sintomas mais comuns são a fadiga extrema e a dificuldade respiratória, para além de dores articulares e no peito. A disfunção cardíaca (inflamação do miocárdio, miocardite e arritmia), pulmonar (espessamento intersticial e fibrose) ou cerebral (SARS-CoV-2 pode penetrar no tecido cerebral através da viremia e, também, por invasão directa, pelo nervo olfactivo) tem sido referida, em associação com aquelas sintomatologia geral, acima referida, admitindo-se a sua correlação com: a) Invasão pelo próprio vírus (pela presença nos tecidos daqueles órgãos dos receptores da enzima conversora da angiotensiva-2; b) inflamação e tempestade de citocinas; c) dano causado no sistema imunitário; d) estado de hipercoagulação.
O aumento da incidência do enfarte do miocárdio, como sequela da COVID-19, tem implicações nos mais idosos com comorbilidades múltiplas, mas, também, nos mais jovens, previamente saudáveis. As alterações persistentes observadas nos estudos radiológicos do pulmão, como espessamento intersticial e fibrose, com disfunção pulmonar tem consequências gravosas cardiopulmonares. As consequências neurológicas, mais comuns a longo termo, depois da CODIV-19, são cefaleias, vertigens e disfunção sensorial (anosmia e ageusia), sendo mais raras o acidente vascular cerebral, a encefalite e as convulsões, para além das alterações do humor e da confusão mental (“brain fog”). As sequelas neuropsiquiátricas da COVID-19 podem persistir durante meses (tal como está registado para as infecções por SARS-CoV-1, MERS e vírus da gripe), com implicações cognitivas e na qualidade de vida dos sobreviventes à COVID-19. Os doentes que recuperam da COVID-19 estão em risco elevado de depressão, ansiedade, stress pós-traumático e de perturbações associadas à utilização abusiva de substâncias (como álcool, tabaco e drogas). Um caso curioso de psicose, como sequela da COVID-19, foi descrito numa mulher, na casa dos 50 anos, sem antecedentes psiquiátricos, que começou a ver leões e macacos em casa, tornou-se desorientada e agressiva e passou a estar convencida de que o marido era um impostor.
Alguns destes sintomas fazem lembrar a síndrome de fadiga crónica, também conhecida por encefalomielite miálgica, cuja etiologia e patogénese não se conhecem e para a qual não estão disponíveis biomarcadores, pelo que o diagnóstico é fundamentado nos sintomas.
É imperativa uma intervenção compreensiva multidisciplinar, para se conhecer melhor as consequências, a longo termo, dos efeitos sobre a saúde física e mental dos milhões de doentes que recuperaram da COVDI-19.
Francisco Antunes
Infecciologista e Prof. Jubilado da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa