Na noite de 26 para 27 de setembro começavam a circular as primeiras reações aos resultados das colocações no Ensino Superior.
Na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa anunciavam-se as 295 vagas para o Mestrado Integrado em Medicina e 30 para a Licenciatura em Ciências da Nutrição. Os últimos alunos da FMUL ingressavam com 18.3 e 16.8, respetivamente.
Entre os dias 29 de setembro e 2 de outubro eram feitas as inscrições online e todas as informações iniciais circulavam por email e em paralelo divulgadas no site e Instagram. Apesar de atípico, pelo distanciamento nesta fase inicial, tudo correu de forma muito organizada entre estudantes, como se tivesse sido sempre habitual tratar de tudo via digital.
Desde 2008 que a Faculdade de Medicina não recebia tantos candidatos. Também o país assistia a um aumento de 15% de novos estudantes no Ensino Superior, contabilizando um total de 50 964 colocados, um incremento de 6.464 novos lugares.
Ao contrário de outros anos, a Faculdade de Medicina não organizava com tanta força presencial o seu Dia de Abertura, tendo embora preparado um acolhimento personalizado. Maioritariamente mais distantes e separados por grupos, a verdade é que a 1 de outubro começavam a chegar os primeiros elementos novos à Faculdade.
Dia 1
Às 9h45 chegavam todos ao ponto de encontro que se separava por 9 diferentes locais, todos eles coordenados por estudantes mais velhos da Faculdade que faziam as “honras da casa”.
Agrupados por ordem alfabética, o propósito era evitar grandes aglomerados e minimizar os riscos de possíveis contágios.
À chegada à Faculdade, que cabe em parte dentro do Hospital de Santa Maria, os estudantes davam de caras com um Hospital de Campanha montado desde de março, para receber e tratar doentes com covid-19. Cenário pouco inspirador para quem ainda não tem toda a noção de espaço e segurança, talvez esse aspeto reforçasse a timidez muito característica nestes momentos iniciais de acesso.
“Quem quer tirar uma fotografia de boas-vindas com um balão de pensamento? Temos aqui futuros médicos ou nutricionistas?”, perguntava-se para quebrar o silêncio gritante de quem mal se olha entre si. Devagar e depois de escolhidas as primeiras pessoas para fotografar, começavam a aparecer os mais corajosos. Escolhiam cautelosamente a mensagem que queriam que mais os espelhasse. Entre “futuro Médico (a), ou futuro Nutricionista”, e “mãe entrei em Medicina”, as mensagens passavam a ser fotografadas com alegria e já assumindo civilizada fila de espera.
Enquanto se reuniam os grupos e cada um se afastava devidamente para a sua porta de entrada, alguns chegavam atrasados, igualmente perdidos. Familiares que discretamente vigiavam a situação de longe, algumas fotografias tiradas de telemóvel e algumas lágrimas de aflição de alguns mais perdidos dentro do campus, tudo fazia parte de um mesmo enredo.
Nove auditórios separados por três edifícios, era esta a nova plateia que em tempos se juntara toda num só lugar para conhecer alguns dos nomes mais sonantes da Faculdade. Mas porque nem tudo se modifica para que a identidade não se perca, o Diretor da Faculdade de Medicina, Fausto J. Pinto, o Reitor da Universidade de Lisboa, António da Cruz Serra, e o Presidente da AEFML, José Rodrigues, foram os primeiros a acolher os novos estudantes, fazendo enquadramentos muito plurais no que toca à realidade atual da saúde e do Ensino no país.
Até ao final da manhã passavam pelo palco do Grande Auditório João Lobo Antunes informações sobre os cursos, livros e manuais, investigação científica. Ouviam-se professores, alunos atuais e antigos, relatos pessoais e outros informativos. No fecho de uma longa manhã, terminada entre teatro e música, as tardes seguiam-se por videoconferência, apresentando as grandes áreas a estudar.
Nunca tantas salas em simultâneo tinham estado a funcionar, nunca tantas pessoas tinham sido separadas. A Faculdade executava, pela primeira vez, um plano de ação de acolhimento, mantendo a distância que permitia transmitir a segurança a cada um.
Dia 2
O dia começava mais cedo e apesar de se manterem os pontos de encontro e os mesmos grupos, os seus “guias” eram agora outros e trocavam-se duas salas entre si para que mais estudantes pudessem conhecer protagonistas e instalações.
Depois de ameaçar no dia anterior, a chuva chegava forte para demover os grupos a esperarem pelos menos pontuais. Do dia inicial em que não se ouvia uma única voz, agora grupos inteiros falavam entre si como se revisitassem uma longa amizade, apenas separada por umas férias de verão. Abrigados entre árvores e toldos, a euforia contrastava com a ansiedade do dia anterior.
Menos estudantes perdidos, todos os grupos chegavam a horas às salas destinadas e assistiam a uma manhã diferente da anterior. Mais centrada no seu universo, o foco era a vida dos novos estudantes numa casa com múltiplas escolhas e caminhos, uns lúdicos, outros formais, apresentava-se o papel dos mentores, ou o da Associação de Estudantes. Relatos na primeira pessoa da travessia aos anos já estudados, viagens a outros lugares para estudar, ou para criar entreajudas culturais, pessoais. Num registo mais próximo e virado para as ambivalências de um campus que enriquece qualquer um, o Grande Auditório dava assim a conhecer nomes e rostos cheios de novos elementos a acrescentar.
Ficavam também a saber, deste dia em diante, que os estudantes integram o Conselho de Escola, ou o grupo dos Discentes do Conselho Pedagógico, ou que podem também candidatar-se a representantes das comissões de curso. Palavra e compromisso em nada delegados para segundo plano, neste exato dia tão focado neles.
No culminar de todas estas horas transformadas em dois dias, fizeram-se cumprir papéis e compromissos de conduta, assinalando assim o Código de Honra, código de ética e valor moral que nunca permitem a um médico esquecer o compromisso entre o conhecimento e a emoção.
Habitualmente lido e repetido de pé, o compromisso de honra era agora dito por cada um, quase silenciosamente e sentado.
Qual missa a uma só voz, cujas palavras se diluem num eco envergonhado, os dois dias de boas-vindas acabavam assim com o momento mais simbólico de todos, o momento em que interiorizavam a noção de dignidade das suas futuras profissões, mesmo que entre um ou outro rosto a atenção estivesse mais presa ao riso, ou ao ecrã do telemóvel.
Dos 134 estudantes que podem sossegar um pouco mais por serem residentes em Lisboa, os outros 148 chegam de vários pontos de Portugal Continental, serão mais 19 se contarmos com as ilhas. Significa que grande parte deles está longe de casa, enfrentando assim duras provas de vida individual que reforçará a pressão académica.
Nestes dois dias aprenderam que terão mentores, atividades e muitas dinâmicas de grupo, primeira amostra de um novo mundo que agora os abraça.
A todos boa sorte!
Fontes:
Joana Sousa
Equipa Editorial