No mês de todos os recomeços fizemos um balanço do último semestre com quem interveio, diretamente, no processo de implementar uma nova estrutura de comunicação e ensino à distância, e partilhamos os maiores desafios e anseios de quem esteve nessa outra frente, procurando salvaguardar as melhores condições de formação possíveis, apesar dos condicionalismos com que se depararam, e perspetivamos o futuro num novo ano que agora começa, ainda, na sombra da pandemia e do risco que é tão real como a própria vida.
Ao recordar o “comportamento excecional” de toda a comunidade académica da FMUL no segundo semestre do ano passado, o Professor Joaquim Ferreira sublinhou a capacidade de adaptação e agilidade “de todos”, desde coordenadores dos vários anos letivos a docentes e colaboradores não docentes da FMUL, na procura de uma solução para responder, com a maior eficácia possível, a uma situação excecional. “Nós conseguimos montar um programa curricular em horas, fomos consequentes com o desenho que delineamos, obviamente não podemos comentar se com grande sucesso ou insucesso do ponto de vista pedagógico, mas tivemos o mérito de ter um programa desenhado, delineado, e que foi implementado de forma rigorosa e, obviamente, que comparativamente com outras escolas médicas e até outras faculdades de outras áreas, seguramente com um nível de organização que me deixa muito orgulhoso”, afirmou o Presidente do Conselho Pedagógico.
Encontrar uma forma de avaliar os estudantes à distância foi um desafio enorme e Joaquim Ferreira reconhece que, ainda que não tenha sido o modelo de avaliação ideal aquele que foi implementado no ano letivo anterior, “se nos cingirmos à forma como decorreu e aos próprios resultados, deixam-nos relativamente tranquilos em relação àquilo que foi feito”, denotou, ressalvando, porém, que “tranquilos não significa que não tenha havido erros, que não tenha havido problemas e, inclusive, que não tenha havido situações de injustiça que nos deixam preocupados, mas que olhando para trás seria muito difícil fazer diferente”.
Na perspetiva de Joaquim Ferreira, que quis deixar uma mensagem aos estudantes que possam ter-se sentido lesados de alguma forma, se a análise incidir num cenário com culpas atribuídas, neste caso em concreto, a culpa recai sobre a pandemia. “Não é quem faz os exames, nem o regente. O culpado aqui é a pandemia, que gerou uma situação que nos deixou desconfortáveis”, sublinha, estabelecendo “um paralelismo com situações que nós vivemos na nossa prática clínica, em que temos uma doença grave, temos um doente que está a agravar e temos uma família que está zangada pelo contexto da doença, e muitas vezes tendemos a culpar os médicos, ou os enfermeiros ou os profissionais de saúde e eu digo sempre que, não nos devemos esquecer que quem temos que culpar é a doença, porque ela é que gera aquela situação de desconforto, e isto é um bocadinho aquilo que se passou neste último semestre que foi, nomeadamente em relação às avaliações, e sobre aquilo que possa ter corrido menos bem, penso que a culparmos alguém é a pandemia que gerou, de facto, uma situação muito complexa”.
Confessando a exaustão, não só na primeira pessoa, mas em nome de um “coletivo” que respondeu “muito bem” a uma situação sem precedentes, Joaquim Ferreira entende que a pandemia expôs a única e maior desvantagem de estudar ou exercer atividade profissional num campus hospitalar. “Nós somos privilegiados, porque temos um Faculdade de Medicina sediada num campus que inclui o maior hospital do país, que é um hospital universitário e o instituto de investigação biomédica. E ter alunos num espaço hospitalar é um privilégio, exceto se houver uma pandemia”, declarou, acrescentando que “este é o tipo de situação em que, se calhar, ter uma escola médica em que pelo menos parte das suas atividades ficassem num espaço físico fora de um campus hospitalar, teria trazido um outro conforto, portanto, aquilo que em circunstâncias normais é um privilégio, do qual que eu não prescindo, no contexto em que é necessário ter alunos a ter aulas, conviver num espaço físico hospitalar, obviamente causou-nos aqui uma grande limitação e uma dificuldade adicional, até comparativamente a outras escolas médicas”, revelou, adiantando que essa mesma dificuldade se transpôs para o planeamento do novo ano letivo.
Em retrospetiva, Joaquim Ferreira considera que “seguramente houve perdas”, pois “nada substitui a aprendizagem com um doente e com um docente em espaço clínico e hospitalar”, realçando as diligências efetuadas no sentido de “compensar, com organização, com esforço, com planeamento e com a tentativa de mimetizar o mais possível aquilo que é uma aprendizagem que resulta da presença física dos alunos e dos docentes em espaço hospitalar”.
Para Miguel Bernardino, estudante que vai ingressar no 4º ano do MIM (Mestrado Integrado em Medicina) e Responsável da Comissão de Curso 17-23, uma das principais lições a reter da experiência do último semestre do ano anterior “é que todos os elementos da Faculdade – sejam eles docentes, discentes ou funcionários dos serviços técnicos e administrativos – são dotados de uma grande capacidade de adaptação”, competência demonstrada “pela implementação de um modelo ensino à distância num período de 24 horas”, recorda, partilhando aquelas que entende terem sido “vantagens e alguns inconvenientes que, quando pesados, permitem concluir que este (ensino à distância) se adapta melhor a certas Áreas Disciplinares e a certas modalidades de aulas do que a outras”.
Miguel Bernardino recorreu a “dois exemplos paradigmáticos” para justificar a sua posição. “Creio que o ensino da Imagiologia sofreu uma melhoria significativa do primeiro para o segundo semestre. As aulas por via remota permitiram que os alunos seguissem melhor a exposição do docente no decorrer da aula (as imagens tinham maior qualidade e os recursos ao dispor dos docentes permitiram-lhes circunscrever a zona específica da imagem a que estavam a fazer referência num dado momento com maior precisão)”. Para além disso, “a gravação e disponibilização das aulas veio a revelar-se um elemento de estudo muito pertinente na preparação do exame e a reformulação do método para o ensino teórico-prático cursou numa melhor estratégia pedagógica (os estudantes mantiveram o seu papel ativo na preparação dos casos clínicos, mas a exposição destes ficou a cargo dos docentes, o que a tornou mais profícua)”, salientou.
Por outro lado, a maior desvantagem refletiu-se no ensino da Introdução à Clínica que, na opinião de Miguel Bernardino, “viu-se prejudicado do primeiro para o segundo semestre.” “Embora os métodos remotos pudessem substituir adequadamente as aulas teóricas e, eventualmente, as aulas teórico-práticas, a qualidade do ensino prático saiu indubitavelmente lesada. Esta afirmação encontra justificação nos seguintes acontecimentos que, infelizmente, foram inevitáveis: o treino dos procedimentos nos modelos não foi viável, não foi possível praticar os protocolos sob a vigilância e orientação dos assistentes e o curso de pequenos gestos clínicos teve de ser suspenso”.
Em relação ao ano letivo que agora começa, o Professor Joaquim Ferreira revela que os planos para antecipar a preparação de um ano académico, que se anteviu desde logo atípico, tiveram início em maio do presente ano, altura em que “quer a Direção da Faculdade, quer o Conselho Pedagógico começaram a reunir-se, por forma a delinear, pelo menos, as linhas gerais do ano seguinte. Foi criado um grupo de trabalho específico, que eu coordenei, para sugerir aquilo que seriam as linhas gerais de implementação, de desenho deste novo ano, e foram tomadas um conjunto de decisões que foram estruturais e que estiveram na base de tudo aquilo que se sucedeu.” Linhas gerais essas, que passam por estabelecer “um conjunto de cenários, uns mais prováveis, outros eu diria mais hipotéticos, em que para todos eles haja um plano”, explicou o Professor, avançando detalhes sobre a estrutura de ensino que foi projetada para o arranque deste novo ano letivo. “Aquilo que está planeado é que todas as aulas teóricas e seminários serão dadas por videoconferência, aproveitando toda a aprendizagem que houve em lecionar, usando esses formatos, mas à partida nós conseguimos retirar os alunos do espaço físico hospitalar em aulas que são aquelas que mais facilmente se adequam a esse tipo de formato”, o que também permite libertar alguns espaços físicos que vão ser necessários para a adaptação do ensino na sua vertente mais prática, conforme explicou o Professor. “No fundo, o ano está desenhado, por forma a que algumas aulas teórico-práticas sejam presenciais, outras à distância, em função da adequação das disciplinas a esse tipo de formato”.
Na perspetiva de Miguel Bernardino, “considerar as aprendizagens do semestre passado é um passo fulcral para que cada Regência possa planear da melhor forma as adaptações que irá introduzir na sua Área Disciplinar específica em resposta a esta nova situação epidemiológica”, afirma o estudante.
Não obstante o contexto da pandemia ser diferente nos dois semestres, Miguel Bernardino entende que “o que se viveu no final do último ano letivo permitiu obter um importante conhecimento concreto das aulas que não podem deixar de ser lecionadas de forma presencial e das aulas que melhor se adaptam a modelos à distância.”
Quanto às aulas práticas, “que é aquilo que é mais difícil, sejam aulas práticas clínicas, sejam aulas práticas laboratoriais”, refere o Professor Joaquim Ferreira, o modelo presencial será privilegiado. “O que está planeado é que o número de alunos por turma e o tempo de exposição ao contexto prático seja reduzido, portanto, o que vai acontecer é que vamos ter turmas mais pequenas e uma alternância entre os alunos estarem em contexto prático hospitalar, no fundo em contexto de enfermaria ou de laboratório, e os alunos estarem num outro espaço físico da faculdade a ter aulas presenciais, que esperamos que sejam o mais interativas, simulando o mais possível o contexto prático”, explica, sublinhando que tal estratégia permite que “o número de alunos expostos a uma situação de maior risco seja menor e num formato, obviamente, mais dinâmico e mais ágil.”
Sobre o sistema de avaliação, que “ainda não está totalmente definido”, Joaquim Ferreira adiantou que “o formato será, tendencialmente, presencial, provavelmente usando o mesmo tipo de tecnologias”. “A ideia será que os alunos usem os sistemas tecnológicos que começaram a ser usados, nomeadamente a aplicação informática Quizz One. Em relação aos exames escritos, pretende-se que eles respondam ao teste usando um computador ou laptop, mas estando presencialmente na faculdade, obviamente distribuídos por espaços físicos amplos, mas, no fundo, ao invés de estarem em casa, estão aqui, beneficiando da tecnologia que nós implementamos um bocadinho a correr, porque obviamente não tínhamos outra alternativa, mas agora beneficiando de estarem aqui”.
O Presidente do Conselho Pedagógico entende que tal modelo apresenta a mais-valia da existência de supervisão por parte do corpo docente, “o que também é um fator de justiça adicional”, sublinhando a vantagem de, “ao usarmos este tipo de sistemas, nós contamos que a qualidade das perguntas melhore, porque esta aplicação obriga ao cumprimento de um conjunto de regras na elaboração das perguntas que eu acho que é positivo do ponto de vista pedagógico para melhorar a qualidade dos testes”, explicando que a aplicação “permite gerar um conjunto de perguntas e avaliar da sua qualidade”, apontando como tal, um “conjunto de aspetos de melhoria da qualidade pedagógica também da avaliação, que podem advir de mantermos, em parte, aquilo que começamos a fazer no semestre passado, mas idealmente com os alunos presencialmente no espaço físico da faculdade”.
A presença física dos estudantes gera, por sua vez, “dificuldades adicionais” e obriga a acautelar alguns pormenores logísticos, trabalhando no sentido de assegurar as condições essenciais ao cumprimento do plano traçado. “Ter um aluno com um computador portátil num anfiteatro a fazer um exame implica que não haja o risco de o computador ficar sem bateria e, assim, ficar impossibilitado de fazer o exame. Implica começarmos já a pensar como é que nós vamos garantir que esses aspetos, que às vezes não nos lembramos, sejam cumpridos para que aquilo que idealizamos depois acabe por se consumar”.
O plano está traçado e as expectativas abonam a favor da eficácia da estratégia delineada. No entanto, atenta o Professor, “temos que estar preparados para, mais uma vez, num período de tempo curto haver adaptações, uma dinâmica que permita reajustar, redefinir e também, no fundo, vai exigir por parte de todos, quer corpo docente, quer alunos, uma grande generosidade do ponto de vista de comportamento, um grande bom senso e uma grande prudência”.
Enquanto responsável pela Comissão de Curso do 4º ano, Miguel Bernardino teve a oportunidade de acompanhar os preparativos do novo ano letivo de forma mais próxima e partilha da opinião de que “a Faculdade tem perfeita consciência da importância basilar do ensino presencial – e do contacto clínico em particular – na formação de futuros médicos”. Assim sendo, “o planeamento do novo ano letivo procurará proporcionar aos estudantes este contacto prático presencial indispensável, não descuidando as medidas de segurança fundamentais para que se evite ao máximo a propagação do vírus SARS-CoV-2”, realça.
Considerando a “transição do ciclo pré-clínico para o ciclo clínico um momento veementemente almejado pela maioria dos estudantes desde o primeiro dia de aulas do curso de Medicina”, referindo-se aos estudantes que transitam do 3º para o 4º ano, Miguel Bernardino afirma que a pandemia “veio introduzir um certo grau de incerteza quanto à possibilidade de concretizar, de facto, estas tão aguardadas oportunidades de contacto clínico.” Por essa razão, “parece-me natural que emirja alguma apreensão entre os alunos do 4º ano (sentimento não exclusivo dos mesmos, partilhado de uma forma global por todos os colegas dos vários anos)”.
Quando atentamos neste constrangimento que tem um peso determinante no percurso dos nossos estudantes, é quase inevitável discutirmos o conceito de justiça. Uma discussão vã, é certo, porque em tempos tão adversos como aqueles que agora vivemos, o que podemos tomar como certo é, unicamente, a incerteza do que não se pode prever, mas a confiança na ação concertada, no sentido de minimizar os danos causados pela pandemia.
Para Joaquim Ferreira “há várias situações de potencial injustiça quando passamos para um formato de aulas à distância e que está dependente das pessoas terem acesso às mesmas, dependendo da tecnologia, e nem todos os alunos vivem e têm as mesmas circunstâncias ideais de aceder a esse tipo de informação”, defendendo que “quem vive em locais em que a qualidade do acesso à internet é pior, quem não tenha a mesma qualidade de apoio tecnológico, por si só, obviamente que está automaticamente numa situação de desvantagem”. Para além disso, o Professor destaca que, “o facto de nós não conseguirmos encontrar soluções melhores ou de a pressa com que tivemos de tomar decisões nem sempre terem gerado as circunstâncias de acautelar todos esses cenários, não quer dizer que não nos preocupemos com esses nossos alunos, por isso é que eu digo muitas vezes, muitas das decisões que nós tomamos são decisões quase cruéis, porque são decisões que balizam muito bem quais é que são os vários cenários e nós sabemos que há alguns que podem ficar, potencialmente, a perder”.
Uma condição à qual a instituição não é indiferente, garante o Professor, confessando o desafio difícil de tomar decisões globais, mas urgentes e inadiáveis, com a consciência de que o benefício da maioria colocou, seguramente, outros numa posição mais desfavorecida.
“O próprio contexto de avaliação é um contexto em que é quase impossível garantir que neste segundo semestre os cenários e as avaliações mimetizaram exatamente o que tinha acontecido no primeiro semestre e, obviamente, que muitos alunos tiveram disciplinas diferentes e, portanto, os alunos que tiveram essas disciplinas no primeiro semestre e os que fizeram avaliações no segundo semestre, seguramente haverá diferenças. E mais uma vez, em algumas circunstâncias, foram adotadas medidas de correção, mas não há medidas de correção ideais. Porém, tudo isso foi pensado, tudo isso foi discutido e tudo isso foi meditado. As decisões não foram tomadas de forma leviana, não meditando que alguns, seguramente, terão razão para se sentir, de alguma forma, prejudicados, mas o contexto é de tal forma agressivo e difícil que é impossível considerar todas as situações, de todos os alunos e implementar uma lógica de correção que garantisse, no fundo, esse conforto para todos”, declarou, acrescentando que quando se refere à justiça, refere-se ao “acesso ao ensino que não é igual para todos, e ainda menos neste contexto, porque as pessoas não estão aqui presencialmente e a metodologia de avaliação utilizada foi a possível”.
Miguel Bernardino mostra-se confiante com o início do novo ano letivo, revelando que “a principal expectativa é a de que o processo de ensino possa decorrer com a maior normalidade possível, desde que garantidas as condições de segurança necessárias ao combate à pandemia de COVID-19”. Expressa, também, “a esperança de que o regime misto de ensino que estará em vigor tenha a capacidade de explorar as potencialidades do ensino remoto e, simultaneamente, compensar as suas lacunas”, esperando “francamente conseguir ter oportunidades de contacto clínico suficientes para que a qualidade da minha formação médica sofra o menos possível com a calamidade que presentemente ameaça o mundo, e que as regras estabelecidas para tal contacto sejam eficazes ao ponto de garantir a segurança dos doentes e de todos os profissionais e estudantes que frequentam o hospital”.
Quando falamos do ensino médico que a pandemia determinou que decorresse à distância, rompendo por completo o paradigma do que entendemos como a formação prática de um futuro médico, debatamos as dificuldades e formas de superação dos desafios que se colocaram ao 6º ano, “um dos anos mais difíceis”, segundo Joaquim Ferreira, pois decorre num contexto “em que é simulada a prática clínica real”. “Esses nossos alunos, pelo menos meio ano desse sexto ano não foi cumprido no formato em que é suposto acontecer. Ao contrário de outras instituições, nós implementamos um programa de ensino à distância mesmo para o 6º ano, em que todos os dias os alunos tinham 4 horas de aulas por videoconferência, cobrindo todas as áreas clínicas que nós achamos que eram mais relevantes, quer do ponto de vista do ensino deles, quer do ponto de vista da preparação para o exame que eles vão ter que fazer e que nós procuramos que fossem aulas, simulando o mais possível um contexto de decisão clínica, decisão de diagnóstico e decisão de terapêutica”, esclareceu o Professor. A decisão foi a “possível de implementar”, mas que “não substitui esse tempo de formação”, ressalta Joaquim Ferreira, abordando a outra alternativa possível, e que foi aliás opção por parte de algumas instituições de ensino, que consistiu no adiamento da conclusão da formação médica. “Teria sido perfeitamente legítimo, que é dizer assim: o programa curricular não foi cumprido, pelo que quando for possível cumprir o programa curricular tal como delineado inicialmente, eles concluirão o curso. Neste caso, serão médicos mais tarde. A decisão não foi essa. A decisão foi de, apesar destas dificuldades, validar esse período mesmo que o formato de ensino tivesse sido diferente. Eu subscrevi completamente essa decisão, mesmo sabendo que é uma decisão difícil”, tendo sido consensual em todas as Escolas Médicas de Portugal.
Adiar o fim, na opinião de Joaquim Ferreira, acarreta “uma incerteza adicional que é: ninguém consegue dizer exatamente durante quanto tempo é que vai adiar, portanto, podem ser 6 meses, 1 ano, 2 anos, 3 anos… Claramente, o 6º ano foi um dos anos mais difíceis e vai ser um dos anos mais difíceis este ano, outra vez, porque na prática nós estamos a pedir aos alunos que eles se integrem do ponto de vista do comportamento e das regras nas instituições que os vão acolher. Estamos a pedir aqui um esforço dos dois lados. Aquilo que nós estamos a pedir a todos é que se comportem como um jovem médico das estruturas das unidades hospitalares ou de saúde que os vão acolher e, no fundo, respeitem as regras, tenham exatamente o mesmo tipo de atitude. Sejam médicos a sério mais cedo do ponto de vista do cumprimento das regras, apesar de estarem obviamente no último ano de formação em Medicina na nossa faculdade”.
Um “pedido de ajuda e um esforço adicional” perante um cenário com escassas alternativas, e que Joaquim Ferreira pensa que venha a traduzir-se numa atitude “mais médica”, “no sentido mais nobre do termo”. “Se há adjetivo ou qualificativo que eu acho bom para um médico, de facto, é haver uma generosidade do ponto de vista do comportamento e é isso que eu lhes peço, que tenham uma generosidade, quer no interior quer no exterior das estruturas hospitalares”, adiantou, apontando alguns “bons exemplos”, nomeadamente o facto de poderem acompanhar doentes que estão privados da visita de familiares. “O que é mais difícil? Um doente estar internado e não ter a visita de um familiar ou eu pedir a um aluno da faculdade para ser o mais rigoroso possível nestes gestos de prudência? Acho que é mais difícil para o doente, portanto, apesar de tudo ainda estamos numa situação de benefício, comparativamente com muitos outros que estão doentes e que esses sim, sem grande alternativa, estão privados das coisas básicas que é do contacto com os seus familiares mais próximos num ambiente em que estão frágeis, em que estão doentes e privados de muito mais coisas dos que nós”.
Quando questionado sobre as implicações da carência do período normal de estágio na carreira dos futuros jovens médicos que terminaram a sua formação académica em plena pandemia, Joaquim Ferreira admite crer “que do ponto de vista do treino clínico básico não haja uma perda de competências”, considerando, no entanto, que “alguma perda haverá, até por uma razão que é fácil de perceber, que é muitas das decisões futuras do ponto de vista das áreas a que as pessoas se vão ligar resultam da passagem por alguns sítios. Eu sou neurologista, porque num determinado momento fui seduzido pela neurologia, pelas aulas que tive de neurologia. Se eu não for exposto a um determinado contexto ou situação, ou um contacto com um colega mais velho que me seduz para determinada área, eu não vou seguir aquele caminho. Muitas das opções que tomamos têm a ver com o nosso próprio trajeto e o trajeto deles ficou alterado, isso é inevitável, portanto, que vai condicionar as opções deles como jovens médicos, seguramente que sim, espero que não seja para pior”.
Por outro lado, o Professor atenta num outro ângulo e analisa a situação, colocando o enfoque na “enorme experiência” que é “ser aluno de uma Faculdade de Medicina num período de pandemia”. “É, seguramente, uma experiência única que vai moldar os nossos alunos num formato que nós ainda não sabemos muito bem como, mas que eu espero para bem! Porque requer, de facto, um treino de generosidade e disponibilidade que, se calhar, num contexto mais fácil e mais normal não sucederia”.
Hoje, Joaquim Ferreira entende que era “impossível fazer melhor” e considera que “nos devemos sentir muito orgulhosos do grau de organização que foi possível implementar”, recordando que os últimos meses foram “pesados do ponto de vista da atenção, cuidado e esforço” que requereu a adaptação a um novo normal e a um futuro que se pretende promissor para todos, a todos os níveis. “A pandemia foi democrática no sentido de quem afetou, mas não é democrática no sentido de quem melhor se consegue adaptar, e isso aplica-se às instituições e a cada um de nós individualmente”.
Para o futuro ficarão, certamente, as aprendizagens, não só de novas formas de comunicação, mas também de novas formas de estar perante a vida, que nos confrontou com uma normalidade tão díspar e em nada natural para o ser humano, que exigiu, e continua a exigir de todos, a confiança, coragem, generosidade e adaptação necessárias para sermos a melhor versão de nós próprios. Fazendo mais, fazendo melhor, a cada novo dia.
Sofia Tavares
Equipa Editorial