Pedro Julião, Pedro Hispano ou João XXI foi médico, filósofo, teólogo, matemático e diplomata, com formação em todos os ramos do saber reconhecidos na época, tido como um dos mais eminentes cientistas portugueses, viveu no século XIII e é considerado por muitos o primeiro português a ser nomeado Papa.
Ao longo de mais de 2000 anos de História da Igreja Cristã, foram 266 os Papas eleitos que se sentaram na cadeira de S. Pedro. Cinco deles tinham formação em Medicina.
O primeiro terá sido Eusébio, médico grego, que em 309 iniciou o seu pontificado durante quatro meses, e mais tarde foi considerado santo

Leão II, médico e sacerdote de origem siciliana, foi Papa entre 682 e 683, posteriormente foi santificado.

Victor III, monge beneditino da abadia de Monte Cassino, foi nomeado Papa em 1086 e exerceu o seu pontificado durante dezasseis meses. Mais tarde, foi santificado.

Adriano V, apesar de não ter sido coroado, o seu pontificado foi muito breve (julho-agosto 1276), também era médico e foi o antecessor de João XXI.

Em 1276, Pedro Julião Rebolo, médico, jurista, teólogo e filósofo português foi nomeado Papa com o nome de João XXI.
Em Portugal, existe alguma controvérsia na indicação de quem foi o primeiro Papa de origem portuguesa. Para alguns historiadores, o primeiro português a ser nomeado Papa foi São Dâmaso por este ter nascido em Civitas Igaeditanorum, depois designada Egitânia, a atual Idanha-a-Velha, que por altura do século IV estava integrada na Província da Lusitânia do Império Romano (de onde os seus pais também eram naturais) e que hoje em dia pertence ao território de Portugal. O seu pontificado teve início em 366. Foi o primeiro Papa a usar o “anel do Pescador com o símbolo de São Pedro”. Outros estudiosos consideram que o primeiro Papa português foi Pedro Julião, mais conhecido como Pedro Hispano ou João XXI.

Pedro Julião Rebolo ou Rebelo nasceu em Lisboa na freguesia de S. Julião. Desconhece-se a data exata do seu nascimento, dado que na Idade Média havia pouco rigor nos registos paroquiais, não só em Portugal como em vários países europeus. Para alguns autores, o seu nascimento terá ocorrido entre 1205 e 1210, para outros entre 1210 e 1220, mas todos admitem que não aconteceu depois de 1226.
Era filho de Julião Rebolo que exercia medicina, profissão já conceituada naquela época, e de Mor Mendes ou Teresa Gil.Oriundo de família nobre, abastada e conhecida de Lisboa, iniciou os seus estudos na escola episcopal, provavelmente em São Vicente de Fora, junto à Sé da capital.

De acordo com a sua condição económica teve a oportunidade de prosseguir os seus estudos de Medicina e Teologia, possivelmente na Universidade de Montpellier, uma vez que na Universidade de Paris (considerada no século XIII o maior centro de saber da cristandade), só surgiu o ensino da Medicina depois de 1250 e numa altura em que ainda não tinha nascido a universidade em Portugal. Ao frequentar as Faculdades de Artes e de Medicina terá contactado com as novas correntes da Escolástica, onde privou com vários vultos de renome, como São Tomás de Aquino. Em Paris e Montpellier, assistiu a vários discursos sobre dialética, lógica e sobretudo sobre física e metafísica de Aristóteles. Pensa-se que continuou os seus estudos sobre medicina em Sicília ou em Salerno, onde o ensino desta área era o mais avançado naquela época. Em Palermo, obteve o título de Professor Artis Medicinae.

Entre 1245 e 1252, Pedro Hispano terá exercido o ensino de Medicina nas Universidades de Siene e de Montpellier. Egas Moniz, que foi um enorme admirador de Pedro Hispano, encontrou o nome de Petrus Lusitanus na lista dos mestres notáveis quando visitou esta universidade. Foi clínico numa leprosaria desta cidade, numa altura em que a maioria dos clínicos que eram provenientes de classes sociais elevadas, iam abandonando a medicina hipocrática, isto é, exerciam cada vez menos a sua profissão na assistência aos pacientes in loco e se dedicavam mais a meditar sobre as doenças.
Foi em Siene que Pedro Hispano, já possuidor de uma vastíssima cultura científica e influenciado pela medicina árabe, escreveu algumas das suas obras mais importantes como o tratado Summulae Logicales, onde estão incluídas algumas teses do filósofo grego Aristóteles.

Esta obra influenciou para que Pedro Hispano fosse intitulado como o pedagogo da Europa, e teve grande repercussão entre os eruditos, não só naquela época como nos séculos seguintes. Tornou-se um manual de referência sobre lógica aristotélica e um livro indispensável na maioria das universidades europeias até ao século XVI. Foi traduzida em várias línguas como em grego e hebraico, foram manuscritas mais de três centenas de cópias e mesmo depois da invenção da imprensa, foi publicada até ao século XVII, em mais de 90 edições.
A sua obra De Oculi (tratado de oftalmologia, só descoberto no séc. XIX) conheceu ampla difusão por várias universidades europeias. Quando Miguel Ângelo adoeceu gravemente de doença ocular, devido ao intenso trabalho na decoração da Capela Sistina, encontrou remédio numa receita de Pedro Julião, um colírio denominado aquae mirabilis.

Foi ainda o autor de ‘Thesaurus Pauperum’ (Tesouro dos pobres). Esta obra é considerada como a mais divulgada de Pedro Hispano e uma das mais pormenorizadamente estudadas, é um autêntico tratado de medicina popular.

Como o seu título indica, era destinada aos pobres, aos praticantes sem recursos, com receituários mais acessíveis, não apresenta novas hipóteses, reúne sumariamente os saberes (cerca de 1550) já conhecidos através de 34 autores, incluindo um número reduzido do próprio Pedro Hispano onde as indica com as palavras “Esta é minha”. Faz referência a várias doenças, ao seu tratamento e à sua causa-efeito, de acordo com a opinião de Pedro Julião. É considerada como precursora da medicina preventiva, propõe hábitos saudáveis, melhores dietas, principalmente alimentares para conservação da saúde. Foi traduzida para doze línguas e publicada numa centena de edições.
Já no domínio da Teologia, é autor de “Comentários ao pseudo-Dionisio” e “Scientia libri de anima”.
Em Paris, escreveu “De tuenda valetudine” dedicada a D. Branca de Castela, mulher do rei Luís VIII de França, obra que ainda hoje se encontra por publicar. Pedro Hispano foi o primeiro comentador português da obra De animalibus, de Aristóteles, de quem era grande admirador.
Não obstante a sua elevada cultura, existe alguma discórdia quanto à autoria das mais de 50 obras atribuídas a Pedro Hispano. Estudos efetuados recentemente por alguns investigadores indicam que os livros que lhe têm sido atribuídos até agora deviam ser partilhados por mais três ou quatro autores e põem mesmo em dúvida a profissão de Pedro Julião como professor de Medicina. Estes autores justificam-se pelo facto que, naquela época, a Península Ibérica era indicada como Hispânia, o que significa que todos os Pedros ali nascidos seriam “Petrus Hispanus”. Gradualmente, foi-lhe sendo atribuída a autoria a todas as obras que contêm a assinatura de Pedro Hispano e que nos conduzem a várias dezenas de livros, nas mais diversas áreas do saber como filosofia, medicina ou psicologia.

Pedro Hispano, apontado como o mais célebre escritor (com uma notável capacidade didática) de obras médicas (mais de oitenta manuscritos) do século XIII e um dos maiores divulgadores do conhecimento medieval, as suas obras estão integradas em várias universidades da Europa como em Oxford, Florença, Vaticano, Paris ou Munique, apesar de muitas ainda continuarem inéditas nos dias de hoje e esperando serem estudadas com mais minúcia.
Regressado a Portugal, aqui viveu entre 1252 e 1263. Antes de 1261, ingressou no sacerdócio. Por volta do ano 1263 foi nomeado pelo rei D. Afonso III, Prior da Igreja de Santo André em Mafra, sendo elevado a Cónego e Deão da Sé de Lisboa. Mais tarde, foi designado Tesoureiro-Mor na Sé do Porto, Arcediago de Vermoim e Dom Prior da Colegiada Real de Santa Maria de Guimarães.
Granjeando prestigiada fama em toda a Europa, principalmente no ambiente eclesiástico, foi escolhido como médico pessoal do cardeal Ottobonus Fieschi, eleito mais tarde Papa com o nome de Adriano V, que o manteve como seu médico particular.
Em 1272, por interferência de D. Afonso III, Pedro Hispano foi nomeado por Gregório X, Arcebispo de Braga, cargo que não chegou a ocupar, porque entretanto foi nomeado pelo Sumo Pontífice, Cardeal-bispo de Tusculum-Frascati, após a sua participação no XIV Concilio Ecuménico de Lyon, tendo o mesmo Papa elevando-o, em 1275, a seu médico principal.
Naquele tempo, a cidade de Viterbo (conhecida como a cidade dos Papas e que ainda hoje guarda memórias da sua presença) era o refúgio dos Papas que abandonavam a cidade de Roma por ser considerada como insegura e insalubre.

Foi em Viterbo que surgiram os conclaves, numa altura em que já havia três anos em que não era eleito qualquer Papa. De modo a pressionarem a Cúria, os habitantes de Viterbo fecharam à chave (origem da palavra conclave) a ala onde os cardeais estavam reunidos. Estes, para além de terem sido pressionados pela França, tiraram-lhes o telhado, reduziram os alimentos e por fim, resolveram eleger um Papa. Nesse conclave foi eleito o Papa Gregório X.
Após a morte do Papa Adriano V, em agosto de 1276, numa época de grandes perturbações, tanto políticas como religiosas, o poder do Papa era gigantesco, uma vez que aliava os poderes espirituais e temporais sobre toda a Cristandade Ocidental. Pedro Hispano foi eleito Sumo Pontífice por unanimidade, apesar da sua eleição ter sido bastante atribulada, a 13 de setembro de 1276, durante o conclave realizado em Viterbo. Foi o 187.º na ordem cronológica dos Papas.

A sua nomeação não deixa de ser surpreendente, pois João XXI não tinha origem na nobreza romana, itálica ou gaulesa, como tradicionalmente eram eleitos para ocupar a posição mais elevada da Igreja Católica.
A sua coroação aconteceu a 20 de setembro desse mesmo ano, optando pelo nome de João XXI.O nome escolhido foi marcado por um lapso de cálculo da Cúria Romana, uma vez que não tinha existido anteriormente algum Papa com o nome de João XX. Julga-se que esta falha na contabilização se deva ao dominicano Martinho Polónio, de origens eslavas, que chegou a ser conhecido como pregador e canonista.
O brasão papal adotado por João XXI, como divisa do seu pontificado, refere “Guia-me, Senhor, pelos caminhos da tua Justiça”, enquanto o seu brasão de armas apresenta as chaves cruzadas que fazem alusão a S. Pedro, que significam o acesso ao Reino dos Céus.

Durante o seu curto pontificado, João XXI inclinava-se mais para as suas investigações científicas em detrimento da gestão dos assuntos relativos à sua governação, que os delegava para o Cardeal Orisino, que posteriormente iria ser eleito como Papa Nicolau III.
João XXI morreu a 20 de maio de 1277, sete dias depois de ter ficado gravemente ferido devido ao desmoronamento da abóbada do seu aposento, no palácio apostólico de Viterbo. Foi sepultado junto ao altar-mor da Catedral de São Lorenzo, naquela cidade.

A sua morte ainda hoje está envolta em mistério. Naquela época, foi considerada como um castigo divino devido às atividades de João XXI como mago ou feiticeiro, por se ter dedicado ao estudo da alquimia (a química medieval ligada às ciências ocultas) e da anatomia do corpo humano. Um monge dominicano alemão escreveu que João XXI tinha sido esmagado pelo diabo e chamou-lhe de bruxo-adivinho, que consultava os mortos. Alguns cronistas da época comentaram que a derrocada tinha tido origem numa explosão, devido a uma experiência mal calculada. Desconhece-se se foi realmente um acidente ou se resultou de alguma ação dos seus inimigos.
Ao longo dos séculos, a sua sepultura mudou várias vezes de lugar. Só a 28 de março de 2000, graças ao contributo da Câmara Municipal de Lisboa, João XXI encontrou repouso definitivo na sepultura primitiva na Catedral de Viterbo com a inscrição “João XXI-Pontífice Máximo” e as palavras de Dante “Pedro Hispano, aquele que brilha nos seus 12 livros."
Apesar do seu brevíssimo pontificado (cerca de 8 meses), há quem diga que deixou sinais de que poderia ter tido um grande papel, embora “tenha prometido a si mesmo uma longa vida e a todos anunciou que havia de durar muito tempo” como escreveu Escribónio no prólogo da edição de Frankfurt do Tesouro dos Pobres, de 1576.
Para a história papal, João XXI ficou assinalado pela simplicidade (tanto recebia os pobres como os ricos, o que foi motivo de “censura por parte da Cúria”), pela fidelidade ao XIV Concilio Ecuménico de Lyon e pelas diplomacias por ele realizadas dentro do espírito cristão, procurando a reconciliação de grandes nações europeias (França, Germânia e Castela), embora sem sucesso. Procurou resolver as discórdias entre o rei português D. Afonso III e a Santa Sé. Empenhou-se na libertação da Terra Santa, que na altura estava ocupada pelos turcos, e prosseguiu com o desejo iniciado por Gregório X, de reunir a Igreja Grega à Igreja do Ocidente.
No sentido de continuar o programa de centralização da Igreja Latina, João XXI empenhou-se numa intensa atividade executiva e legislativa com a promulgação de múltiplos diplomas, tendo superado a centena de bulas e de cartas apostólicas. Na sua ação, procurou interferir nas questões temporais, esforçando-se por conciliar os reis de França e de Castela-Leão, por resolver a questão do título de imperador romano, por pacificar a turbulência política na Península Itálica, por repor a autoridade da Igreja Latina perante os reis refratários.
Eram tão grandes a fama e o prestígio de João XXI tanto como médico, filosofo, teólogo e sábio, que Dante, poeta italiano (1265-1321), o incluiu no poema Divina Comédia escrito em 1321, onde estão referidos os grandes nomes da ciência da época. Dante colocou Pedro Hispano no Paraíso e não no Inferno ou no Purgatório (as três partes fundamentais do poema), como sucedeu a outras figuras históricas. Foi apelidado pelo poeta "aquele que brilha em doze livros" e "Pedro Hispano, o qual em 12 livros há figura" menção clara a doze tratados escritos pelo erudito pontífice português.

João XXI, apontado como um dos maiores vultos do seu tempo, foi designado no século XIV por mecenas e estudantes, de “egrégio varão de letras”, “grande filósofo”, “clérigo universal” e “completo cientista físico e naturalista”.
Também Afonso X, rei de Leão e Castela (1221-1284) e avô de D. Dinis de Portugal, elogiou João XXI em forma de canção, incluída numa das suas cantigas de Santa Maria.
Portugal tem homenageado João XXI, dando o seu nome ao Hospital Pedro Hispano e à Estação Pedro Hispano, ambos situados em Matosinhos; à Avenida Pedro Hispano em Joane; Avenida João XXI em Lisboa, Braga e Vermoim; ao Instituto Pedro Hispano, em Granja do Ulmeiro, no concelho de Soure, no distrito de Coimbra; e ao Centro de Estudos Pedro Hispano, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Em diversas situações algumas personalidades sublinharam a personalidade de João XXI, como aconteceu na cerimónia da trasladação dos restos mortais ocorrida no ano 2000, em que o bispo de Viterbo comentou "… aquele que Dante, numa escolha absolutamente única, coloca no Canto XII do Paraíso…”, “… um Papa de espírito brilhante” e "coração manso".
Na mesma cerimónia, D. José Policarpo, então patriarca de Lisboa, referiu "Ele conseguiu unir em si as ciências, a filosofia, a teologia, aquilo que hoje não parece possível senão através do diálogo cultural entre os diversos estudiosos".
Também Saúl Gomes, professor da Universidade de Coimbra, apresentou uma comunicação num colóquio realizado em Roma, em 2004, acerca do pontificado de João XXI, referindo-o como "um homem enciclopédico", com “uma atitude de proximidade que não era muito convencional nos papas da Idade Média", que “adquire um saber típico do clero culto da época”. Diz ainda “… que o Papa Português teve um papel relevante na organização da cristianização da própria Europa. Prova-o o facto de as bulas terem chegado a países, como a Dinamarca, a Noruega, a Polónia, a Hungria ou a região da Boémia”, onde "a cristianização e a consolidação da Igreja católica eram ainda motivações muito recentes", "… homem muito preocupado com as fronteiras" da evangelização a Norte e a Leste”.
Por último, o historiador e especialista em cultura medieval Armando Norte, numa entrevista ao Observador, comentou “É preciso recuar à Idade Média para encontrar um português a exercer um cargo importante na política internacional que se possa equivaler a António Guterres nas Nações Unidas ou a Durão Barroso na Comissão Europeia”.
Referências consultadas:
- Furtado, Ivo Álvares. O Médico Pedro Hispano Portucalense (1205 – 1277). Acta Med. Port., 2012, Jan-Fev. 25 (1): 2-3. Acedido em 10/07/2020
- João XXI Papa português de “espírito brilhante” e “coração manso”. Acedido em 10/07/2020
- Os oito meses do Papa português. Acedido em 10/07/2020
https://www.sabado.pt/vida/visita-do-papa-a-fatima/detalhe/os-nove-meses-do-papa-portugues
-Papa João XXI. Acedido em 10/07/2020
https://pt.wikipedia.org/wiki/Papa_João_XXI
- Papa João XXI. O português mais poderoso de sempre antes de Guterres. Acedido em 12/07/2020
https://observador.pt/especiais/papa-joao-xxi-o-portugues-mais-poderoso-de-sempre-antes-de-guterres/
- Pedro Hispano: o português que foi Papa durante 8 meses. Acedido em 12/07/2020
https://www.vortexmag.net/pedro-hispano-o-portugues-que-foi-papa-durante-8-meses/
- Pedro Hispano ou Pedro Julião (papa João XXI). Acedido em 10/07/2020
https://correiodaeducacao.asa.pt/60418.html
Lurdes Barata
Área de Biblioteca e Informação
Equipa Editorial
