A 2.ª onda
A COVID-19, com origem na China, espalhou-se, muito rapidamente, pelo mundo e, em março de 2020, a Organização Mundial de Saúde declarou-a como uma pandemia global. COVID-19 é uma doença infecciosa causada por vírus SARS-COV-2, com transmissão pessoa-a-pessoa, principalmente por gotículas respiratórias ou por contacto directo. As medidas de prevenção (lavagem das mãos, distanciamento social e quarentena) têm-se mostrado eficazes para reduzir, significativamente, a transmissão. A utilização de máscaras, inicialmente envolvida em controvérsia, pode interromper a propagação e reduzir as taxas de transmissão.
Não se sabe, ainda, se estas medidas podem manter as taxas de transmissão baixas e se podem prevenir uma 2.ª vaga, com o levantamento das restrições tomadas durante o período de confinamento. Os contactos ocasionais em bares, restaurantes e centros comerciais e os ajuntamentos poderão ter consequências desastrosas, induzindo um aumento significativo do número de casos de COVID-19, como aconteceu em alguns estados dos Estados Unidos da América. Alguns modelos matemáticos e cálculos computacionais têm tido impacto nas políticas de saúde pública, para a prevenção e controlo da COVID-19. Prevê-se que o adiamento no levantamento das medidas de restrição, por si só, possa ser eficaz no atraso de uma 2.ª onda, mas é ineficaz em relação à redução da sua magnitude. Todavia, a diminuição do nível dos contactos ocasionais e de ajuntamentos é eficaz no atraso da 2.ª onda e na redução da sua magnitude. Para além das limitações na frequência e na duração dos contactos e do distanciamento social, a diminuição da infecciosidade está associada à utilização de equipamento individual protector, como é o caso das máscaras. Para que estas medidas surtam efeito devem ser consideradas como um todo e não em separado.
Por outro lado, é necessário que a estratégia da testagem para a COVID-19 não perca uma percentagem apreciável de infectados e que as novas infecções sejam diagnosticadas mais precocemente, permitindo, assim, uma saída do isolamento social mais rápida e segura. Mais, ainda, é fundamental uma campanha de educação da população, por forma a que a COVID-19 não seja suspeitada, apenas, numa fase avançada (com febre e tosse), mas sim numa fase precoce (dores musculares, fadiga, dores de cabeça, diarreia e exantema). O auto-isolamento, nesta fase precoce pode reduzir o risco de transmissão da infecção. Admite-se que se todas as infecções fossem identificadas em 48 horas, uma 2.ª onda poderia ser evitada.
Assim, o prolongamento do confinamento não é, de certo, a resposta para futuras ondas de COVID-19. O encerramento das escolas não é sustentável, a economia não pode “arrefecer” de novo e o risco das doenças mentais é uma realidade.
Tem sido sugerido, que no hemisfério norte, o SARS-COV-2 possa ter alguma sazonalidade e que a 2.ª onda possa chegar em setembro, atingindo o pico no final do ano. Para obstar à ocorrência de surtos, admite-se que períodos de confinamentos curtos (por exemplo, de duas semanas), alternados com levantamentos das medidas de restrição, de duas-seis semanas, possam cortar as linhas de transmissão do vírus. Por outro lado, para o maneio de uma 2.ª onda, a população deve ser mantida informada e a monitorização permanente da reprodução dos números (Rt) deve ser suplementada pelo diagnóstico precoce (cerca de 40% a 50% das transmissões ocorre 1-3 dias antes e cerca de um dia depois do início do quadro clínico), pela identificação dos contactos e pelo isolamento e protecção dos mais vulneráveis, como os socialmente desfavorecidos e os idosos.
O regresso à escola
Manter as escolas encerradas pode ter consequências nefastas profundas para as famílias e, em particular, para as crianças – regressão nos ganhos académicos, aumento da depressão e da ansiedade, dependência exagerada das tecnologias digitais, para além de numerosos problemas de ordem social. Para as famílias, milhares de trabalhadores dependem das escolas, para o acolhimento das crianças, e o seu encerramento prolongado impede a reabertura e a sustentabilidade da economia.
Em comparação com os adultos, as crianças são cerca de três vezes menos susceptíveis à infecção, mais vezes assintomáticas e com menos risco de serem hospitalizadas e de morrerem. No entretanto, as crianças devem ser mantidas seguras na escola (com disponibilização de testes para as crianças sintomáticas ou expostas e monitorização da temperatura – estes procedimentos devem ser conduzidos, por forma a evitar a estigmatização dos casos positivos), na deslocação para e da escola (mantendo o distanciamento físico nos transportes públicos), com redução da mobilidade (por exemplo, alternando dias com aulas presenciais com outros de aprendizagem remota, desfasando os tempos de chegada à escola, reduzindo o número de alunos nas aulas – por forma a maximizar o distanciamento físico), com o uso de máscaras nas instalações da escola (no entretanto, tal pode limitar alguns esforços de aprendizagem, como a avaliação da fonação), encerramento das bibliotecas e dos ginásios e, ainda, ajustamento dos intervalos para o recreio, por forma a evitar misturas de alunos de diferentes classes. Quanto às refeições, o serviço deve ser desfasado, nas mesas a instalação de separadores de acrílico e os lugares devem ser ocupados, por forma a evitar que os alunos se sentem frente-a-frente.
As carteiras devem estar distanciadas umas das outras, em cerca de dois metros, e com separadores em plástico, devendo ser instalado, em cada sala de aula, um dispensador de um soluto alcoólico e cumprido, com rigor, a lavagem das mãos. As instalações devem ser limpas e desinfectadas, pelo menos, uma vez por dia (com o pessoal da limpeza equipado com medidas de protecção individual adequadas), devendo ser prestada particular atenção aos puxadores das portas, aos interruptores das luzes e a outros pontos tocados com frequência, mantendo, sempre que possível, as janelas abertas, para uma ventilação de todos os espaços da escola.
A protecção dos professores e dos outros trabalhadores que interagem com as crianças é imperativa, disponibilizando-lhes equipamento de protecção individual adequado e encorajando-os a lavarem as mãos com frequência. Deve ser dada opção, àqueles que se sintam mais vulneráveis à infecção, de se manterem em trabalho remoto, desde que esta modalidade seja viável.
Em relação aos alunos mais velhos, em particular àqueles do ensino superior, o risco é igual ao da população, em geral, de adultos jovens. Do ponto de vista geral, as mesmas regras de segurança devem ser aplicadas, levando em linha de conta a especificidade da idade, em que a responsabilidade deve ser mais exigente.
Em suma, o ensino remoto é substituto inadequado para as aulas presenciais e, no ensino superior, em particular em medicina, para os anos clínicos, não se conhece outra forma de aprendizagem, que não seja à cabeceira do doente. Numa altura em que o futuro da pandemia se mantém incerto é imperativo que as escolas estejam preparadas para os novos desafios que a COVID-19 impõe.
As incertezas
Numerosas são as incertezas em relação à propagação da infecção por SARS-COV-2 e do maneio da COVID-19.
Não é claro o papel dos infectados assintomáticos e da fase pré-sintomática, dos fómites (objecto ou substância capaz de absorver, reter e transportar agentes infecciosos), dos aerossóis (aqueles não produzidos por procedimentos médicos) e das fezes na transmissão de SARS-COV-2. Estudos em curso avaliam a eficácia de antivíricos no tratamento da COVID-19 – dos antivíricos em estudo, até à data, apenas o remdesivir demonstrou eficácia, mas não em todas as fases da doença. Estão em curso estudos (alguns já em fases 2 e 3) para o desenvolvimento de uma vacina segura e eficaz. Não se sabe, ainda, se a infecção confere imunidade parcial ou completa (e, se sim, por quanto tempo) e se os resultados dos testes serológicos podem ser usados como garantia de que um trabalhador da saúde (ou outro) pode regressar, com segurança, ao trabalho.
Francisco Antunes
Médico infecciologista do Instituto de Saúde Ambiental da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa
Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa
