“Todos os homens têm medo. Quem não tem medo não é normal; isso nada tem a ver com a coragem”
Jean-Paul Sartre
Presentemente vivemos num ambiente de medo. O medo do Coronavírus que apesar de não o vermos, sabemos que existe e que nos pode matar, o medo do desconfinamento e da sensibilização de cada um perante este facto, o medo das repercussões económicas, o medo de outras vagas da pandemia que podem surgir, o medo do futuro. Sentir medo não é um sentimento bom, não ajuda e não há ninguém que não tenha sentido essa sensação. No entanto, não é uma especificidade do ser humano, visto que todos nós já verificámos, em inúmeras ocasiões de perigo, comportamentos de medo em várias espécies de animais.
Por vezes, atribuímos ao conceito de medo, designações diferentes como a angústia, a ansiedade ou a preocupação. O medo é uma reação espontânea e natural inerente à sobrevivência das espécies e que o Homem tem experienciado ao longo de várias etapas da sua vida, podendo incluir inúmeros graus, desde uma simples insegurança até a um pavor que pode levar ao terror total. Para o ser humano, o medo pode ser considerado como um sentimento de receio em relação a uma pessoa, a uma situação ou mesmo a um objeto. É inerente à própria pessoa, o que atemoriza um individuo, pode ser indiferente para outro.
São inúmeras as situações que podem nos fazer sentir medo e consequentemente sofrimento (algumas são reais e outras imaginárias), como por exemplo, ter medo de espaços abertos, saltar entre prédios, andar em grande velocidade, ter uma arma apontada à cabeça, de palhaços, de andar de avião ou o medo da morte.
Perante o medo da morte, o ser humano tende a arranjar alternativas como aconteceu após os atentados de “11 de setembro” ocorridos nos Estados Unidos. Viajar de avião é estatisticamente mais seguro do que andar de automóvel. No entanto, os americanos ao recordarem os atentados optaram por começarem a viajar de carro, o que deu origem a muito mais acidentes de trânsito, o que ocasionou a morte de 1600 pessoas a mais durante um ano. Se tivessem superado o medo certamente na sua grande maioria estariam vivas. Também as informações sobre violência noticiadas diariamente pelos mídia que ocorrem em todo o mundo, fazem-nos sentir medo, levando-nos a pensar que estamos sempre em perigo constante e que a qualquer momento podemos ser vítimas dessa mesma violência.
Do mesmo modo, as manipulações usadas pelas empresas de marketing relativamente à nossa aderência ou não à moda, como o vestuário, produtos de higiene ou a aquisição de bens como telemóveis ou automóveis podem levar-nos a sentir medo de sermos rejeitados pelo grupo com quem socializamos.
Igualmente as instituições bancárias, as empresas de seguros ou os políticos usam vários argumentos, com mensagens mais perspicazes, causando-nos medo, de forma a atingirem os seus objetivos.
Nos dias de hoje, o medo é uma das principais razões pelo “entorpecimento” das pessoas que preferem manter-se em situações desagradáveis (zonas que anteriormente eram confortáveis e que com o passar do tempo foram-se alterando e se transformaram em áreas desfavoráveis), sem tentarem alguma mudança. Estas pessoas preferem permanecer em más situações e temem por algo novo e desconhecido.
Estas atitudes refletem que o medo está intimamente associado ao instinto de sobrevivência. O medo faz com que pensemos nos riscos e nas consequências que podemos correr devido a procedermos com determinados comportamentos. Se não sentíssemos medo não estaríamos vivos, pois teríamos condutas que levariam ao nosso desaparecimento.
Existem dois tipos de medo, um que se identifica com a sensação de quando estamos perante uma ameaça física, quando estamos a tentar afastar-nos de um ladrão que está a correr atrás de nós e o medo dos nossos pensamentos perante o que nos pode suceder futuramente baseados na nossa imaginação ou em acontecimentos passados.
Não devemos ignorar os nossos medos, pois foram eles que promoveram a sobrevivência da espécie humana ao longo de milénios. Se atualmente o medo avisa-nos para o perigo (que pode ser de origem física, moral ou de outra ordem), pode evitar que sejamos feridos ou mesmo que percamos a vida. Também na época primitiva, o medo foi experimentado pelo homem das cavernas que ao deparar-se com os predadores corresse para fora do alcance deles ou se refugiasse nas cavernas mais próximas.
Já na Idade Média existiam várias fontes que serviam de alicerces para sustentar o medo que provocava nas populações. Existiam medos permanentes que eram partilhados por todas as classes sociais, que se mantinham no eixo da sociedade e que associavam o mal à existência do Diabo (o centro de todos os medos) e a influência deste na vida humana. Havia o medo do mar, das estrelas, dos lobos, dos presságios ou dos fantasmas.
Mas também havia os medos cíclicos aqueles que surgiam em determinado momento e da mesma forma desapareciam como as pestes, as penúrias, os aumentos de impostos, as passagens dos guerreiros pelas aldeias que tudo destruíam à sua passagem, a caça às bruxas, a perseguição aos Judeus, mas também o medo da morte e do fogo do Inferno. Baseavam-se ainda nos escritos bíblicos, que faziam referência à crença no diabo, nas bruxas e nos males que podiam causar, de outros seres fantásticos e nas "ordens" para destruir os magos e os encantadores. Esses relatos levavam a crer de que as bruxas existem e que podem ocasionar malefícios – e/ou benefícios – para a humanidade. Naquela época surgiu o Tribunal do Santo Ofício. Como forma de extinguir as heresias na Europa, combater o Diabo e seus agentes, a Inquisição através de vários instrumentos de manipulação e tortura psicológica fazia crer a existência de males onde afinal não existiam.
Durante toda a Idade Média o medo foi tema do imaginário medieval europeu e serviu de tema nas mais variadas artes, tanto literárias, iconográficas como religiosas. A população na Idade Moderna mantinha a mesma mentalidade acerca dos medos continuando o sobrenatural a interferir nas suas vidas.
Os medos e as inquietações que sentiam vinham já da Idade Média como consequência de inúmeras desgraças ocorridas nessa época como a Peste Negra, a Guerra dos Cem Anos ou a morte sempre iminente devido às carências alimentares, doenças e às práticas medicinais rudimentares que favoreciam para que as taxas de mortalidade fossem elevadas.
De acordo com os textos religiosos, (a Igreja também pode ser considerada como uma fonte de medo noturno) o homem relacionava a noite com as trevas, dando à escuridão um caráter de angústia e cautela.
Nessa época, a lua era tida como astro errante, misterioso influenciador de todas as formas de vida existentes na Terra, das marés e da agricultura. Acreditavam que a lua contribuía para a loucura, o homem era abalado pelos seus caprichos e pelos males noturnos que ocorriam. Satã é, por excelência, o soberano das sombras e comanda os sabás (encontros demoníacos de bruxos e bruxas). Em oposição, tinham o sol, que irradiava luz e calor. Embora fossem censuradas pela Igreja eram realizadas várias práticas e crenças em atenção à lua.
Numa era em que o homem vivia predominantemente no meio campestre a floresta era um local de trabalho durante o dia, mas à noite o mesmo espaço era considerado uma ameaça.
No imaginário do homem da Idade Moderna os animais selvagens eram sinónimo de medo, os lobos eram considerados como animais indomados e sanguinários e motivo para fossem realizadas caçadas coletivas. Em algumas povoações europeias, embora fosse censurado pela Igreja, era rezado o “Pai Nosso do Lobo”.
Tinham grande receio pelo lobisomem, aliavam os lobos à lua que influenciava à transformação deste ser.
Outra figura do imaginário das populações eram os fantasmas, acreditava-se que os mortos podiam regressar. Numa época onde havia uma alta mortalidade e onde a morte e a religiosidade estavam sempre presentes contribuíam para que se acreditasse em aparições que surgiam fundamentalmente durante a noite, à hora de dormir. Qualquer simples barulho noturno era suposto ser um fantasma, por isso eram colocados no quarto alguns objetos sagrados como crucifixos e rosários.
Verificou-se a partir do século XVIII o surgimento de uma nova mentalidade e de um certo afastamento destes medos e crenças. Apesar dos desenvolvimentos científicos que ocorreram e que os tentavam justificar, ainda nos dias de hoje se constata a preservação de alguns mitos ancestrais em algumas sociedades tradicionais atuais.
Todavia, atualmente e em todo o mundo existem inúmeros motivos para o Homem sentir medo. De acordo com o Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA, 20,8% das pessoas sofrem de transtorno de ansiedade, que passam a maior parte do tempo com um receio antecipado de alguma coisa que pode ou não vir a acontecer. Segundo as estatísticas os doentes com esta patologia são dez vezes mais do que na década de 1980.
Em 2017, o Pew Research Center (USA), concluiu após uma pesquisa efetuada a 38 países que, os três maiores medos da humanidade são acerca do: Estado Islâmico-62%; mudanças climáticas-61%; ciberataques-51%.
Perante o medo e fisiologicamente falando, o cérebro é ativado involuntariamente por estímulos, liberta substâncias que vão contribuir para que o coração do individuo acelere e o trabalho respiratório aumente fornecendo energia aos músculos do corpo que por sua vez se contraem e irão funcionar em dois únicos sentidos, na luta com o que receia ou então executa a fuga, afastando-se dele, mas nunca deve ficar à espera para ver o que acontece.
De forma a aliviar ou a eliminar o medo, para além dos medicamentos que já estão a ser criados, existem várias técnicas sendo a principal a terapia. A mais relevante é a terapia cognitivo-comportamental (TCC) que entende que A forma como pensamos influencia a maneira como sentimos. Portanto, mudar o modo como pensamos pode mudar como nos sentimos. A hipnose auxilia a pessoa a estimular a própria mente, para sair da acomodação e ultrapassar obstáculos, assim como a dessensibilização que consiste na exposição gradual da pessoa ao objeto ameaçador também ajuda a superar o medo.
Também a psicanálise tem demonstrado ser eficaz no tratamento do medo e da ansiedade. Segundo os especialistas o seu sucesso não depende da linha terapêutica em si, até porque tudo depende da relação entre o terapeuta e o paciente.
O medo que temos em relação ao futuro é importante na medida em que nos estimula a proceder com mais determinação.
Apesar de, numa forma geral, nunca ter havido tantas condições para que possamos sentir medo e tanta intolerância a emoções negativas como atualmente, perante as diversas contrariedades a que estamos continuamente a ser sujeitos, devemos tentar superá-las, seguir em frente, mudar a perspetiva das coisas, pois o que é importante é tentar perder o medo do medo.
Referências:
- Considerações sobre o medo na História e na Psicanálise. Acedido em 06/05/2020 file:///C:/Users/Casa/Desktop/MEDO/Consideracoes_sobre_o_medo_na_Historia_e_na_Psican%20(1).pdf
- Lobisomens, fantasmas e o luar: o medo noturno no início da Idade Moderna. Acedido em 08/05/2020 https://www.cafehistoria.com.br/medo-noturno-na-historia/
- Medo: por que sentimos e como superá-lo. Acedido em 06/05/2020 https://www.vittude.com/blog/medo-como-superar/
- Medos: como vencer os seus. Acedido em 06/05/2020 https://super.abril.com.br/comportamento/medos-como-vencer-os-seus/
- Os medos na idade média (séculos X-XIII). Acedido em 08/05/2020 https://www.monografias.com/pt/trabalhos3/os-medos-na-idade-media/os-medos-na-idade-media.shtml
Lurdes Barata
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