Se tivessem dito a todas estas pessoas que as suas vidas iriam mudar de um dia para o outro, talvez nenhuma delas acreditasse. Mas mudou e trouxe uma nova realidade que apenas em filmes de ficção se podia prever algo semelhante.
Três meses depois do primeiro surto na China, em Wuhan, a 11 de março o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS) declarava que a epidemia de COVID-19 chegava a uma fase que podia “ser caracterizada como uma pandemia”.
Poucos dias depois instituições, escolas e empresas, começavam a evitar concentrar tantas pessoas no mesmo local. Rapidamente se passou para o encerramento voluntário de quase tudo no país, e a 2 de abril o governo emitia formalmente o Estado de Emergência Nacional. O país fechava as portas fronteiriças por terra e ar e mandava agora fechar-se em si próprio, permitindo apenas que os estritamente necessários garantissem o bem-estar de toda a população, como era o caso da saúde, alimentação, segurança e alimentação.
Com funções completamente diferentes, fomos conhecer as pessoas que se desmultiplicaram em papéis para cumprir todos os procedimentos sociais. Com processos de trabalho muito diferentes, a verdade é que a pressão passava a ser a mesma para quase todos e o peso da responsabilidade aumentava como nunca ninguém tinha saboreado.
Na sua maioria é total o confinamento. Estão em casa, a vida mudou toda para a mesma morada e agora as rotinas sucedem-se entre espaços de um mesmo lugar, sem transporte, trânsito, ou atrasos de chegada ao trabalho, mas o ruído, esse, passou a ser redobrado pois, ao ritmo marcado pela adrenalina do trabalho que se obriga a cumprir, acresceu à tarefa de professor caseiro e de gestor diário da casa, onde reuniões por Zoom, almoços e jantares com a família, se misturam no cérebro que pede silêncio para organizar todas as gavetas de um armário já virado do avesso.
Fomos falar com as pessoas reais que circulam entre a Faculdade e o Hospital de Santa Maria, que coordenam áreas, pessoas, alunos ou tratam de doentes, sem apoio extra em casa, têm uma família sempre junto a eles e à espera, à espera de apoio nas aulas, de refeições, afeto, na verdade, à espera de tudo, quanto sempre foi o habitual. Mas agora, sem ajudas.
A estas pessoas, dizem-me, só lhes foi pedido para ficarem em casa, mas será que é assim tão linearmente fácil, ficar em casa?
Pedro Marques - Assessor de comunicação do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, é casado e tem 2 filhos
Quais foram os teus primeiros pensamentos quando ouves que íamos entrar em Estado de Emergência?
Pedro Marques: Não falhar enquanto pai; não falhar no trabalho; não falhar como marido. Repetir esta máxima todos os dias para mim mesmo e perceber que este não é um jogo de soma zero, não achar que vai ser tudo perfeito, mas que o mais importante é chegar ao final da partida ainda com as bolas todas no ar.
Nunca como nos últimos dois meses foi tão importante encontrar um equilíbrio funcional entre a vida familiar/pessoal e a profissional, com aulas online a duas crianças em idade escolar a conviverem com reuniões por Zoom, com telefonemas profissionais ou a preparação de comunicados invadidos por gritos de miúdos em brincadeiras ou em simples birras incendiadas por um absoluto confinamento.
Quando te apercebes do que realmente estava a acontecer?
Pedro Marques: Estávamos a meio de março e o encerramento das escolas, seguido poucos dias depois pela entrada em vigor do Estado de Emergência, coincidia com os primeiros internamentos de doentes Covid no Hospital de Santa Maria - Centro Hospitalar Universitário Lisboa-Norte. Numa casa com duas pessoas a trabalharem em instituições ligadas à saúde, e sem qualquer apoio familiar - a distância e os cuidados com a saúde dos nossos pais criaram um isolamento nunca quebrado, instalaram-se novas rotinas: boa parte dos dias continuaram a ser passados no hospital, a responder a uma gigantesca onda de interesse mediático, ao dever de informar as pessoas que estavam assustadas em casa e mostrar o enorme trabalho feito pelos profissionais do CHULN; mas agora tudo tinha de ser gerido em função de duas crianças, que tinham de ficar em casa 24 horas por dia e de uma pessoa que tinha também grandes solicitações profissionais.
Tudo isto polvilhado com o receio de trazer a infeção para dentro de casa. Roupa para lavar mal se chega do trabalho, vários duches diários, desinfeção de objetos que vêm do exterior, cuidados nos contactos, regras interiorizadas automaticamente para tentar proteger os que me rodeiam.
Mas não posso deixar de fazer uma importante ressalva: apesar de algumas dificuldades logísticas que este processo me possa ter trazido, em nada são comparáveis com as de milhares de profissionais, de saúde e outros, que tiveram de continuar nos seus postos de trabalho para ajudar os doentes e manter o país a funcionar, perante um vírus do qual pouco se conhecia e com exemplos aterradores vindos de países próximos; ou com a realidade de milhares de famílias confinadas, que perderam empregos e rendimentos.
E o meu pudor em falar de alguns problemas sentidos neste período é ainda maior por ter contactado diariamente com quem está na assistência direta aos doentes com Covid, onde só vi profissionalismo, abnegação e sempre simpatia, apesar de todas as incertezas e angústias que pudessem ter a nível pessoal. Perante isso, as minhas pequenas dificuldades são quase nada.
Dora Gonçalves – é assistente técnica, faz secretariado da Clínica Universitária de Dermatologia, solteira, tem a seu cargo dois filhos.
O que aconteceu na tua vida quando és avisada que as escolas iam fechar e tinham de ficar em confinamento em casa com os teus dois filhos?
Dora Gonçalves: Quando recebi a notícia que as escolas iriam fechar e que ficaria em confinamento com os meus filhos durante 15 dias, o falado inicialmente, não pensei muito sobre o assunto, pois a prioridade era proteger os meus filhos e a mim também.
Confesso que, com o passar do tempo, e já la vão quase 2 meses, tem-se tornado cada vez mais cansativo. Tenho o João (13 anos) com aulas em videoconferência, o que por si só já foi um desafio, pois só tínhamos um computador e eu estou em teletrabalho, logo ambos precisávamos de o usar. Mas, com ajuda dos avós, lá contornámos a situação. Os trabalhos que enviam para o João, são mais que muitos e com prazos de entrega muito curtos, na maioria dos casos. Sinto-me bastante orgulhosa do meu filho, pois tem conseguido gerir bem a situação, com empenho e boa disposição.
Depois, tenho o Miguel de 4 anos, que exige atenção 24 horas por dia (sim, ainda acorda algumas vezes durante a noite) e não percebe porque a mãe tem que trabalhar, se está em casa. Vai fazendo fichas que a educadora envia, brinca, vê televisão (mais do que o desejado), mas preciso que fique entretido para que eu possa trabalhar. As birras têm lugar cada vez com mais frequência e por vezes sinto que sou a pior mãe do mundo. Tento sair algumas vezes com ele para que possa correr ou andar um pouco de bicicleta , para gastar alguma energia e sentir-se mais tranquilo e feliz, sempre com o devido distanciamento de quem se possa cruzar connosco na rua.
Ir às compras é sempre algo que me deixa ansiosa, porque não posso levar o Miguel comigo e deixo-o com o irmão, que apesar de ser crescido ainda é um adolescente e o medo que se distraia fica sempre a pairar. Por isso tento ir apenas uma vez por semana e o mais rápido possível.
João Paulino – Coordena a equipa das Compras da Faculdade, é casado e tem 3 rapazes (João Pedro – 12 anos, Afonso – 7 anos e o Tiago – 5 anos).
O que aconteceu na tua vida quando és avisado que as escolas iam fechar e tinham de ficar em confinamento em casa? Inclusivamente tu tinhas um dos miúdos numa escola com Covid…
João Paulino: As primeiras notícias de um caso de COVID-19 na escola do João Pedro surgiram numa quinta-feira, e face a toda a agitação e incertezas decidimos não deixar o João ir às aulas no dia seguinte.
Durante o fim-de-semana, fomos tendo conhecimento de vários casos para tentar determinar que contacto o João poderia ter tido com essas crianças/professores.
No domingo, perto da meia-noite, recebemos um comunicado relativo ao encerramento da escola. Nesse momento, tivemos de tomar várias decisões, em relação às escolas e aos nossos outros dois filhos.
Decidimos não levar mais nenhum à escola. Por indicação da FMUL e como medida de precaução fiquei em confinamento com os 3. Percebemos nessa primeira semana que teríamos de criar novas rotinas de gestão familiar. Elaborámos um horário com atividades de estudo, lazer, tempo familiar para irmos balizando os dias e minimizar a ansiedade e quebra de rotinas habituais, face à realidade vivida. Optámos por fazer compras no comércio local, adquirindo alimentos para pelo menos 3/4 dias de forma a reduzir as saídas. Informámos a família e os amigos mais próximos que não iriamos receber nem fazer visitas. Começámos a promover as videochamadas, tendo inclusive celebrado o aniversário do Afonso com cerca de 20/25 familiares e amigos via zoom.
Com o decreto do encerramento das escolas a nível nacional, houve uma comunicação e uma abordagem mais assertiva por parte das escolas, tendo sido criada uma nova metodologia de ensino, à qual nos fomos adaptando.
O João Pedro frequenta o 7º ano, tem aulas pelo zoom no período da manhã, o Afonso frequenta o 1º ano, tendo conferências via zoom 2 vezes por semana com a professora e o Tiago, recebe semanalmente da parte do colégio propostas de atividades a realizar ajustadas à faixa etária.
Os três desenvolvem atividades na escola virtual e assistem à Telescola (o mais novo aos conteúdos do pré-escolar).
Trabalhar no caos é a nossa rotina. Tentamos planear da melhor forma os horários de todos, mas existem momentos, que esses horários são sobrepostos, o que complica a execução de tarefas, não só minhas, mas também da Marta e das crianças. Torna-se mais difícil estabelecer um horário de trabalho, em que aquelas situações mais complicadas a nível técnico só são maioritariamente realizadas fora de horas. Existem momentos, em que tenho de fugir para outra divisão da casa para atender telefonemas, bem como, a reunião semanal da FMUL por zoom é efetuada no quarto do Afonso e Tiago, uma vez que eles se encontram a realizar atividades, um em cada divisão.
Pedro Mendes – a sua área é a dos Polos Administrativos, casado e pai de uma bebé com 2 anos, neste momento acompanha em permanência as aulas do 4º ano assim como exames.
Pedro eu no teu caso arrisco-me a perguntar o que não fazes ainda… O que têm sido os teus grandes desafios?
Pedro Mendes: Cá por casa somos três: pai (eu), mãe (esposa) e filha (dois anos). A mãe continuou a sua luta diária (profissional de saúde) e a filha passou a ter o pai como única companhia.
O maior desafio prendeu-se com o facto das sessões Zoom se sobreporem com algumas das rotinas da minha filha, algo que me manteve sempre muito apreensivo. Com início de aulas sempre às 08h00, e com a necessidade da mãe sair de casa antes desta hora, tive sempre a preocupação de não a tentar despertar, mas os contactos telefónicos com os Docentes e a abertura das aulas levava, na maioria das vezes, ao choro tímido por acordar e perceber a ausência da mãe. Por isso, íamos alternando com o levantar logo às 07h00, para se aperceber do que estava a acontecer e não estranhar a situação. O levantar cedo não é, por si só, um castigo, mas a minha filha tem uma relação difícil com a cama e apenas cede já perto do nascer do sol.
Com o decorrer do dia, os desafios continuam. Desde os períodos de refeições e o fazer contas aos minutos que sobravam para iniciar a sesta antes do início da aula da tarde (infelizmente, tive que quebrar a rotina da sesta na cama e cometer o pecado de a colocar a dormir ao meu colo. Foi a única solução que encontrei para poder estar disponível a receber as chamadas dos Docentes e iniciar as aulas). O tablet passou a ser um amigo impróprio em muitos momentos do dia (perdi a conta às dezenas de horas de exposição de ecrã). Higiene em momentos críticos. Tive uma situação bastante engraçada, que acabou por se resolver. No meio de uma aula, a ligação de internet cá de casa “caiu” e eu estava literalmente a mudar uma fralda (mas daquelas). Felizmente, a ligação foi retomada poucos instantes depois e a própria plataforma recuperou automaticamente a sessão. Tanto pela preocupação da própria doença, como pela preocupação de estar presente no apoio às aulas, contam-se pelos dedos de uma mão o número de passeios higiénicos realizados durante estes dois meses.
No final do dia, depois de a mãe chegar a casa (cumprindo todas as regras e circuito de higiene estabelecidos por nós), de refeição tomada e de ambas irem retomar a luta da noite (entre as 18h e as 21h, conforme o turno da mãe), sento-me ao computador e tento dar resposta a todas as solicitações e responsabilidades que todos nós mantemos, apesar do atual contexto, até horas proibitivas. A rotina recomeça às 07h00.
Em contrapartida, estou muito grato por poder cuidar da minha filha nesta fase e de a poder acompanhar num touchpoint muito importante do seu desenvolvimento. Apesar de ainda não construir frases, já aprendeu as cores, jogar às escondidas e à apanhada. Futura Marta, por certo! Treinámos a música do Bom Dia, a rotina de fazer as camas e criámos uma muito boa ligação com a swiffer.
Chama-se Tiago Barroso, tem 8 anos e está atualmente no 3º ano.
Quis entrevistá-lo para perceber o que sente uma criança diante de um mundo virado do avesso. O avesso causado pela pandemia da COVID-19 foi-lhe anunciado, mas não, não foi a mãe, nem o Professor José da escola, “vi uma notícia e foi aí que percebi do vírus, não foi ninguém que me explicou”. Explica-me calmamente enquanto tenta perceber o que pretendo dele. O Tiago é o filho da Sónia Barroso que trabalha na Faculdade de Medicina e tem a seu cargo a coordenação de duas áreas e a gestão de uma equipa de 3 pessoas. A Sónia, para além de mãe solteira, gere várias atividades a nível profissional, calendários, objetivos e metas, tem ainda uma casa onde é necessário tempo para a sua organização, desde as refeições até às idas da Happy (cadela) à rua. Acresce agora o facto de ter que acompanhar o Tiago no ensino à distância.
Voltemos ao Tiago, exigente com ele próprio não esconde de ninguém que a sua grande paixão é o futebol, atividade que o leva a treinar todas as quartas e a jogar aos fins-de-semana.
Na verdade o Tiago não treina hoje em dia, porque tem de estar confinado ao espaço de casa, mas isso para ele não é um drama porque arranja sempre o que fazer.
Diz-me sem grandes cobranças que entre almoços oferecidos pelo avô (outra grande paixão) e aqueles que são feitos pela mãe, faz várias pausas para as refeições, para brincar, jogar e ver TV. “A mãe está sempre a trabalhar, mas às vezes faz o almoço, e eu ajudo-a a pôr a mesa, e também a arrumar a casa”.
Se te pedisse para me explicares o que se está a passar no país e no mundo saberias dizer-me a razão de estar em casa?
Tiago Barroso: Sim, sei explicar. Os dias que estamos a viver são muito maus. Isto contamina muito, há muitas pessoas que saem para trabalhar, como os médicos e é difícil voltarem às suas casas. As pessoas vêem-se ao longe… Faz um pouco de confusão saber que os médicos não vão ver nem estar com a sua família.
E esta situação está quase a terminar?
Tiago Barroso: Não. Isto vai demorar muito tempo, mas eu não sei quanto…
É bom estar em casa?
Tiago Barroso: Eu não fico feliz de estar em casa, porque tenho saudades dos meus amigos e do meu Professor José, gosto muito de estar com eles. E fazem falta as aulas na escola, ter aulas por telescola é diferente porque não dá para fazer perguntas.
Quando lhe pergunto como são as suas rotinas, levanta-se e mostra-me um horário preenchido. “O meu dia começa às 9h, olha…”. Vai tentar mostrar-me as horas a que tem cada matéria de inglês, português, matemática e estudo do meio, mas a mãe interrompe a dizer que não precisa de tanto detalhe, a grande importância daquele horário é que foi o Tiago que o estabeleceu.
Entre uma agenda preenchida de aulas, algumas marcadas e remarcadas em cima da hora, há ainda os encontros com os amigos por zoom, um ou outro jogo de bola no seu quarto, mas note-se, a bola é de esponja, porque isto do futebol em casa tem limites. Ele conhece bem as regras, mas também gosta de mudar de posição no jogo, é por isso que algumas vezes olha para os trabalhos da mãe, opina e dá sugestões sobre aquilo que está a ser desenvolvido.
Sónia Barroso - elemento integrante do GAPIC coordena a área do Planeamento e Qualidade, é solteira e tem um filho a seu cargo, o Tiago.
Quando te apercebes que vamos todos para casa, quais são as tuas primeiras reações pessoais e profissionais?
Sónia Barroso: A minha principal preocupação a nível profissional, foi conversar com a minha equipa e perceber se todas tinham condições para teletrabalho. Garantir que o contacto entre nós iria manter-se através de reuniões diárias à distância e que o excelente trabalho e espírito de equipa manter-se-iam. Assim tem sido e agradeço a todas elas! Houve ainda a preocupação de definir um plano de teletrabalho, organizar as atividades das minhas áreas e distribuir tarefas.
A nível pessoal, a principal preocupação foi chegar a casa, conversar com o meu filho e tentar explicar-lhe que a vida dele e a nossa vida familiar iria mudar, que como tudo há um lado bom e um lado menos bom, mas como sempre, estaríamos sempre juntos!
O que significa ser mãe sozinha a criar um filho e dar-lhe aulas, enquanto se coordena uma equipa e desenvolve trabalho, gerindo ao mesmo tempo as rotinas todas de uma casa?
Sónia Barroso: Anteriormente o meu dia-a-dia já se dividia entre ser mulher, mãe, encarregada de educação, dona de casa, profissional e coordenadora de uma equipa. A grande mudança e o grande desafio foi o isolamento, estar privada dos contextos habituais e estarmos em família 24 horas por dia, já lá vão 2 meses. No início, foi caótico e frustrante, pois erradamente eu estava a tentar encaixar os meus dias ditos “normais” numa situação atípica. Depois, observando o meu filho e a sua capacidade de lidar naturalmente com uma situação que não se controla, percebi que o segredo está em aceitar e encaixar. Então, fiz o “pino” aos meus dias, alterei rotinas e horários. Por exemplo, acordo de madrugada para fazer das coisas que mais me dão prazer para iniciar o dia da melhor forma - desporto, algo que antes, fazia ao final do dia.
Psicologicamente vais regressar igual ao dia em que foste para casa?
Sónia Barroso: Claro que não! Quando regressar à FMUL, haverá certamente algum receio, mas confio nas medidas de segurança que estão a ser desenvolvidas e implementadas pela Faculdade, haverá também alguma apreensão quanto ao que vou encontrar… Os colegas, alunos, docentes e investigadores estarão lá, mas sentirei falta de ver os seus rostos, as suas expressões e sobretudo os sorrisos escondidos por detrás das máscaras.
No entanto, toda esta situação deverá servir de lição para todos nós! Para mim, fez-me parar um pouco para refletir e perceber que às vezes é mesmo preciso fazer o “pino” à nossa vida, ver e sentir o mundo numa outra perspetiva.
Catarina Sousa Guerreiro – Coordenadora da licenciatura em Ciências da Nutrição, mãe de três filhos, a dar aulas e consultas.
Professora como se gere todas estas vidas num só papel?
Catarina S. Guerreiro: Vou descrevê-lo como…desafiante....
Nos últimos 2 meses, tal como muitas outras mulheres, tive que desempenhar vários papéis: mãe, professora Universitária (e também do ensino básico, do jardim de infância e creche…), coordenadora de um curso superior, a tentar submeter propostas de investigação para FCT, nutricionista com consultas via web, para além de muitas outras questões inerentes ao contexto familiar. Houve momentos stressantes. Os microfones e as câmaras do meu computador durante alguns momentos de aulas e reuniões revelaram um pouco a agitação da minha casa. Mas pensei tantas vezes…podia ser tão pior. Na verdade, só me pedem para ficar em casa…. Segura com a minha família. Nada mais.
Ema Geraldes – Elemento do IFA (Instituto de Formação Avançada), tem dado apoio às aulas
Ema, como foi gerir o papel de mãe de uma bebé com o apoio às aulas e a gestão de uma casa e o teletrabalho?
Ema Geraldes: No início, apresentou-se como algo muito desafiante e logo se confirmou de difícil gestão. Não foi fácil admitir, apesar de ainda fazer as suas “sestinhas”, e se tentar aproveitar esses espaços temporais, mas num cômputo geral uma criança com um ano já exige alguma atenção acrescida, para além de já “gatinhar” a casa e tentar perceber como se pode “empoleirar” em tudo, dá início aos seus testes, como, por exemplo, nas primeiras tentativas de se erguer sozinha e começar a dar os primeiros passinhos.
Não foi fácil admitir, mas ainda com pouca experiência de conjugação do teletrabalho, apoio às aulas via videoconferência e papel de mãe, com gestão da casa, ainda que com o apoio do marido (que também se encontra em teletrabalho), tive de tomar a decisão entre “desistir” do teletrabalho e ocupar-me em exclusivo da minha filha e da gestão doméstica, ou continuar a assegurar as tarefas em teletrabalho solicitando apoio de familiar, ainda que isso implicasse a deslocação (como sabem não sou, de Lisboa e não tenho cá retaguarda familiar) e que essa pessoa tivesse disponibilidade e predisposição para “abandonar” a sua vida por tempo indeterminado.
Consegui, felizmente, o valioso apoio de familiar (avó da bebé), o que facilita também na gestão doméstica do trabalho. Mas, não posso deixar de referir, que toda esta situação, não são só coisas negativas, pois apesar do já mencionado, a minha filha ainda não é uma criança que se aborrece de estar muito tempo casa e não me parece estar aborrecida dos pais. Tenho de admitir, que têm sido tempos muito gratificantes, no que toca ao acompanhamento da evolução e crescimento da minha bebé, que nos enche o coração e que de outra forma, por muito tempo que lhe dedicássemos não conseguiríamos garantir esse acompanhamento e presença nas pequenas grandes vitórias dela.
Começamos a voltar às rotinas, estás preparada? Mudou alguma coisa na tua forma de encarar os dias?
Dora Gonçalves: Confesso que o voltar a normalidade assusta-me um pouco, o infantário do Miguel poderá abrir a 1 de junho, mas será que é seguro? Causa alguma insegurança, contudo, ele precisa tanto de estar com amigos, de voltar às suas rotinas.
O João ficará em casa e se eu voltar a trabalhar, entretanto, ficará a semana toda sozinho em casa, o dia todo, entregue a si mesmo.
Sinto vontade de voltar a normalidade sim, mas por outro lado, vai ser novamente um reajustar das rotinas e uma nova adaptação, a uma nova realidade.
Acho que o sentimento que deve imperar é a esperança para que tudo corra bem.
João Paulino: Sinto-me preparado dentro de vários limites, não meus, mas sim dos outros. A parte que mais receio está relacionada com o não cumprimento das regras por parte das outras pessoas, isso sim, assusta-me um bocado.
Temos de ter a capacidade de retirar os aspetos positivos desta situação, no “mais tempo” que passamos com os filhos, no estarmos presentes nas novas descobertas e apercebermo-nos no quanto eles crescem diariamente, isso sim, é uma enorme mudança na forma de encarar os dias.
A cada semana sucedem-se novas iniciativas de apoio e interação social, antevendo que a mudança que foi causada na vida das pessoas pode vir a fazer com que precisem de outro tipo de suporte, de ajuda para refletir, ou breve análise comportamental.
Nas últimas semanas, o Gabinete de Crise da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) apontou a ansiedade, insónias e manifestações somáticas como as principais queixas daqueles que recorrem às linhas de apoio em Saúde Mental, no contexto da Covid-19.
E, apesar de acusarem individualmente pressão, o fato é que quando pedimos uma reflexão crua sobre estes tempos, o padrão que passa é a resiliência e a gratidão, porque podia sempre ser pior.
A Ordem dos Psicólogos tem vindo a divulgar campanhas de sensibilização e apoio a toda a sociedade, que tem sido alvo de alterações pela covid-19.
Nunca é demais relembrar que são diversas as áreas de abordagem, nós deixamos apenas algumas sugestões!
Desconfinamento (organizações) - https://www.ordemdospsicologos.pt/ficheiros/documentos/covid_19_desconfinamento_gestores.pdf
Ansiedade
- https://www.ordemdospsicologos.pt/ficheiros/documentos/covid_19_ansiedade_1.pdf
Teletrabalho - https://www.ordemdospsicologos.pt/ficheiros/documentos/covid_19_recomendacoes_teletrabalho.pdf
Desconfinamento (país)
https://www.ordemdospsicologos.pt/ficheiros/documentos/covid_19_desconfinamento_pais.pdf
Joana Sousa
Equipa Editorial