A Pandemia provocada pela COVID-19 continuou a dominar os temas das 4 FMUL Talks que se realizaram no mês de maio. Recupere neste artigo, de forma resumida, os vários ângulos analisados na sala Paul Janssen.
FMUL Talk: Questões Éticas (5 de maio)
A sessão, de 5 de maio, dedicada às Questões de Ética no âmbito da COVID 19, teve como palestrantes convidados o Professor Ducla Soares e o Professor Mário Miguel Rosa.
O arranque desta Talk foi protagonizado pelo Professor Ducla Soares que começou por salientar que só estaremos em condições de evitar qualquer disrupção nos aspetos essenciais no nosso país, tais como, canais de abastecimento, escolas, forças de segurança, hospitais ou outras áreas de eventuais, se formos capazes de adotar novos comportamentos de higiene e sociais. A verdade, é que esta catástrofe entra em conflito com as nossas formas habituais de viver, tendo sido responsável por algumas mudanças, que só aconteceram no passado, durante a regência de regimes ditatoriais. No seguimento da sua análise, constata que houve uma mudança do primado dos direitos individuais em detrimento das necessidades coletivas, com o objetivo maior de manter em segurança toda a sociedade portuguesa. O centro da preocupação deixou de ser individual e passou a ser a sociedade, enquanto um todo.
Durante a sua explanação, faz-nos compreender que do ponto de vista ético, tivemos que alterar a nossa postura e a nossa atividade. Do ponto de vista médico, o postulado. Antes da COVID-19, o espectável era utilizar a beneficência máxima para o doente com enorme preservação, utilizando todos os meios ao nosso dispor, independentemente da sua acessibilidade ou preço, sendo esta perseverança só limitada por duas variáveis: a vontade do doente e o atingimento da futilidade intervencional.
Na visão do Prof. Ducla Soares, teremos de tentar sacrificar o mínimo dos vários princípios éticos que nos norteiam: beneficência máxima, equidade, justiça, auto determinação, maleficência mínima, e perceber o que pode ser passível de ser alterado, dentro da razoabilidade.
“Em termos de dilemas éticos somos mais sensíveis ao problema de como alocar recursos finitos perante uma situação em que esses recursos finitos não chegam”
Uma das preocupações éticas, com o objetivo de não sobrecarregar os recursos humanos na Saúde, reside na forma de seleção dos doentes. De acordo com Ducla Soares, após a triagem parece razoável dividir em 3 grupos: doentes com gravidade pequena, e que por isso não precisam de meios intervencionistas, doentes suficientemente graves para precisarem de intervenção, e doentes em estado muito grave. Dentro deste último grupo, muitas vezes, o dilema ético reside entre fornecer ou não intervenção aos doentes em estado muito grave, cujo benefício de ser intervencionado seja bastante reduzido. Esta é uma questão delicada e que confronta o dito sentencioso de salvar o máximo de vidas possíveis com o de salvar aqueles com maior potencial de longevidade após intervenção.
Segundo o médico internista, um ponto essencial é que nenhum fator não médico deve ser usado para exclusão das pessoas. Há algumas exceções, especialmente a nível ocidental, em dois grupos específicos: trabalhadores de Saúde de primeira linha, porque os médicos são quem combate o invasor, por isso necessários, e o outro grupo é o grupo em participantes em ensaios clínicos, admitindo que a procura de soluções de terapeutas efetivas é importante.
O Professor Ducla Soares realçou também diversos pontos que não foram ainda suficientemente debatidos: A noção da diferença entre os doentes com COVID-19 e outras patologias. Quem deverá ser prioritário? Por quanto tempo fica imobilizado um método especializado de tratamento, num doente específico? É legítimo ter-se em linha de conta a rentabilidade do ventilador e quando o iremos utilizar? Outra questão, prende-se com o que se deve fazer nos doentes que, à partida, não irão apresentar melhorias? O Professor avança que tem de haver compaixão. Na opinião do próprio, os profissionais de Saúde tem, em primeiro lugar, que verificar as necessidades destes doentes, conhecer as suas crenças religiosas e espirituais, apostar numa terapêutica sedativa e analgésica eficaz e claro, não descurar o investimento nos Cuidados Paliativos. Referiu ainda que não se pode colocar de lado o primado do consentimento informado em todas a decisões.
De seguida, referiu o statement publicado pela Comissão de Ética com diferentes princípios, consensuais, que foram divulgados em hospitais (para reflexão nas unidades funcionais, no sentido de redefinir critérios objetivos, de estabelecimento de orientações e guidelines que permitam aos doentes serem ou não admitidos ao nível seguinte da assistência). Reafirmou a necessidade deste esquema ser transparente. Estas guidelines também permitem diminuir o desgaste emocional de tomada de decisão pelas comunidades médicas. Para além disso, as guidelines referem que as decisões devem ser tomadas por três médicos, um deles sénior, e preferencialmente por médicos independentes e que realizem cuidados paliativos.
Foi a vez do Professor Mário Miguel Rosa tomar a palavra, que começou por comentar a interpretação das pessoas relativamente à limitação das suas liberdades individuais e como percecionam os princípios éticos. Refere ser interessante não apenas o comportamento dos profissionais de Saúde na apreciação dos doentes e na tomada de decisão, mas na gestão das suas liberdades. Tem existido uma aprendizagem dos profissionais em lidar com essas angústias e também das próprias pessoas. Nota que no princípio havia medo de contágio, as pessoas não iam às urgências, faltavam às consultas, mas agora as pessoas querem perceber o modo como é feito e as decisões que são tomadas.
Outra questão que levantou, foram as diferenças culturais nos vários países. Os Estados Unidos, o Reino Unido e a Suécia dão muita importância à autonomia individual enquanto outras sociedades dão mais importância ao benefício da sociedade, em detrimento do benefício individual. Outro tema passível de ser questionado eticamente, são as decisões económicas vs. Saúde pública. Enquanto os economistas manifestam preocupação com o agravamento financeiro, os médicos tendencialmente estão formatados para valorizar as questões de Saúde.
Houve ainda espaço para reflexões sobre a transparência, como variável fundamental, e a confidencialidade dos dados em contexto de telemedicina.
Professor Doutor Ducla Soares
Professor Doutor Mário Miguel Rosa
FMUL Talk: Doente Critico (12 de maio)
Na sessão dedicada ao Doente Crítico, a Prof.ª Susana Fernandes começou por introduzir o porquê deste tema. Se pensarmos na percentagem de doentes críticos com Covid-19, não parece muito, mas é um avolumar de doentes que precisam, num curto espaço de tempo de medicina intensiva, e por isso tem sido o grande problema de gestão e a grande discussão em vários países.
Se pensarmos a realidade a 10 de Maio, tínhamos cerca de 10 milhões de infetados e cerca de 10% de doentes críticos. Esta percentagem vai flutuando, mas são quase cerca de 14 000 mil no continente europeu. Tivemos que nos adaptar a esta realidade. Muitos doentes em vários países não tiveram hipótese de ser tratados, e foram criados hospitais de raiz ou modulares para aceitar estes doentes a grande velocidade, e muitas seriam camas de medicina intensiva.
Em março, e com as notícias do que se passava em Itália, a Sociedade Europeia de Intensivistas enviou uma mensagem com recomendações a alertar para a situação. Preparar tudo para um aumento significativo do fluxo de doentes críticos num curto de espaço de tempo: um aumento do número de camas, o treino e a formação para as equipas. Treino para equipar, treino para o tratamento do doente crítico, bem como cuidados esperados. Como separar áreas, realizar cohortes, protocolos de triagem, testá-los e direcioná-los para o local correto. Outro ponto importante era qual o objetivo de tratamento e como comunicá-lo às famílias.
A Professora comentou que havia a questão de ter de se formar médicos intensivistas. Será que havia camas suficientes? E ventiladores? Tudo isto foi debatido e discutido. Os hospitais portugueses adaptaram-se. Houve uma reformulação de espaços, áreas que eram abertas foram protegidas, apostando-se também na formação e reforço de equipamento. O tempo foi aproveitado para treinar e reforçar equipas. Treino de como colocar os doentes em decúbito ventral e, ainda, o treino de enfermeiras, aliado ao reforço das restantes equipas, pessoas com outra formação, anestesistas, internistas, hematologistas, internos em formação e, todos, com muita capacidade de entreajuda.
A 2 de março são identificadas as duas primeiras infeções em Portugal. A distribuição dos casos dada pela DGS determinou que, no total, houve até ao momento 390 doentes críticos. Não são muitos, mas o período de internamento é longo, o que torna ainda mais difícil a gestão de doentes em medicina intensiva.
Mas quem são os doentes com doença crítica?
Os primeiros dados foram os de Wuhan e o que se percebe é que são doentes mais velhos, com comorbilidades, mas não necessariamente as que estávamos à espera: hipertensão, cardiovascular e diabetes. Já os dados da Lombardia, em Itália, mostram um predomínio de homens, doentes entre os 60 e 70 anos, 32% sem comorbilidades e na maioria são doentes que precisam de suporte ventilatório (88%), sendo hipertensão a doença mais frequente. Outro aspeto é que existe, ainda, uma franja de doentes mais jovens que precisam de apoio, com índice de oxigenação baixo.
Dados de Milão mostram um predomínio do sexo masculino, com follow up longo em medicina intensiva de 19 dias e 45% com ventilação mecânica invasiva, o que aumenta o constrangimento em medicina intensiva. Aqui a mortalidade é mais baixa. Noutros sítios a mortalidade é de 75% e noutros é de 10%, talvez a mortalidade esteja também relacionada com os serviços e organização e não com fatores intrínsecos dos doentes.
Dados americanos mostram que 14% dos doentes de Nova Iorque precisaram de medicina intensiva, portanto, camas num curto período de tempo. Verificaram-se os mesmos fatores de risco: homens com hipertensão e doença cardiovascular, somadas à obesidade. Quanto tempo é que os doentes tinham sintomas até serem admitidos em cuidados intensivos? Sete dias é o tempo registado em quase todas as amostras.
De acordo com a Professora, no Hospital de Santa Maria recebemos 42 doentes em medicina intensiva, com predominância do sexo masculino (88%) e idade mediana de 65 anos, havendo um predomínio de fatores de risco cardiovascular como diabetes e hipertensão.
Então, em geral, os doentes que precisam de medicina intensiva têm idades entre os 70 e os 80 anos, maioritariamente homens com predomínio de patologia cardiovascular com comorbilidade; registaram-se poucos doentes imunodeprimidos ou com neoplasias/HIV ou outros, e um dado interessante é que 30 a 40% não têm qualquer comorbilidade.
Susana Fernandes explicou que um doente crítico com Covid-19 apresenta falência respiratória e também pode apresentar frequentemente falência múltipla de órgãos, que pode surgir durante o internamento, mas a principal alteração fisiológica numa fase inicial é a falência respiratória.
O que separa a pneumonia por SARS-Cov-2 das outras? O que percebemos em termos de padrões é que a população alvo é ligeiramente diferente, com doentes mais velhos, maior incidência de insuficiência respiratória grave, sendo maior o tempo necessário de suporte ventilatório, assim como o tempo de internamento, que é muito maior do que noutras circunstâncias, e está tudo dependente da resposta antiviral e imune, conforme elucidou a Professora. O facto é que termos um grande número de casos em simultâneo num curto período de tempo, permite-nos ver padrões que não veríamos em outras circunstâncias.
Em termos de historial natural da doença, esse já está mais ou menos estabelecido. Na fase inicial há resposta virológica com sintomas mínimos (7 a 10 dias), depois uma resposta inflamatória e é nesta fase que encontramos o doente na medicina intensiva. Muito se tem discutido sobre esta resposta inflamatória e o que poderá ajudar a modelá-la para tratar os doentes.
Em suma, o quadro típico da história natural da doença grave é, em média, idade de 61 anos, 5 dias de duração de sintomas, internamento em enfermaria e depois nos cuidados intensivos com quadro de insuficiência respiratória tipo 1, de hipoxia grave.
É muito bom o que já se conhece deste vírus. Foi identificado o recetor que é igual ao anterior coronavírus, percebeu-se que há células que reconhecem o vírus e, assim, o vírus causa lesão nessas células. Percebeu-se, também, que há dois destinos após infeção: um com resposta inflamatória adequada com controlo da replicação viral sem destruição de tecido, e outro mais grave. Ainda não se sabe quais os fatores individuais que fazem com que doentes não passem do quadro leve ou que, pelo contrário, fiquem em situação grave com lesão alveolar e destruição maciça de tecidos, resposta inflamatória exuberante e quadros de insuficiência respiratória.
Susana Fernandes falou, ainda, da ARDS (Síndrome de Dificuldade Respiratória Aguda), referindo que é uma lesão pulmonar, com critérios estabelecidos com base em avaliação clínica e depende muito da avaliação sintomática. Doentes com Covid-19 têm ou não um quadro típico de ARDS? Um dos aspetos é o tempo, de acordo com a Professora. O tempo mediano é superior os 7 dias que são dados como normal para o aparecimento da ARDS. Outro critério é que tenha alterações radiológicas bilaterais e insuficiência respiratória não explicada por causa cardíaca. Os doentes têm quadros com lesão bilateral radiológica relativamente característicos. Outro aspeto interessante é que a TAC permite perceber a gravidade da doença e o atingimento pulmonar dos doentes. Assim, um doente covid não é sempre um ARDS clássico e tem-se debatido a existência de dois padrões: o clássico e em L, bem como se devem ser ventilados e, nesse caso, se deve ventilar-se em decúbito dorsal ou ventral.
Para explicar a falência respiratória percebe-se que essa acontece através da desregulação da perfusão pulmonar, o que leva a micro tromboses pulmonares ou, então, edema agudo do pulmão. Há progressão de um para outro? Devemos ventilar de modo diferente? A Professora mencionou, ainda, outras falências de órgãos associadas, lesão renal aguda e choque. Citou a lesão hepatocelular, coagulopatia e disfunção neurológica e, obviamente, um aumento de mortalidade. Tem havido debates se estas questões estão diretamente ligadas ao vírus ou se surgem devido à resposta infamatória do vírus, ou de patologias já existentes.
Em termos de terapia, algumas estão relacionadas com o ganho de tempo na recuperação através do suporte de órgãos, e outras apontam para a mudança do curso da doença através de terapia específica. Discute-se muito sobre como usar estas terapias, quais e em que momentos.
Rapidamente começamos a ter casos reportados, estudos retrospetivos, estudos observacionais, e isso fez com que houvesse a tentação de usar terapêuticas em doentes, especialmente, graves. Agora, porém, já começa a existir alguma contenção e o que se recomenda é que sejam colocados em ensaios clínicos.
E quem são os doentes que morrem? A mortalidade é variável e anda à volta dos 10%, sendo maior em homens do que em mulheres. Morrem doentes mais velhos, com quadros de maior gravidade, com hipoxia mais grave e a presença de disfunção múltipla de órgãos.
Por fim, houve ainda tempo para falar dos doentes críticos não Covid. Tem acontecido um receio de procurar urgências, um adiamento de cirurgias e de consultas, o medo da falta de vagas possíveis em UCI para doentes não Covid, tendo-se refletido na abordagem do doente grave como possível Covid e nas dúvidas que isso levanta, o que leva a consequências que ainda estão por determinar.
Queremos saber quais os preditores da evolução da doença, quais as terapêuticas antivirais mais eficazes, quais as melhores estratégias ventilatórias, qual a modulação de resposta ao vírus e a estratégia ideal de organização dos hospitais para lidarmos com esta situação, prosseguiu a Professora.
Susana Fernandes mostrou que foi fundamental o espírito de entreajuda e trabalho de equipa que se tem vivido no Hospital com colaboração entre várias equipas, a formação para outras áreas, afirmando que continuam a recolher dados para realizar investigação em parceira com institutos e laboratórios.
Entre as questões colocadas pelos participantes que assistiram à sessão, houve uma que lançou a discussão sobre uma possível vantagem da genética portuguesa. A Professora Susana Fernandes respondeu que ainda há poucos dados sobre isso, revelando que temos doentes críticos semelhantes, mas talvez um pouco abaixo em termos de doentes hospitalizados. Tem-se especulado acerca de fatores genéticos relacionados com o metabolismo da vitamina D, sobre fatores relacionados de polimorfismos do receptor do vírus, respostas inflamatórias ou o contacto com outros agentes ao longo do tempo, adiantou.
Houve, também, perguntas sobre a possibilidade do vírus afetar o sistema nervoso central e em resposta a essa questão, a Professora apontou para a possibilidade de replicação viral a nível do sistema nervoso central, apesar da maioria dos doentes não apresentar défice neurológico.
Para finalizar, Susana Fernandes referiu que a ênfase está agora na gestão e manutenção de unidades Covid e não Covid. Esse vai ser o desafio nos próximos tempos, pois ocuparam-se espaços noutras áreas e agora, com as estratégias de confinamento, terão que ser alteradas as estratégias.
Foi uma talk com muita informação pertinente e queremos agradecer à Professora Susana Fernandes pela sua disponibilidade e partilha.
FMUL Talk: Saúde Mental (19 de maio)
Na FMUL Talk que aconteceu dia 19 de Maio, falou-se sobre a doença mental em tempo de Covid-19, com a condução do Professor Diogo Telles Correia.
O professor começou por referir uma frase proferida por António Guterres sobre a Covid-19, afirmando que “esta doença não iria só atacar a nossa saúde física, mas também a mental, pelas várias situações que iríamos viver: lutos, perda de emprego, dinâmicas familiares, e claro, de incerteza quanto ao futuro”.
Mostrou em seguida o quadro o “o Grito”, de Edvard Munch, como representação do momento que estamos a viver: com muita angústia, e desespero existencial, preocupados com as pessoas a quem estamos ligados, e ao estado do mundo. Referiu ainda que, como já salientado por outros autores, “poucas experiências humanas são tão profundas como o medo de ser atingido por um grave contágio”, além do facto de que sentimos ansiedade e culpa por nós próprios, sem querer, podendo contagiar quem amamos; facto este que acaba por contaminar todo o tecido social, criando angústia em toda a população.
Referiu que o termo “pandemia”, desde tempos idos, esteve sempre ligado à peste e à praga, significado de destruição e ferida, atingindo toda a população. A própria Bíblia faz referência a pragas que afectavam os povos. A praga dos filisteus, por exemplo. Na altura do Império romano, as pragas assolaram igualmente o povo romano, sendo a mais conhecida, a peste dos Antoninos, séc II. Referiu também uma das maiores epidemias da humanidade, no séc XVI, a peste negra que se pensa ter morto cerca de metade da população residente na europa. Este foi um dos acontecimentos chave da humanidade. Já no mundo moderno a pandemia mais grave, séc. XX, deu-se no fim da 1ª guerra mundial, quando surgiu a gripe espanhola, acabando assim por dizimar grande percentagem da populaçao mundial, em especial os mais jovens. A gripe espanhola acabou por ficar mais abafada em consequência da 1ª guerra mundial. Mais recentemente o Sars, a gripe aviária e gripe suína, revelaram situações muito graves, no entanto nunca assumindo a gravidade da gripe espanhola. Os poucos estudos feitos em relação à gripe espanhola mostraram um aumento da depressão e do suicídio, assim como outras perturbações do sono e da neurastenia (ansiedade). Mesmo depois de terminar, a pandemia causou outros impactos, mesmo junto dos profissionais de saúde e durante longo período. Diogo Telles Correia salientou ainda que todas estas situações se foram estendendo ao longo do tempo.
Na SARS, o impacto na saúde mental foi visível, cerca de 1/3 estava afectada com PTSD (desordem de stress pós traumático) e depressão. Não ocorreu apenas nos sobreviventes, mas também na populaçao em geral e nos profissionais de saúde, mantendo-se após 3 anos. Isto devido a várias consequências, uma delas a perda de trabalho que acabava por afetar a saúde.
Apesar da menção aos efeitos pós-pandemia, o Professor reforçou no entanto que durante as pandemias também existiam perturbações na saúde mental. As pessoas ficavam mais afectadas por ansiedade, apresentando fatores de depressão, podendo não aceitar tanto as regras estabelecidas pelas autoridades. Mas o que aumentava a pertubaçao mental? Fatores do próprio indivíduo, perturbações prévias, comorbilidades, idade (mais idosos) , infeção no próprio, (estigma, impacto na doença). Mas também fatores do ambiente, desinformação, problemas financeiros, laborais, dinâmica familiar, o luto (falta de), ou a imposição do confinamento.
Esta última é uma situação nova e por isso será importante que se formulem estratégias para avaliar precocemente as consequências a nível de saúde mental, pois com o confinamento há distanciamento físico e simbólico de familiares e amigos, famílias obrigadas a trabalhar em casa e simultaneamente a ajudar os filhos em tele-escola, mas também há adiamento de planos, ansiedade em adoecer, sensação de incerteza e perigo eminente.
Voltou a salientar também os riscos para os profissionais de saúde, o risco de exposição sempre presente, a separação dos seus familiares; muitas pessoas que estão sozinhas nestes momentos e isso não têm sido particularmente referidas, espelhando excesso de trabalho, condições de trabalho não ideiais, e claro, a morte de colegas e doentes.
E como prevenir as consequências de todos estes constrangimentos? Disponibilizando na população apoio psiquiátrico e e psicológico, treinando os profissionais de 1ª linha para reconhecerem os pacientes em risco de virem a desenvolver, ou a agudizar, a doença mental, e existir articulação entre profissionais de saúde mental e os decisores governamentais. Diogo Telles Correia fez questão de dar foco à importância de planear o apoio psicológico, no período pós surto, pois as consequências maiores ainda estão por chegar.
Finalizou a sua apresentação referindo que nem tudo são consequências negativas: já há estudos que mostram que as pessoas começaram a preocupar-se mais com os seus familiares e que também se sentiam mais apoiados, neste momento de crise. Assim, reflete que este momento pode ser um momento de reivenção com os próprios, com os outros e com o mundo e acabou com um agradecimento aos profissionais de saúde.
Seguiu-se o habitual momento de perguntas, sendo que a maioria incidiu em hipotéticas consequências a nível do sistema neurológico central.
Uma talk muito interessante e que abordou aspectos que não são de menosprezar e que impactam na vida de todos.
Agradecemos ao Professor Diogo Telles Correia pelo seu contributo nesta reflexão.
FMUL Talk: O Papel das Escolas Médicas (28 de maio)
Esta sessão, de dia 28 de maio, foi sobre O Papel das Escolas Médicas tendo sido apresentada pelo nosso Diretor, o Professor Doutor Fausto Pinto.
O Professor Fausto Pinto começou a sua palestra, referindo que esta pandemia, que ninguém imaginaria vir a ter estas proporções, foi sendo sentida, por várias pessoas, inclusive por ele, em várias reuniões internacionais. Em fins de janeiro, princípios de fevereiro, em alguns comités, apercebeu-se das medidas que os seus colegas da Ásia já relatavam e as estratégias que teriam que ser seguidas.
Assim e muito precocemente no Conselho das Escolas Médicas começou-se a tomar decisões e em princípios de março decidiu-se encerrar as escolas. Perceberam que, com estas ações, tomavam a si uma responsabilidade, a de orientar as decisões, mesmo que informalmente, das outras faculdades. Este papel de liderança foi assumido por faculdades de medicina em Portugal e noutros países, mas aqui, foi um papel que aconteceu desde uma face muito inicial.
O Professor Fausto focou que, como vimos, alguns conselheiros não estariam suficientemente sensibilizados para a potencial gravidade que poderia vir a ter esta pandemia, já que foi tudo muito rápido, já que as escolas médicas e especificamente o professor, estiveram em contacto com especialistas de epidemiologia e com especialistas da Lombardia, que sendo das melhores redes de saúde da Europa, entrou numa fase precoce em situação de rutura. Este conhecimento, condicionou favoravelmente o modo como lideraram o processo e a decisão de vir a público, pois sentiram o dever moral com as pessoas, de informar, com base no que acontecia no mundo. Foi nesse contexto, que as escolas médicas assumiram um conjunto de recomendações, que foram progressivamente sendo aplicadas, a necessidade de massificação dos testes, o uso das máscaras, os dados serem libertados para a comunidade científica: tentou-se sempre ter uma atitude proactiva.
Em termos práticos, suspendendo a atividade presencial académica, teve-se que minimizar o impacto que esta suspensão teria nos estudantes e conseguiu-se montar em velocidade recorde um programa de aulas on-line, e neste momento o professor Fausto elogiou os esforços de toda a comunidade FMUL.
Também foi publicada, uma pequena brochura sobre as atividades letivas nas várias faculdades e o professor referiu que a FMUL foi uma das referências, pois conseguiu de forma estruturada, ter este tipo de adaptação numa situação única, e mostrou como é possível fazer tendo em conta a situação, com uma grande colaboração dos alunos que perceberam estas medidas. Em relação à avaliação, referiu dois pilares fundamentais: a segurança da comunidade FMUL e por outro lado dar alguma segurança de previsibilidade e não acrescentar insegurança: mesmo pecando por excesso de zelo, era importante ter a capacidade de tomar decisões, e assim foi decidido que não existiriam mais aulas presenciais, numa altura relativamente precoce e foi nesse sentido que se desenvolveu fórmulas para permitir fazer a avaliação.
O intuito das Escolas Médicas, foi encontrar as melhores soluções consoante o que era necessário. Foram intervindo em alturas próprias, com intervenções cirúrgicas em momentos certos. Foi reconfortante ver esta plataforma de Escolas Médicas chegar a recomendações e é uma vitória para a academia médica conseguir de forma capaz, um consenso sobre o que era mais relevante para defender as nossas comunidades.
Na situação atual, toda a gente tem curiosidade em saber como vai ser a reabertura. Reforçou que são importantes a previsibilidade e a segurança para minimizar a instabilidade. E só se consegue isso, com acesso à melhor informação disponível, percebendo o que está a ser feito internacionalmente, adequando as nossas estruturas locais e sendo feito de modo progressivo. Primeiro, com a abertura de laboratórios, sempre seguindo e cumprindo medidas de segurança. Comentou, que a classe médica está habituada a viver na incerteza e isso ajudou a pesar estes riscos e benefícios, e com essa avaliação e com o conhecimento, irá sendo reaberto.
De seguida, falou do próximo ano letivo. Ainda não está nada definido. Há várias escolas internacionais que estão a realizar diferentes metodologias: algumas terão as aulas teóricas on-line durante o próximo ano, noutras a maior parte das aulas serão on-line. Em Portugal e tendo em conta que há cenários ora mais otimistas ora mais pessimistas, acredita que o mais provável será um modelo misto: uma parte do ensino será remotamente e outra parte terá que ser presencial. Será importante não desperdiçar todo um conjunto de ferramentas on-line e digitais que se otimizou nestes tempos e aproveitar toda esta experiência e novas tecnologias desenvolvidas e passar a utilizá-las.
O professor Fausto terminou a interessante palestra referindo 3 ensinamentos:
1º Precisamos de ter humildade, perceber como somos pequenos e como de repente se coloca uma população não doente em casa e como a humanidade deve olhar para isto e aprender.
2º A importância de ter um sistema nacional de saúde robusto e forte. Passamos de uma fase em que a imagem dos médicos estava percecionada como negativa, assim como outros profissionais de saúde, para neste momento os considerarmos heróis.
3º A importância da ciência e do conhecimento e da independência da ciência, sobretudo em relação ao poder político, e o uso que alguns políticos fazem erradamente da ciência e que podem ser desastrosos.
Completou dizendo que, tem sido um privilégio e que sabe que sairemos disto mais fortes e prontos para responder a desafios futuros.
De seguida, houve algumas questões e comentários dos presentes neste webinar. O professor Joaquim Ferreira falou da emotividade que sentiu no dia em que se fechou a escola e a importância da humildade e da incerteza. E, uma das primeiras perguntas foi sobre os riscos que se estaria disposto a correr para ensinar os alunos, especialmente os alunos de 6ª ano. O Professor Fausto respondeu referindo a importância da transparência, anteriormente quisemos proteger os nossos alunos, agora já temos mais conhecimento e há um histórico, por isso e graças à consciencialização coletiva poderão ir tomando decisões passo a passo, com a ajuda e apoio dos próprios alunos.
Houve também algumas reflexões importantes sobre os doentes não Covid e o seu temor em dirigir-se às urgências e alguma demonstração de perplexidade por não ter sido chamado ninguém das escolas médicas para aconselhar o governo. Também foi referida, a implementação importante da realidade virtual e a importância da FMUL ter um centro de simulação.
O professor Fausto, deu assim, por concluído este webinar, mostrando que a FMUL está fortemente empenhada em, com toda a segurança, continuar a dar o melhor ensino aos seus alunos, sempre na vanguarda das melhores tecnologias e ferramentas, mesmo em cenários adversos.
Caso tenha interesse poderá rever as Talks aqui!
Sónia Teixeira
Equipa Editorial