A tese de Doutoramento chama-se “Prospective Study of Pain Intensity in Cancer”. Foi defendida no dia 15 de abril às 14h30 pelo Prof. da Faculdade de Medicina em Bioética e médico de Medicina Interna, Paulo Pina.
A tese que abordou o estudo da dor associada ao cancro fez com que reunisse, pela primeira fez, em zoom os Professores António Barbosa, seu orientador e José Melo Cristino, Presidente do júri.
Defendendo como “direito fundamental que toda a pessoa humana deve ter acesso a um plano eficiente para controlar e estabilizar a sua dor”, Paulo Pina somou ao seu vasto currículo académico mais um título, o Doutoramento em Cuidados Paliativos.
Da habitual situação protocolar de defesas de tese, avaliadas por solenes elementos de beca a pandemia da covid-19 fez com as reuniões e encontros fossem banidos como causa perigosa de possível contágio e propagação da doença.
Que mudanças são estas a que assistimos ainda hoje? E que efeitos terão daqui para a frente? Ter-se-á mudado o paradigma da relação humana?
Lançámos as questões e fomos falando com os diversos intervenientes. Sem estudo planeado ou conclusões precipitadas houve sempre algo que se foi tonando comum, a falta do contacto humano, mesmo que não se abale o sucesso de uma tese, ainda assim percebeu-se também que a distância pode apenas ser espacial.
A partir de quando teve a noção que a defesa da sua tese seria diferente do habitual e apresentada diante de um computador que o faria chegar a um júri?
Paulo Pina: A nomeação do júri ocorreu por despacho a 22 de Janeiro. Esperava uma data para a defesa em Março. Porém foi logo no início desse mês que a epidemia estava disseminada, tendo sido determinando o encerramento das atividades letivas da FMUL. Pensei que a data da defesa seria adiada sine die. Porém no início de Abril, verificando que as aulas de algumas Faculdades e alguns cursos já decorriam por videoconferência, comecei a pensar que tal ocorreria também com as defesas das dissertações pendentes. E, de facto foi, apenas, o tempo da FMUL delinear o processo, verificar a disponibilidade do Presidente do Júri e dos restantes membros. A confirmação de que seria uma defesa diferente da habitual, apenas aconteceu quando me foi proposta uma data concreta, no final da primeira quinzena do estado de emergência que vigorava em Portugal.
Chegou a pensar-se adiar todo o processo? Teve de rever prazos, ou etapas? Precisou de mudar ou adequar a sua apresentação?
Paulo Pina: Não, não pensei em adiar. Estava num momento em que o que eu pretendia era avançar com o ato de defesa pública o mais rapidamente possível. De facto, quando eu pensava que provavelmente as aulas não regressariam à FMUL tão cedo, a angústia pessoal aumentava ao antever que as defesas de tese seriam também proteladas. Por isso, quando me comunicaram a data, houve felicidade associada a uma concretização.
Claro que o facto de ser uma defesa à distância, saída da ordem natural da minha memória (tinha assistido a algumas defesas públicas convencionais), num processo tão inusitado, trouxe alguma preocupação. Esta não estava somente associada com o nervosismo da situação extraordinária (penso que até ao fim dos atos de defesa, sejam presenciais ou à distância, existe sempre uma apreensão com as perguntas dos jurados). A minha principal preocupação residia nos aspetos mais operacionais: qualidade do sinal, interferências na fibra ótica, imagem da câmara do computador, ruídos da captação do som, etc. Minudências que pouco servem um ato público de defesa convencional de tese, mas que neste novo formato, importava clarificar. Assim, não precisei de alterar prazos, mantive as etapas, e não precisei de adequar a minha apresentação.
Já percebemos que sentiu alívio quando se confirmou que a defesa da tese seria por zoom? Como correu?
Paulo Pina: Penso que correu muito bem. Eu não era o único a sentir a emoção deste ato inovador na FMUL. Esta defesa à distância era a primeira do Presidente do Júri, de todos os Jurados, incluindo do Orientador, o Professor Doutor António Barbosa. O apoio do IFA foi inestimável: indicação precoce de como instalar o zoom e envio do respetivo manual de apoio, atos facilitadores de ambientação à plataforma na véspera.
Esta inovação, que à partida parecia promotora do distanciamento, funcionou com êxito. A distância só foi espacial, pois penso que houve uma aproximação emocional dos participantes, pelo confinamento de todos, pela situação do País, por este acontecimento (tese) particular, etc. Não tendo sido colocados em causa os valores da FMUL e a solenidade que deve investir as Provas de Doutoramento; atendendo a que cada Jurado estava num espaço escolhido por si (no meu caso, estava em casa), alguma da formalidade (associada à indumentária, à postura e à colocação da voz) foi aliviada. Como tal, a sensação final - que ainda subsiste - foi aprazível. As perguntas foram sucedendo, as respostas foram naturalizando os domínios da tese (dor, cancro e cuidados paliativos), as intervenções foram todas muito pertinentes, enquadradas por um magistério de rigor do Presidente do Júri, o Professor Doutor Melo Cristino. Nem sequer senti do tempo a passar. Em suma, todo o processo foi natural e elegante.
Diante de uma nova realidade será que podemos ter aberto novas perspetivas de interação humana, ou há distâncias que nunca se podem quebrar principalmente quando trabalhamos áreas como os Cuidados Paliativos?
Paulo Pina: A tese foi centrada na especialidade de Cuidados Paliativos. Nesta área científica, os pilares da intervenção médica são a comunicação, o controlo sintomático (multimodal e multidimensional) e o apoio á família. A teleconsulta é fundamental para esclarecer dúvidas, fazer acompanhamentos, adequar posologias, antecipar fenómenos, porém jamais substitui a atenção cuidadosa de uma consulta ou visitas físicas. Os Paliativistas reiteram procedimentos de não-abandono, de antecipação de problemas, de alianças vinculativas, todos dependentes de uma relação presencial contínua, em que a família é trazida à colação por ser conhecedora dos valores da pessoa doente e ser procuradora de cuidados em algumas situações. A comunicação é vital, em doses proporcionais à atenção e cultura do doente.
Com esta pandemia houve limitação do acesso dos entes queridos e cuidadores informais aos internamentos onde os doentes estavam a ser cuidados. Por muita que fosse a dedicação das equipas multidisciplinares juntos dos doentes, a contenção da presença da família direta contribuiu para algum sofrimento que não pode ser validado ou percebido. O distanciamento físico, o uso de máscaras, aventais e viseiras também impactaram bastante o reconhecimento facial por parte de doentes com limitações cognitivas e com défices de atenção. É necessário dizer que neste momento difícil que o país atravessa, o uso de tablets e telefones fez aproximar bastante as famílias, por um lado, mas por outro foi doloroso ouvir os doentes constantemente perguntar por que motivo a família não fazia visitas (nem todos conseguiam perceber o que era o coronavírus…). Como Paliativista continuo a treinar diariamente a resiliência e a esperança, e sei o que o melhor acontecerá.
O cenário e a dinâmica são novos, foi necessário que assim fosse. Mas e agora? Podemos ter encontrado, no meio da crise, novas soluções de interação encarar algumas dessas interações como novas ferramentas de trabalho?
José Melo Cristino - Presidente do Conselho Científico da FMUL, dirige o Serviço de Patologia Clínica e o Departamento de Meios Complementares de Diagnóstico e Terapêutica do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN)
“A realização de provas de doutoramento por videoconferência é mais cómoda e permite alcançar os objetivos pretendidos. Contudo, em minha opinião, é uma experiência diferente, para pior. Torna-se mais impessoal, distante e perde a formalidade (e alguma dignidade) que o ato deveria ter, como sempre aconteceu na nossa Faculdade. Por vezes há pequenas interferências que distraem e fazem perder a concentração ou é fraca a qualidade da transmissão de som ou imagem. A assistência está presente mas é maioritariamente invisível, como se estivessem a espreitar algo que não é suposto ver-se. Enfim, reconheço a necessidade de recorrer a esta modalidade nas condições atuais, mas anseio pelo regresso ao modelo convencional de um dos mais importantes atos académicos na FMUL, num espaço com dignidade a condizer, a renovada Aula Magna2.”
António Barbosa - Chefe de Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN) e Professor Catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, assim como Diretor da Clínica Universitária de Psiquiatria e Psicologia Médica. Cofundou o Centro de Bioética e os seus Núcleos de Cuidados Paliativos e de Luto
“Esta primeira experiência de uma prova de doutoramento à distância, ocorreu curiosamente na área disciplinar dos cuidados paliativos e fez-me lembrar uma experiência também pioneira na nossa Faculdade de realização em 2005 dum primeiro curso pós-graduado Blended Learning na mesma área, para todo o continente e ilhas num momento em que era indispensável levar esta formação a todo o país. Desta experiência resultou a confirmação da sua acessibilidade, flexibilidade e funcionalidade técnica, da pertinência da metodologia e da comparabilidade dos resultados obtidos nas avaliações com as do mestrado presencial de Cuidados Paliativos. Teve um efeito multiplicador assinalável.
Esta experiência doutoral decorreu também sem qualquer problema técnico e constitui-se num momento muito positivo pelo envolvimento empenhado de todos, pela facilidade de alargar transparentemente as condições de maior assistência (apesar de invisível), pela maior flexibilização do agendamento e de integração de membros do júri no estrangeiro (dada a crescente internacionalização da nossa faculdade) e a decorrente redução drástica dos custos de deslocação. As possibilidades de interação do candidato com os membros do júri foi fluida e a reunião final entre membros do júri decorreu muito facilmente. Fica a faltar sobretudo o contacto pessoal mais direto entre os membros do júri aspeto relevante não só de interface académica, mas também de oportunidade de aprofundamento da relação individual entre colegas em que consiste verdadeiramente a universidade. Dispomos assim de mais um recurso efetivo para contextos especiais.”
Mariana Passos - Acompanhamento das atividades pedagógicas e dos Mestrados Gestão das Provas Académicas e Certificação no âmbito do Instituo de Formação Avançada
Ema Geraldes - tem uma função transversal nas atividades do IFA, incidindo no apoio às aulas, docentes e discentes, nos últimos tempos as funções têm estado mais direcionadas no apoio aos procedimentos de doutoramento, no que se refere à sua conclusão.
Filipa Lopes – Assume funções no IFA nomeadamente no apoio aos Doutoramentos e Curso de Especialização, a sua atividade diária consiste no atendimento de alunos e discentes, articulação com as comissões cientificas.
Mariana Passos
Ema Geraldes
Filipa Lopes
Quando se apercebem que íamos passar a ter aulas à distância quais foram as vossas principais preocupações?
Mariana, Ema e Filipa: Bem, em primeiro lugar, quando nos deparamos com esta situação, o primeiro pensamento foi salvaguardar que todas as aulas decorressem dentro da normalidade e mantendo a calendarização já previamente estabelecida. Para isso foi necessário, articular com as Comissões Cientificas, com os Coordenadores das Unidades Curriculares, com docentes e discentes, por forma a compreender a abertura e adaptação por parte de todos os intervenientes a esta nova modalidade de aulas.
Outro aspeto a salientar, em segundo lugar, é sem dúvida a aquisição de novas aprendizagens e competências, que tivemos que adquirir e gerir, num curto espaço de tempo, através da plataforma de videoconferência ZOOM. Esta modalidade de aulas exigiu da nossa parte uma grande disponibilidade de tempo, na preparação da sala, nos testes com docentes e discentes, e na monitorização da sala no decurso da aula.
A par destas novas tarefas foi necessário dar continuidade a todas as outras tarefas, às quais ainda se juntaram as provas académicas. Foi necessário, reorganizar o processo administrativo das provas académicas, mestrado e doutoramento, de forma a viabilizar a sua realização por videoconferência ZOOM. Esta tarefa assumiu nas primeiras provas algum nível de ansiedade, de todos os intervenientes, em virtude da responsabilidade e da solenidade do ato académico. Face a esta nova realidade fazemos um balanço positivo uma vez que as atividades decorreram com sucesso, do ponto de vista profissional adquirimos novas competências técnicas e do ponto de vista pessoal sentimos confiança na instituição.
Podem descrever-me os primeiros tempos de afinação e depois o arranque. O que correu pior, que sucessos?
Mariana, Ema e Filipa: Num primeiro arranque, o que correu pior foi a dificuldade inicial da reposição das aulas para esta nova modalidade. Tivemos de agendar novas datas, para salvaguardar as aulas até ao final do ano letivo, em prol dos alunos.
Sucessos podemos destacar o entusiamo quer de docentes e discentes quando perceberam que podiam confiar nesta forma de dar aulas de mestrado e doutoramento, de realizar as Provas Públicas e os comités de tese. A disponibilidade de todos os intervenientes e a aprendizagem conjunta foi extraordinária.
Será que abrimos uma nova era de aulas?
Mariana, Ema e Filipa: Ao acompanhar todo este processo concluímos que esta modalidade, apesar de estar a correr bem, não é a mais desejada por discentes e docentes.
O principal motivo passa pela necessidade humana do contacto visual, o estar fisicamente com outros, indo ao encontro da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa primar pela sua dimensão humanista, de proximidade com o outro.
Em contrapartida, temos uma opinião oposta em relação às Provas Académicas, que decorreram de forma articulada com os candidatos e os elementos do Júri. Os serviços asseguram da melhor forma possível, num curto período de tempo, a gestão das videoconferências, com o intuito de manter as Provas já previamente marcadas.
Joana Sousa
Equipa Editorial