Desafiámos o Professor José Fernandes e Fernandes, na altura o Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, a recordar o ano de arranque de uma ideia pioneira, a Newsletter da sua Faculdade. Mal o contactámos respondeu de imediato pelo “amável convite para recordar um tempo passado” e só pediu uma condição, reler a primeira de todas as edições, em novembro de 2008.
E foi com essa premissa que nasceu a nossa conversa.
Que memórias se avivam ao reler esta edição onde tudo começou?
Fernandes e Fernandes: Ao rever o primeiro número e as notícias, comentários e entrevistas, valerá a pena recordar o contexto em que surgiu a iniciativa.
Era um contexto de mudança e de ilusão que seria possível reformar muitos aspetos das instituições académicas.
Primeiro, foi a dinâmica introduzida pelo então Reitor António Sampaio da Nóvoa que foi entrevistado para este número inicial e cujo depoimento merece nova leitura. Essa dinâmica começou com grande encontro de reflexão – Estados Gerais da Universidade – e culminou com a aprovação dos novos Estatutos da Universidade de Lisboa. Nesse exercício, a Faculdade teve participação ativa de vários docentes, nomeadamente do Prof. João Lobo Antunes delegado eleito pela Faculdade e de mim, como Director, que tive a oportunidade de falar na sessão de abertura presidida pelo Presidente Jorge Sampaio.
Foi um período de renovação na Universidade e na Faculdade de Medicina, com duas iniciativas da Direção da Faculdade que valerá apena recordar.
A primeira, foi a Reforma Curricular do ensino médico na Faculdade que se iniciara em 2007 após viva discussão e controvérsia com os alunos e também com alguns Professores. Foi precedida por uma avaliação do ensino por uma Comissão Independente internacional presidia pelo Prof. Fernando Lopes da Silva (infelizmente já falecido) e que incluía dois Professores, um inglês de Sheffield e outro norte-americano de Filadélfia, possível pelo apoio financeiro da Fundação Gulbenkian e da Fundação Oriente. Foi um exercício inovador e ... corajoso, para o qual o apoio do Subdiretor Prof. Alexandre Ribeiro foi decisivo. Foi uma mudança muito significativa, aprovada por esmagadora maioria na então Assembleia de Representantes, não sem uma discussão viva e alguma controvérsia, e era um desafio tremendo para hábitos na Faculdade.
Relembro agora o estudo que a Profª Carlota Saldanha empreendeu a pedido da Direção para perceber o impacto da Reforma no aproveitamento académico, e que foi publicado nesse número inicial. Confirmou a manutenção da exigência pedagógica e o bom aproveitamento dos alunos, comparável ao obtido nos anos anteriores. Havia quem temesse facilitação exagerada ou inadaptação dos alunos e/ou docentes, receios que não se confirmaram.
Obviamente com adaptações sempre necessárias num processo dinâmico, a Reforma mantém-se 13 anos depois, sem alterações substanciais, na sua filosofia e estrutura, o que é gratificante e foi apreciada favoravelmente pela agência de avaliação do ensino superior.
A segunda, foi o lançamento do Centro Académico de Medicina de Lisboa, outra iniciativa da Direção da Faculdade, e cujo objetivo era fomentar a cooperação com o nosso Hospital de Santa Maria – antes de 2005 havia uma situação de conflito muito grave que resolvemos com o Prof. Adalberto Campos Fernandes, entretanto nomeado para Presidente do Conselho de Administração do Hospital e cuja cooperação foi inestimável – e também com o Instituto de Medicina Molecular, que nascera da Faculdade mas tinha, e bem, autonomia administrativa conferida pelo estatuto de Laboratório Associado. A colaboração do Prof. Lobo Antunes foi também muito importante.
É interessante reler os dois depoimentos nesse número inicial da Newsletter.
O Centro Académico de Medicina de Lisboa era um projeto inovador de reorganização das instituições visando a sua convergência para o fomento do ensino e da investigação, a melhor gestão de iniciativas comuns e sobretudo o desenvolvimento científico da Medicina Clínica e também maior interligação dos clínicos com o IMM, no contexto único de uma grande instituição académica e hospitalar – a maior do País – e que ambicionava ser referência nacional e internacional.
O processo foi apoiado incondicionalmente pelos Ministros da Investigação e Ensino Superior Prof. Mariano Gago e pela Ministra da Saúde e em Outubro de 2008 foi assinado o Memorando para a sua constituição e aprovados os estatutos.
Não cabe aqui elencar os seus objetivos. A mudança política e a crise financeira foram travões à sua expansão e desenvolvimento, mas curiosamente em 2015, já em fim de legislatura e com nova direção na Faculdade, o governo alargou o conceito de Centro Académico para todas as instituições hospitalares associadas a Escolas Médicas. Como é frequente em Portugal, muda-se a nomenclatura, mas nem sempre a substância, sem o espírito reformista que se impunha e que era a missão do governo.
Que eu saiba, persiste a ideia e o conceito. Espero que finalmente façam as reformas das carreiras e da estrutura administrativa e funcional que são indispensáveis.
Portanto, este foi o contexto. A Newsletter seria também um veículo de divulgação e promoção da Faculdade e de algum espírito reformista da época.
Porquê uma Newsletter eletrónica?
Fernandes e Fernandes: Respondo-lhe com um texto que então escrevi. Modernidade e economia foram determinantes.
Na Faculdade havia anteriormente uma revista científica, que nunca ganhou dimensão porque não tinha periodicidade fixa e nunca obteve indexação, pelo que não era veículo para a publicação de trabalhos científicos de maior folgo e que almejavam divulgação nas revistas científicas indexadas, nacionais e internacionais. Depois, havia uma Agenda, que era útil onde se divulgavam essencialmente aspetos pedagógicos e se noticiavam as atividades académicas.
Tinham um custo muito elevado e uma relação custo-benefício pouco saudável. Nas reuniões quase diárias com o Secretário Dr. David Xavier era frequente partilharmos a necessidade de mudança de modelo de divulgação da atividade da instituição.
Assim, graças ao entusiasmo do Dr. David Xavier e dum grupo de colaboradores, foi criada a ideia, desenvolvido o projeto que a Direção aprovou sem hesitação.
Recordo de ter imposto uma despesa adicional: a edição deveria ser bilingue em português e inglês, para que pudesse ser divulgada para as instituições congéneres internacionais, Isso obrigava a contratar serviços de tradução profissional e recordo que esse foi talvez a única dificuldade levantada pelo David Xavier, pelo incremento de custo. Mas acabou por concordar e recordo muitos colegas e amigos de vários países que me respondiam por email a agradecer e a felicitar pela iniciativa.
Enquanto diretor quais eram as suas perspetivas para este novo e arrojado projeto? Encontrou entraves por criar uma comunicação mais moderna e visível da instituição?
Fernandes e Fernandes: Com o tempo perde-se a memória de incidentes menores e fica apenas a recordação dos bons momentos.
Havia regras. Primeira, a autonomia editorial. O Prof. Vaz Carneiro era de algum modo o docente que supervisionava e aprovava as iniciativas e os textos, pelo que não recordo nenhuma situação em que tivesse que impor qualquer recomendação.
Havia um enorme espírito de colaboração, muito informal, em que se debatiam ideias, se apresentavam sugestões, e acho que foi muito positivo.
Não recordo esse momento. Talvez tivesse feito uma ou outra recomendação, mas nada de especial.
Passaram 12 anos. Que balanço faz deste projeto adolescente que já foi o seu bebé?
Fernandes e Fernandes: Eu acho que não foi o meu projeto, mas o nosso projeto em que todos estiveram muito empenhados em dar o seu melhor.
Se sobrevive e entrou na adolescência, espero que seja rebelde e inovador, como é próprio da idade. Sobrevive, porque tem qualidade e presta um bom serviço.
Leio sempre a News e assim vou acompanhando a vida da Instituição. E esse é também uma missão deste tipo de veículo comunicacional: levar aos médicos que se formaram na casa e aos que aí trabalharam as notícias do tempo que passa e assim assegurar a ligação umbilical que nunca se deve perder.
Desejo à News e à sua equipa redatorial as maiores felicidades e os votos de continuidade e sucesso.
Permitam-me uma nota final. No número inicial noticiava-se o falecimento do Prof. Luís Silva Carvalho, Professor Catedrático de Fisiologia.
Foi uma grande figura da Faculdade, Professor e Investigador de mérito reconhecido nacional e internacionalmente, um Bom Amigo e um Homem de Bem. O seu apoio naquele período inicial da Direção a que presidi foi muito importante e não o esqueci.
Permita-me relembrá-lo nesta ocasião.
Joana Sousa
Equipa Editorial