Investigação e Formação Avançada
Perspectivas para o GAPIC - A Visão do novo Coordenador
A ideia de promover e apoiar a investigação científica realizada por estudantes de pré-graduação, em unidades de investigação da nossa Faculdade, foi o resultado de uma antevisão magistral do Professor David Ferreira, meu e nosso Mestre, em 1989. Dessa antevisão nasceu o GAPIC – Gabinete de Apoio à Investigação Científica, Tecnológica e Inovação. O projecto do GAPIC é, ainda hoje, passado mais de duas décadas, considerado inovador tanto a nível nacional como internacional. Resultou da presciência de que a investigação científica, em particular na sua vertente mais básica, desempenharia um papel crescente nos avanços da medicina moderna e de que os médicos deveriam ter não só uma formação profissional, mas também uma formação científica cada vez mais exigente, sob risco de verem a sua profissão rapidamente transformada num ofício.
A relação entre o avanço científico e as suas consequências na medicina praticada é de análise difícil. Há, contudo, consenso sobre a existência de um grande hiato entre a quantidade e sofisticação do conhecimento básico já existente nas áreas biológicas e biomédicas e a sua tradução em benefícios reais para os doentes. De uma forma simples, pode dizer-se que a maior parte do conhecimento fundamental mais fascinante é, ainda, clinicamente inútil. Muita da reflexão sobre o assunto foi, e é, promovida pelo National Institutes of Health(NIH), Estados Unidos. No âmbito dessa reflexão, várias directivas foram seguidas, ao longo do tempo, tendentes a encurtar aquele hiato. Foram promovidas alterações de foco de investimento, p.ex. do cancro para a diabetes, ou de tipo de investigação, i.e. mais básica/fundamental ou mais aplicada. Os resultados mantiveram-se aquém do esperado, sempre. A identificação do factor que é, actualmente, considerado como o mais relevante foi, assim, tardia; esse factor - o declínio do médico-cientista. Seria interessante meditarmos porque foi durante tanto tempo um factor que é intrinsecamente humano, uma figura – o médico-cientista - confundido com outros factores de natureza, essencialmente, contingente ou circunstancial (p.ex. financiamentos, tipo e foco de investigação)! Dada a natureza humana do factor principal também não surpreende, pois, que o mais importante factor contingente identificado seja o factor tempo, ou melhor, a falta deste.
Uma análise sensível da história identificou a figura do médico-cientista como o grande promotor dos verdadeiros avanços da prática médica nas décadas passadas, com excepção da última. Nessas décadas a boa investigação, puramente clínica, consolidava o conhecimento médico e delineava-lhe alcances e limites, e depurava-o do detalhe inútil. Este tipo de investigação persiste, e bem, e cada vez com mais profissionalismo. Como as boas tradições, vem de longe, está para durar e melhora com a idade. É essencial a uma boa prática médica, é imprescindível, necessária; mas é insuficiente. Também nessas décadas, a boa investigação básica/fundamental desvendava então universos novos, insuspeitos, maravilhava-nos, provocava encantamentos e suscitava esperanças; e durante muito tempo não nos defraudou, a nós médicos. Havia para os novos sinais, que surgiam o tempo todo das ciências novas, e das antigas rejuvenescidas, um intérprete, que era médico e que praticava ciência que era fundamental ou muito próxima desta e que era cientificamente tão culto como os seus pares com outras formações académicas. Mas, também possuía profundidade de campo, percebia bem o alcance médico que muitas das novas descobertas encerravam. E trazia-as para o domínio clínico, conhecia bem as questões pertinentes na área, pois ou era também médico praticante ou frequentava os circuitos clínicos. Falava com os seus pares de igual para igual, sem preconceito ou subserviência; entendia e fazia-se entender. O médico-cientista ganhou reconhecimento público, conquistou prémios Nobel, encheu de orgulho as escolas médicas e, sobretudo, beneficiou muito os que sofriam. Hoje, porém, persiste de forma residual, como exemplar frequentemente meritório mas solitário. O médico-cientista entrou em declínio, e por essa razão reduziu-se a capacidade de trazer para a clínica o que de melhor se descobria nas ciências mais básicas e também a capacidade de levar para o laboratório as melhores perguntas levantadas durante a actividade clínica. O médico-cientista quase se extinguiu, quase só porque não tinha tempo para praticar duas actividades que se tornaram, ambas, excessivamente competitivas, profissionalizadas e absorventes. Foi vítima da maior insuficiência humana – a de podermos fabricar quase tudo, excepto tempo.
Desde há mais de uma década que se tem vindo a promover uma mudança de estratégia, de modo a que os enormes sucessos e recursos experimentais da ciência fundamental moderna se traduzam, mais rapidamente e em maior escala, em benefícios directos para os doentes. Neste âmbito, privilegia-se o enfoque mais directo da investigação experimental/laboratorial em problemas de grande relevância clínica, tomando como ponto de partida questões surgidas da prática clínica e, sempre que possível, também material clínico obtido directamente de pacientes. Este é um dos pilares fundamentais, mas não o único, da moderna medicina de translação. Mas, se não se meditasse profundamente sobre as características do agente humano, i.e, qual a figura central capaz de conduzir esta estratégia com sucesso, cair-se-ia num erro já antigo. Felizmente, essa análise já foi iniciada. Emergiu, assim, a figura do médico cientificamente educado. Este médico acumulará com uma formação clínica de excelência uma formação científica, também esta de excelência. Desejavelmente, terá praticado investigação mais fundamental, mas durante um período restrito da sua formação científica, p.ex durante o trabalho doutoral. A sua formação científica será moderna e sólida do ponto de vista teórico. Será abrangente. Necessariamente mais abrangente que a do médico-cientista. Terá de ser adquirida de uma forma rápida, mas coerente e muito exigente. Permitir-lhe-á conhecer o meio científico local e internacional. Dar-lhe-á a capacidade de identificar competências e de dialogar com elas, sem subserviência oculta. O novo médico será capaz de identificar questões relevantes na sua prática clínica, pois também saberá quais são as abordáveis experimentalmente. Este será ainda capaz de participar em equipas multidisciplinares, ou de as dirigir, será um elemento-chave, pois como clínico cientificamente informado será um grande integrador. Além disso, estará apto a interagir com a indústria, nomeadamente a farmacêutica, e a empresa, mais atento às necessidades da sociedade e da economia. Fará da interrogação científica um elemento do seu quotidiano, enquanto clínico praticante. Pois, após o período formativo em ciência a sua actividade predominante, ou exclusiva, será a clínica. Não ficará absorvido pelo laboratório como o médico-cientista; essa será a tarefa daqueles com quem colabora ou que dirige. Assim, ao contrário do médico-cientista, não será vítima do factor tempo. Será mais útil aos seus doentes e dominará o factor tempo.
A ideia de participar na formação científica de médicos atraiu-me desde logo. Essa formação científica ultrapassa, obviamente, as actividades de ensino-aprendizagem inerentes à pré-graduação. Acho, pessoalmente, que no contexto actual a figura do médico cientificamente educado é a mais adequada a estabelecer a continuidade entre a investigação de ponta, verdadeiramente inovadora, e a clínica. Entre nós surgiram recentemente iniciativas privadas, pioneiras e de grande mérito, no sentido de adequar a formação científica avançada de médicos à nova realidade. Destaco a iniciativa das Fundações Calouste Gulbenkian e Champalimaud, com apoio ministerial. Para que iniciativas deste tipo tenham continuidade, de modo a gerar entre nós, em tempo útil, a massa crítica de médicos motivados para a actividade científica, será importante que o contacto com aquela se inicie durante o período da pré-graduação médica. De preferência pela prática da ciência em unidades de excelência, independentemente do seu pendor mais clínico ou mais básico/fundamental, pois o tipo de pesquisa médica que vai praticar será um contínuo entre aqueles dois estéreotipos. De facto, deverá haver apenas um tipo de investigação, a de excelência. É desígnio do GAPIC a promoção desta investigação entre os estudantes de medicina. Contribuirá certamente para a formação do novo médico, que voltará a ter protagonismo no avanço das ciências médicas. O ambiente na nossa Faculdade é, agora, particularmente propício; é mesmo de um optimismo contagiante! São sinal disso a formação doInstituto de Medicina Molecular (IMM), o crescente envolvimento de clínicos do Hospital de Santa Maria (HSM) em projectos conjuntos com a FMUL-IMM, e a recente criação do Centro Académico de Medicina.
Do exposto, a actual equipa do GAPIC tomará como linhas de acção:
1) Manter a promoção da actividade científica praticada por estudantes em unidades de excelência, de modo a estimular, sem reducionismos, a percepção da influência da cultura científica na cultura médica;
2) Integrar, sempre que possível e desejável, as acções promovidas pelo GAPIC com acções promovidas pelos próprios estudantes;
3) Promover o contacto dos estudantes com forças vivas da nossa sociedade, provenientes de outras áreas do conhecimento e empresariais, de modo a que se sensibilizem para o contexto da sua acção futura.
Posso garantir que actual equipa do GAPIC, integrada pelos Professores Ana Espada de Sousa, João Forjaz de Lacerda e João Eurico da Fonseca, para além de mim próprio, assessorada por Mestre Sónia Barroso, está particularmente empenhada no cumprimento destes objectivos.
Não posso deixar de agradecer aos coordenadores do GAPIC que me precederam e com quem contactei mais de perto, nomeadamente, os Professores David Ferreira, Leonor Parreira e Ana Sebastião, o quanto lhes devo pelo seu legado cultural.
João A. A. Ferreira
Unidade de Biologia da Cromatina (UBCR) | Instituto de Medicina Molecular (IMM)
Faculdade de Medicina – Edifício Egas Moniz Piso3A - sala5
Tel: 21 7999 519 | Fax: 21 7999 418 | Ext. (IMM): 47359/47305
e-mail: hjoao@fm.ul.pt
A relação entre o avanço científico e as suas consequências na medicina praticada é de análise difícil. Há, contudo, consenso sobre a existência de um grande hiato entre a quantidade e sofisticação do conhecimento básico já existente nas áreas biológicas e biomédicas e a sua tradução em benefícios reais para os doentes. De uma forma simples, pode dizer-se que a maior parte do conhecimento fundamental mais fascinante é, ainda, clinicamente inútil. Muita da reflexão sobre o assunto foi, e é, promovida pelo National Institutes of Health(NIH), Estados Unidos. No âmbito dessa reflexão, várias directivas foram seguidas, ao longo do tempo, tendentes a encurtar aquele hiato. Foram promovidas alterações de foco de investimento, p.ex. do cancro para a diabetes, ou de tipo de investigação, i.e. mais básica/fundamental ou mais aplicada. Os resultados mantiveram-se aquém do esperado, sempre. A identificação do factor que é, actualmente, considerado como o mais relevante foi, assim, tardia; esse factor - o declínio do médico-cientista. Seria interessante meditarmos porque foi durante tanto tempo um factor que é intrinsecamente humano, uma figura – o médico-cientista - confundido com outros factores de natureza, essencialmente, contingente ou circunstancial (p.ex. financiamentos, tipo e foco de investigação)! Dada a natureza humana do factor principal também não surpreende, pois, que o mais importante factor contingente identificado seja o factor tempo, ou melhor, a falta deste.
Uma análise sensível da história identificou a figura do médico-cientista como o grande promotor dos verdadeiros avanços da prática médica nas décadas passadas, com excepção da última. Nessas décadas a boa investigação, puramente clínica, consolidava o conhecimento médico e delineava-lhe alcances e limites, e depurava-o do detalhe inútil. Este tipo de investigação persiste, e bem, e cada vez com mais profissionalismo. Como as boas tradições, vem de longe, está para durar e melhora com a idade. É essencial a uma boa prática médica, é imprescindível, necessária; mas é insuficiente. Também nessas décadas, a boa investigação básica/fundamental desvendava então universos novos, insuspeitos, maravilhava-nos, provocava encantamentos e suscitava esperanças; e durante muito tempo não nos defraudou, a nós médicos. Havia para os novos sinais, que surgiam o tempo todo das ciências novas, e das antigas rejuvenescidas, um intérprete, que era médico e que praticava ciência que era fundamental ou muito próxima desta e que era cientificamente tão culto como os seus pares com outras formações académicas. Mas, também possuía profundidade de campo, percebia bem o alcance médico que muitas das novas descobertas encerravam. E trazia-as para o domínio clínico, conhecia bem as questões pertinentes na área, pois ou era também médico praticante ou frequentava os circuitos clínicos. Falava com os seus pares de igual para igual, sem preconceito ou subserviência; entendia e fazia-se entender. O médico-cientista ganhou reconhecimento público, conquistou prémios Nobel, encheu de orgulho as escolas médicas e, sobretudo, beneficiou muito os que sofriam. Hoje, porém, persiste de forma residual, como exemplar frequentemente meritório mas solitário. O médico-cientista entrou em declínio, e por essa razão reduziu-se a capacidade de trazer para a clínica o que de melhor se descobria nas ciências mais básicas e também a capacidade de levar para o laboratório as melhores perguntas levantadas durante a actividade clínica. O médico-cientista quase se extinguiu, quase só porque não tinha tempo para praticar duas actividades que se tornaram, ambas, excessivamente competitivas, profissionalizadas e absorventes. Foi vítima da maior insuficiência humana – a de podermos fabricar quase tudo, excepto tempo.
Desde há mais de uma década que se tem vindo a promover uma mudança de estratégia, de modo a que os enormes sucessos e recursos experimentais da ciência fundamental moderna se traduzam, mais rapidamente e em maior escala, em benefícios directos para os doentes. Neste âmbito, privilegia-se o enfoque mais directo da investigação experimental/laboratorial em problemas de grande relevância clínica, tomando como ponto de partida questões surgidas da prática clínica e, sempre que possível, também material clínico obtido directamente de pacientes. Este é um dos pilares fundamentais, mas não o único, da moderna medicina de translação. Mas, se não se meditasse profundamente sobre as características do agente humano, i.e, qual a figura central capaz de conduzir esta estratégia com sucesso, cair-se-ia num erro já antigo. Felizmente, essa análise já foi iniciada. Emergiu, assim, a figura do médico cientificamente educado. Este médico acumulará com uma formação clínica de excelência uma formação científica, também esta de excelência. Desejavelmente, terá praticado investigação mais fundamental, mas durante um período restrito da sua formação científica, p.ex durante o trabalho doutoral. A sua formação científica será moderna e sólida do ponto de vista teórico. Será abrangente. Necessariamente mais abrangente que a do médico-cientista. Terá de ser adquirida de uma forma rápida, mas coerente e muito exigente. Permitir-lhe-á conhecer o meio científico local e internacional. Dar-lhe-á a capacidade de identificar competências e de dialogar com elas, sem subserviência oculta. O novo médico será capaz de identificar questões relevantes na sua prática clínica, pois também saberá quais são as abordáveis experimentalmente. Este será ainda capaz de participar em equipas multidisciplinares, ou de as dirigir, será um elemento-chave, pois como clínico cientificamente informado será um grande integrador. Além disso, estará apto a interagir com a indústria, nomeadamente a farmacêutica, e a empresa, mais atento às necessidades da sociedade e da economia. Fará da interrogação científica um elemento do seu quotidiano, enquanto clínico praticante. Pois, após o período formativo em ciência a sua actividade predominante, ou exclusiva, será a clínica. Não ficará absorvido pelo laboratório como o médico-cientista; essa será a tarefa daqueles com quem colabora ou que dirige. Assim, ao contrário do médico-cientista, não será vítima do factor tempo. Será mais útil aos seus doentes e dominará o factor tempo.
A ideia de participar na formação científica de médicos atraiu-me desde logo. Essa formação científica ultrapassa, obviamente, as actividades de ensino-aprendizagem inerentes à pré-graduação. Acho, pessoalmente, que no contexto actual a figura do médico cientificamente educado é a mais adequada a estabelecer a continuidade entre a investigação de ponta, verdadeiramente inovadora, e a clínica. Entre nós surgiram recentemente iniciativas privadas, pioneiras e de grande mérito, no sentido de adequar a formação científica avançada de médicos à nova realidade. Destaco a iniciativa das Fundações Calouste Gulbenkian e Champalimaud, com apoio ministerial. Para que iniciativas deste tipo tenham continuidade, de modo a gerar entre nós, em tempo útil, a massa crítica de médicos motivados para a actividade científica, será importante que o contacto com aquela se inicie durante o período da pré-graduação médica. De preferência pela prática da ciência em unidades de excelência, independentemente do seu pendor mais clínico ou mais básico/fundamental, pois o tipo de pesquisa médica que vai praticar será um contínuo entre aqueles dois estéreotipos. De facto, deverá haver apenas um tipo de investigação, a de excelência. É desígnio do GAPIC a promoção desta investigação entre os estudantes de medicina. Contribuirá certamente para a formação do novo médico, que voltará a ter protagonismo no avanço das ciências médicas. O ambiente na nossa Faculdade é, agora, particularmente propício; é mesmo de um optimismo contagiante! São sinal disso a formação doInstituto de Medicina Molecular (IMM), o crescente envolvimento de clínicos do Hospital de Santa Maria (HSM) em projectos conjuntos com a FMUL-IMM, e a recente criação do Centro Académico de Medicina.
Do exposto, a actual equipa do GAPIC tomará como linhas de acção:
1) Manter a promoção da actividade científica praticada por estudantes em unidades de excelência, de modo a estimular, sem reducionismos, a percepção da influência da cultura científica na cultura médica;
2) Integrar, sempre que possível e desejável, as acções promovidas pelo GAPIC com acções promovidas pelos próprios estudantes;
3) Promover o contacto dos estudantes com forças vivas da nossa sociedade, provenientes de outras áreas do conhecimento e empresariais, de modo a que se sensibilizem para o contexto da sua acção futura.
Posso garantir que actual equipa do GAPIC, integrada pelos Professores Ana Espada de Sousa, João Forjaz de Lacerda e João Eurico da Fonseca, para além de mim próprio, assessorada por Mestre Sónia Barroso, está particularmente empenhada no cumprimento destes objectivos.
Não posso deixar de agradecer aos coordenadores do GAPIC que me precederam e com quem contactei mais de perto, nomeadamente, os Professores David Ferreira, Leonor Parreira e Ana Sebastião, o quanto lhes devo pelo seu legado cultural.
João A. A. Ferreira
Unidade de Biologia da Cromatina (UBCR) | Instituto de Medicina Molecular (IMM)
Faculdade de Medicina – Edifício Egas Moniz Piso3A - sala5
Tel: 21 7999 519 | Fax: 21 7999 418 | Ext. (IMM): 47359/47305
e-mail: hjoao@fm.ul.pt