Reportagem / Perfil
Entrevista a Isabel Jonet – Presidente da Federação Portuguesa de Bancos Alimentares
Tema: Banco Alimentar, a maior acção de voluntariado organizado em Portugal
1. Para iniciar esta entrevista gostaríamos que, de uma forma breve, nos fizesse o panorama da evolução do Banco Alimentar em Portugal.
O Banco Alimentar (BA) iniciou a sua actividade em Portugal em 1992, pelas mãos do Comandante José Vaz Pinto que importou esta ideia de França, onde por sua vez se tinham inspirado numa ideia que nasceu nos E.U.A, na década de 60, e que se chamava “second harvest” ou seja a “segunda colheita”. A “segunda colheita” é um direito consagrado na Constituição Americana, em que os Pobres têm o direito de apanhar tudo aquilo que as ceifeiras não apanham da ceara, ou seja, têm o direito de respigar. É isto que inspira toda a ideia do Banco Alimentar Contra a Fome: ir buscar onde sobra (ao excedente da indústria agro-alimentar, da agricultura, das cadeias de distribuição, entre outros excedentes) para levar à mesa de quem não tem recursos, através de uma vasta rede de Instituições de Solidariedade Social (ISS). Muitas das vezes perguntam-nos porque não damos directamente os produtos aos pobres e passamos pelo canal das instituições. Esta é uma imposição deste modelo de funcionamento; não damos directamente porque não queremos criar dependências, aquilo que pretendemos é, por um lado, levar alimentação à mesa de quem precisa, mas, por outro lado, fazer com que essas pessoas deixem de precisar. Isso só pode ser feito com grande afecto, com grande proximidade pelas instituições que, de uma forma centralizada, conhecem cada pessoa, conhecem cada família.
Existem neste momento em Portugal 17 Bancos Alimentares (http://www.bancoalimentar.pt/) que estão a apoiar cerca de 1650 ISS e a contribuir para a alimentação de cerca de 267 mil pessoas, ou seja, 2,5% da população portuguesa com carências alimentares comprovadas. Estas pessoas, de alguma forma, têm no seu prato um alimento que vem do BA, dado através de uma instituição.
O BA tem esta vocação e esta missão tão importante. Porquê? Porque os alimentos são diferentes de qualquer outro bem de consumo, o alimento faz parte da vida, é elemento de vida. O ano passado o BA distribuiu cerca de 18 mil toneladas de alimentos, ou seja, uma média diára de 80 toneladas de alimentos.
2. Qual a importância dos Voluntários nas actividades do BA?
O ADN do BA é o voluntariado e, portanto, aquilo que fazemos é mobilizar pessoas que queiram dar o seu tempo, qualquer que seja , por esta causa em que acreditam. É por isso que temos voluntários assíduos, que asseguram as tarefas diárias do BA e temos os voluntários de campanha que são voluntários apenas duas vezes por ano, nos fins-de-semana de campanha. Envolvendo cerca de 27 mil pessoas, nos 17 Bancos Alimentares, o BA é a maior acção de voluntariado organizado que há em Portugal.
3.Os dados mais recentes apontam para um crescimento da intervenção do BA em Portugal. De que forma a crise económica que estamos a atravessar se reflecte na actividade do BA?
Esta situação pode ser vista de duas ópticas, por um lado o voluntariado, em que cada vez é maior o número de pessoas que querem dar o seu tempo. Esse é fácil de dar e essa é a maior dádiva. Além disso, nós precisamos de dádivas em dinheiro e em produtos para poder prosseguir com esta actividade, porque a única coisa de que vivemos é da distribuição de produtos alimentares que são doados. Em tempos de crise há menos produtos alimentares porque há menos donativos e aquilo que temos de fazer é um esforço de sensibilização das empresas, e das pessoas, para que, precisamente nessa altura de crise, não desmobilizem. Existe um esforço do BA para chegar mais às pessoas e empresas, mostrando o que fazemos e como o fazemos; um dos grandes activos do BA é, precisamente, a ideia de transparência, publicamos tudo aquilo que fazemos, damos contas de tudo aquilo que nos é confiado. Nós entendemos que nada é nosso, tudo nos é confiado para darmos a quem precisa portanto, é fundamental haver essa transparência na comunicação.
4. A luta contra o desperdício é algo que não está muito enraizado na nossa sociedade. Considera que a transparência na divulgação da informação e o trazer cada vez mais voluntários ao BA, pode ser gerador de mudança social, consciêncializando as pessoas para a importância de combater o desperdício?
Ao recorrermos ao trabalho de voluntários, recorremos a pessoas que, por vezes, já não têm lugar no mercado de trabalho. Ao permitirmos que essas pessoas desempenhem funções no BA estamos a lutar até contra o desperdício de mão-de-obra e de talentos, que são recursos imprescindíveis e valiosíssimos. Sinto que o BA tem sido um motor no despertar de consciência para a necessidade de lutar contra o desperdício, nomeadamente de alimentos. Quando desperdiçamos um alimento de que tantos seres humanos se encontram privados, estamos a cometer um acto de injustiça, não é justo deitarmos fora algo que é essencial à vida de outro homem. Aquilo que temos procurado, nomeadamente através de um projecto que temos nas escolas, o projecto designado por “Projecto Educar para a Cidadania” (http://www.lisboa.bancoalimentar.pt/noticias.php?nwsid=58), é levar esses valores aos jovens que hoje em dia frequentam as escolas, os liceus e até as Universidades que serão os futuros empresários, políticos e decisores deste país. Procuramos que tenham essa consciência da cidadania activa, da luta, da necessidade de justiça, de verdade e de partilha, de modo a que, no futuro, possam ter em conta esses valores nas suas decisões.
5. Durante as campanhas, os voluntários e os cidadãos comuns questionam-nos muitas vezes sob a forma como funcionam as cadeias de distribuição do BA. Como chegam os bens recolhidos às pessoas que deles necessitam?
Nós não entregamos nada directamente às pessoas, exactamente para podermos acompanhar o caminho até os bens chegarem junto delas. O que fazemos é seleccionar as ISS que se inscrevem. Cada BA em actividade tem uma zona de actuação totalmente regional, ou seja, o Banco de Lisboa recolhe e distribui em Lisboa, o Banco de Coimbra recolhe e distribui em Coimbra e assim sucessivamente. Isto permite aproximar quem dá de quem recebe. Quando uma ISS se inscreve é objecto de todo um processo de selecção e acompanhamento, é portanto objecto de uma primeira visita às instalações para uma avaliação de como funciona e como acompanha as famílias que apoia. No caso da instituição ser aceite pela Direcção, é celebrado um protocolo em que são estabelecidos deveres e direitos de ambas as partes. As instituições, por exemplo, comprometem-se a não reintroduzir nada no mercado, a não comercializar qualquer produto que recebam dos bancos alimentares. O BA compromete-se a entregar os produtos que as instituições que apoia necessitem, dentro das condições de higiene e segurança alimentar. Isso é fundamental, são acauteladas todas as condições de segurança e higiene alimentar porque estamos a falar de pessoas, pessoas carenciadas, que muitas vezes têm fragilidades de vária ordem, nomeadamente do ponto de vista de saúde. Os pobres não são o caixote do lixo dos ricos e os produtos que o BA distribui estão dentro dos imperativos legais de higiene e segurança alimentar.
6. As instituições públicas e privadas participam nas actividades do BA através de acções de voluntariado. Existe diferença entre a forma como participam?
Há muitos institutos públicos que apoiam os BA e que fazem acções de voluntariado. Hoje em dia não podemos fazer qualquer tipo de separação entre a contribuição das instituições, públicas e das instituições privadas, aos BA. Existem vários BA que têm acordo com o Ministério do Trabalho e Solidariedade Social e, por exemplo, no Banco Alimentar de Lisboa, trabalhadores do Ministério da Ciência e Tecnologia colaboraram no armazém.
7. Para além das Campanhas de recolha de alimentos, como podem as pessoas apoiar as acções do BA?
Eu penso que o maior apoio que as pessoas podem dar é o seu tempo e este é para nós muito importante, mesmo fora das épocas de campanha. As pessoas habituaram-se a ver o Banco Alimentar Contra a Fome em apenas dois momentos no ano; é a nossa politica de imagem, nós só estamos visíveis duas vezes por ano nos fins-de-semana da campanha, a ultima foi nos dias 28 e 29 de Novembro. Mas os BA vivem todos os dias, porque todos os dias as pessoas têm necessidade de se alimentar. Seria uma grande ajuda se houvesse uma maior mobilização para haver um pouco mais de trabalho voluntário, nem que fossem 3 ou 4 horas por semana nos armazéns do BA.
8. Gostaríamos que nos falasse agora de outros projectos, mais recentes, ligados ao BA.
Em 2004 achámos que se poderia fazer algo mais pelas instituições, não numa lógica assistencialista, mas numa lógica mais estruturante e de gestão. Criámos, então, a “Entrajuda” (http://www.entrajuda.pt/). A “Entrajuda” é uma instituição que parte do dia-a-dia da experiência recebida no BA, mas que tem o objectivo de mobilizar voluntários para, de alguma, forma mudar o 3º sector (as ISS), ajuda-lo a tornar-se mais eficiente e mais eficaz. Se as ISS e todas as associações forem mais eficientes na optimização dos seus recursos humanos, libertam-os para outras tarefas indispensáveis na ajuda a cada pessoa, com mais afecto, com mais calor humano. Se a instituição gastar menos dinheiro com a reparação ou aquisição de mobiliário ou de computadores, através do recurso a voluntários que o possam fazer, pode afectar verbas, por exemplo, para ter uma assistente social. E, portanto, o que fizemos foi lançar a “Entrajuda”, precisamente com o objectivo de ajudar as instituições do ponto de vista da sua gestão e organização. A “Entrajuda” tem lançado um conjunto de projectos em simultâneo, primeiro foi a “Bolsa de Voluntariado” que é um site na Internet (http://www.bolsadovoluntariado.pt/) que pretende aproximar as vontades e as necessidades do trabalho de voluntário. No 1º ano de existência teve 10.900 pessoas inscritas, mais de 200 instituições nacionais com voluntários “contratados” ou voluntários admitidos. Lançámos, na “Bolsa do Voluntariado”, a chamada ”Bolsa de Talentos” ou seja as pessoas podem pôr o seu talento a render numa área que gostem.
Depois da “Bolsa do Voluntariado”, existe o “Banco de Bens Doados” (http://www.bancodebensdoados.pt/) que é um banco não alimentar. Diariamente, eram-nos oferecidos produtos não alimentares que, pelo estatuto do BA, estamos impedidos de receber e então, abrirmos este banco. Em apenas 2 anos, já distribuímos cerca de 6 milhões de artigos que teriam como destino a destruição. Estamos a falar de artigos desde mobiliário, roupa nova, brinquedos, produtos de higiene pessoal e limpeza de casa, etc. Estes produtos, na maior parte das vezes, iriam para a destruição apenas porque a embalagem mudou ou porque não foram comercializados e não há a capacidade de armazenar. Este banco não recebe bens de particulares, só artigos para bebés, porque os restantes produtos são produtos novos da indústria e das cadeias de distribuição.
Agora mais recentemente foi aberto o “Banco de Equipamentos” (http://www.bancodeequipamentos.pt/) que tem como objectivo angariar e distribuir equipamentos eléctricos e electrónicos que têm uma legislação própria. O “Banco de Equipamentos” recebe doações de particulares e o que nós fazemos é dar uma nova vida ao equipamento ao coloca-lo ao serviço das ISS.
Há ainda uma área muito importante da “Entrajuda” que é área da formação. Existem acções de formação destinadas a todos os técnicos e responsáveis das ISS, porque se as pessoas não forem ensinadas a mudar, não podem efectivamente mudar.
Existe ainda uma última área que é a área da “Saúde Solidária”. Esta área tem sido espectacular e o que fazemos é mobilizar profissionais de várias especialidades médicas para que nos dêem um pouco do seu tempo. Por exemplo, mobilizamos médicos dentistas para que recebam no seu consultório, gratuitamente, crianças comprovadamente carenciadas que frequentam as instituições que nós apoiamos. O que estamos a pedir a cada médico dentista é que aceite ser um voluntário “Entrajuda”, ao tratar dos dentes de crianças carenciadas.
Agora mais recentemente lançámos o projecto “A Postos para a Escola”, que teve o apoio de muitas empresas e entidades como o Alto Comissariado para a Saúde. Pretendemos rastrear todas as crianças com 5 anos, a nível de olhos, ouvidos e dentes, antes de estas crianças entrarem para o ensino básico, queremos que as crianças estejam a postos antes de entrarem na escola.
9. Os alunos de Medicina muitas vezes procuram introduzir no seu curriculum a vertente mais humana da Medicina, fazendo-o em instituições que actuam fora do país. Considera que estes alunos poderiam desenvolver actividades no âmbito dos vários projectos que o BA desenvolve?
Temos aqui uma área chamada “Universidade Solidária” em que se pretende uma ligação dos Universitários aos projectos do BA, na sua área de aprendizagem. A Universidade Católica e a Universidade Nova já o fazem para a área de gestão e economia, porque não fazer o mesmo para a área da saúde? Devo referir que temos uma parceria já há 3 anos com a Escola Superior de Saúde São Vicente de Paulo, com o objectivo de proporcionar aos alunos estágios em ISS. Estes estágios permitem que as instituições possam ter ao seu dispor, profissionais de saúde que podem ajudar a mudar práticas e procedimentos instituídos e que às vezes não são os mais correctos, nomeadamente no cuidado ao idoso. Existe também uma parceria com a Associação Protectora dos Diabéticos Portugueses, em que a associação dá formação aos técnicos das instituições ou dos lares sobre como tratar dos diabéticos.
Há nesta área de intervenção lugar para uma cooperação com a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, que muito nos agradaria. O Professor Daniel Sampaio já nos contactou para que alguns alunos do estágio de psiquiatria (saúde mental) pudessem vir ver o dia a dia do BA e a forma como são acolhidos voluntários com distúrbios mentais e a sua integração nas actividades do banco.
10. Para terminar qual a mensagem que o BA deixa a todos os voluntários?
A todos aqueles que já são voluntários das campanhas do Banco Alimentar e os que participam no dia a dia do BA deixo um agradecimento, porque sem os voluntários as campanhas não seriam possíveis. A todos aqueles que ainda não são voluntários, lançava um apelo para que participem numa campanha do BA, porque são todos necessários, são todos bem vindos. Ao participarem numa campanha do BA, as pessoas percebem que o seu tempo pode ser importante na vida de outrém.
Realizada por: Susana Leal(sleal@fm.ul.pt) e Márcia Vila(mvila@fm.ul.pt)
1. Para iniciar esta entrevista gostaríamos que, de uma forma breve, nos fizesse o panorama da evolução do Banco Alimentar em Portugal.
O Banco Alimentar (BA) iniciou a sua actividade em Portugal em 1992, pelas mãos do Comandante José Vaz Pinto que importou esta ideia de França, onde por sua vez se tinham inspirado numa ideia que nasceu nos E.U.A, na década de 60, e que se chamava “second harvest” ou seja a “segunda colheita”. A “segunda colheita” é um direito consagrado na Constituição Americana, em que os Pobres têm o direito de apanhar tudo aquilo que as ceifeiras não apanham da ceara, ou seja, têm o direito de respigar. É isto que inspira toda a ideia do Banco Alimentar Contra a Fome: ir buscar onde sobra (ao excedente da indústria agro-alimentar, da agricultura, das cadeias de distribuição, entre outros excedentes) para levar à mesa de quem não tem recursos, através de uma vasta rede de Instituições de Solidariedade Social (ISS). Muitas das vezes perguntam-nos porque não damos directamente os produtos aos pobres e passamos pelo canal das instituições. Esta é uma imposição deste modelo de funcionamento; não damos directamente porque não queremos criar dependências, aquilo que pretendemos é, por um lado, levar alimentação à mesa de quem precisa, mas, por outro lado, fazer com que essas pessoas deixem de precisar. Isso só pode ser feito com grande afecto, com grande proximidade pelas instituições que, de uma forma centralizada, conhecem cada pessoa, conhecem cada família.
Existem neste momento em Portugal 17 Bancos Alimentares (http://www.bancoalimentar.pt/) que estão a apoiar cerca de 1650 ISS e a contribuir para a alimentação de cerca de 267 mil pessoas, ou seja, 2,5% da população portuguesa com carências alimentares comprovadas. Estas pessoas, de alguma forma, têm no seu prato um alimento que vem do BA, dado através de uma instituição.
O BA tem esta vocação e esta missão tão importante. Porquê? Porque os alimentos são diferentes de qualquer outro bem de consumo, o alimento faz parte da vida, é elemento de vida. O ano passado o BA distribuiu cerca de 18 mil toneladas de alimentos, ou seja, uma média diára de 80 toneladas de alimentos.
2. Qual a importância dos Voluntários nas actividades do BA?
O ADN do BA é o voluntariado e, portanto, aquilo que fazemos é mobilizar pessoas que queiram dar o seu tempo, qualquer que seja , por esta causa em que acreditam. É por isso que temos voluntários assíduos, que asseguram as tarefas diárias do BA e temos os voluntários de campanha que são voluntários apenas duas vezes por ano, nos fins-de-semana de campanha. Envolvendo cerca de 27 mil pessoas, nos 17 Bancos Alimentares, o BA é a maior acção de voluntariado organizado que há em Portugal.
3.Os dados mais recentes apontam para um crescimento da intervenção do BA em Portugal. De que forma a crise económica que estamos a atravessar se reflecte na actividade do BA?
Esta situação pode ser vista de duas ópticas, por um lado o voluntariado, em que cada vez é maior o número de pessoas que querem dar o seu tempo. Esse é fácil de dar e essa é a maior dádiva. Além disso, nós precisamos de dádivas em dinheiro e em produtos para poder prosseguir com esta actividade, porque a única coisa de que vivemos é da distribuição de produtos alimentares que são doados. Em tempos de crise há menos produtos alimentares porque há menos donativos e aquilo que temos de fazer é um esforço de sensibilização das empresas, e das pessoas, para que, precisamente nessa altura de crise, não desmobilizem. Existe um esforço do BA para chegar mais às pessoas e empresas, mostrando o que fazemos e como o fazemos; um dos grandes activos do BA é, precisamente, a ideia de transparência, publicamos tudo aquilo que fazemos, damos contas de tudo aquilo que nos é confiado. Nós entendemos que nada é nosso, tudo nos é confiado para darmos a quem precisa portanto, é fundamental haver essa transparência na comunicação.
4. A luta contra o desperdício é algo que não está muito enraizado na nossa sociedade. Considera que a transparência na divulgação da informação e o trazer cada vez mais voluntários ao BA, pode ser gerador de mudança social, consciêncializando as pessoas para a importância de combater o desperdício?
Ao recorrermos ao trabalho de voluntários, recorremos a pessoas que, por vezes, já não têm lugar no mercado de trabalho. Ao permitirmos que essas pessoas desempenhem funções no BA estamos a lutar até contra o desperdício de mão-de-obra e de talentos, que são recursos imprescindíveis e valiosíssimos. Sinto que o BA tem sido um motor no despertar de consciência para a necessidade de lutar contra o desperdício, nomeadamente de alimentos. Quando desperdiçamos um alimento de que tantos seres humanos se encontram privados, estamos a cometer um acto de injustiça, não é justo deitarmos fora algo que é essencial à vida de outro homem. Aquilo que temos procurado, nomeadamente através de um projecto que temos nas escolas, o projecto designado por “Projecto Educar para a Cidadania” (http://www.lisboa.bancoalimentar.pt/noticias.php?nwsid=58), é levar esses valores aos jovens que hoje em dia frequentam as escolas, os liceus e até as Universidades que serão os futuros empresários, políticos e decisores deste país. Procuramos que tenham essa consciência da cidadania activa, da luta, da necessidade de justiça, de verdade e de partilha, de modo a que, no futuro, possam ter em conta esses valores nas suas decisões.
5. Durante as campanhas, os voluntários e os cidadãos comuns questionam-nos muitas vezes sob a forma como funcionam as cadeias de distribuição do BA. Como chegam os bens recolhidos às pessoas que deles necessitam?
Nós não entregamos nada directamente às pessoas, exactamente para podermos acompanhar o caminho até os bens chegarem junto delas. O que fazemos é seleccionar as ISS que se inscrevem. Cada BA em actividade tem uma zona de actuação totalmente regional, ou seja, o Banco de Lisboa recolhe e distribui em Lisboa, o Banco de Coimbra recolhe e distribui em Coimbra e assim sucessivamente. Isto permite aproximar quem dá de quem recebe. Quando uma ISS se inscreve é objecto de todo um processo de selecção e acompanhamento, é portanto objecto de uma primeira visita às instalações para uma avaliação de como funciona e como acompanha as famílias que apoia. No caso da instituição ser aceite pela Direcção, é celebrado um protocolo em que são estabelecidos deveres e direitos de ambas as partes. As instituições, por exemplo, comprometem-se a não reintroduzir nada no mercado, a não comercializar qualquer produto que recebam dos bancos alimentares. O BA compromete-se a entregar os produtos que as instituições que apoia necessitem, dentro das condições de higiene e segurança alimentar. Isso é fundamental, são acauteladas todas as condições de segurança e higiene alimentar porque estamos a falar de pessoas, pessoas carenciadas, que muitas vezes têm fragilidades de vária ordem, nomeadamente do ponto de vista de saúde. Os pobres não são o caixote do lixo dos ricos e os produtos que o BA distribui estão dentro dos imperativos legais de higiene e segurança alimentar.
6. As instituições públicas e privadas participam nas actividades do BA através de acções de voluntariado. Existe diferença entre a forma como participam?
Há muitos institutos públicos que apoiam os BA e que fazem acções de voluntariado. Hoje em dia não podemos fazer qualquer tipo de separação entre a contribuição das instituições, públicas e das instituições privadas, aos BA. Existem vários BA que têm acordo com o Ministério do Trabalho e Solidariedade Social e, por exemplo, no Banco Alimentar de Lisboa, trabalhadores do Ministério da Ciência e Tecnologia colaboraram no armazém.
7. Para além das Campanhas de recolha de alimentos, como podem as pessoas apoiar as acções do BA?
Eu penso que o maior apoio que as pessoas podem dar é o seu tempo e este é para nós muito importante, mesmo fora das épocas de campanha. As pessoas habituaram-se a ver o Banco Alimentar Contra a Fome em apenas dois momentos no ano; é a nossa politica de imagem, nós só estamos visíveis duas vezes por ano nos fins-de-semana da campanha, a ultima foi nos dias 28 e 29 de Novembro. Mas os BA vivem todos os dias, porque todos os dias as pessoas têm necessidade de se alimentar. Seria uma grande ajuda se houvesse uma maior mobilização para haver um pouco mais de trabalho voluntário, nem que fossem 3 ou 4 horas por semana nos armazéns do BA.
8. Gostaríamos que nos falasse agora de outros projectos, mais recentes, ligados ao BA.
Em 2004 achámos que se poderia fazer algo mais pelas instituições, não numa lógica assistencialista, mas numa lógica mais estruturante e de gestão. Criámos, então, a “Entrajuda” (http://www.entrajuda.pt/). A “Entrajuda” é uma instituição que parte do dia-a-dia da experiência recebida no BA, mas que tem o objectivo de mobilizar voluntários para, de alguma, forma mudar o 3º sector (as ISS), ajuda-lo a tornar-se mais eficiente e mais eficaz. Se as ISS e todas as associações forem mais eficientes na optimização dos seus recursos humanos, libertam-os para outras tarefas indispensáveis na ajuda a cada pessoa, com mais afecto, com mais calor humano. Se a instituição gastar menos dinheiro com a reparação ou aquisição de mobiliário ou de computadores, através do recurso a voluntários que o possam fazer, pode afectar verbas, por exemplo, para ter uma assistente social. E, portanto, o que fizemos foi lançar a “Entrajuda”, precisamente com o objectivo de ajudar as instituições do ponto de vista da sua gestão e organização. A “Entrajuda” tem lançado um conjunto de projectos em simultâneo, primeiro foi a “Bolsa de Voluntariado” que é um site na Internet (http://www.bolsadovoluntariado.pt/) que pretende aproximar as vontades e as necessidades do trabalho de voluntário. No 1º ano de existência teve 10.900 pessoas inscritas, mais de 200 instituições nacionais com voluntários “contratados” ou voluntários admitidos. Lançámos, na “Bolsa do Voluntariado”, a chamada ”Bolsa de Talentos” ou seja as pessoas podem pôr o seu talento a render numa área que gostem.
Depois da “Bolsa do Voluntariado”, existe o “Banco de Bens Doados” (http://www.bancodebensdoados.pt/) que é um banco não alimentar. Diariamente, eram-nos oferecidos produtos não alimentares que, pelo estatuto do BA, estamos impedidos de receber e então, abrirmos este banco. Em apenas 2 anos, já distribuímos cerca de 6 milhões de artigos que teriam como destino a destruição. Estamos a falar de artigos desde mobiliário, roupa nova, brinquedos, produtos de higiene pessoal e limpeza de casa, etc. Estes produtos, na maior parte das vezes, iriam para a destruição apenas porque a embalagem mudou ou porque não foram comercializados e não há a capacidade de armazenar. Este banco não recebe bens de particulares, só artigos para bebés, porque os restantes produtos são produtos novos da indústria e das cadeias de distribuição.
Agora mais recentemente foi aberto o “Banco de Equipamentos” (http://www.bancodeequipamentos.pt/) que tem como objectivo angariar e distribuir equipamentos eléctricos e electrónicos que têm uma legislação própria. O “Banco de Equipamentos” recebe doações de particulares e o que nós fazemos é dar uma nova vida ao equipamento ao coloca-lo ao serviço das ISS.
Há ainda uma área muito importante da “Entrajuda” que é área da formação. Existem acções de formação destinadas a todos os técnicos e responsáveis das ISS, porque se as pessoas não forem ensinadas a mudar, não podem efectivamente mudar.
Existe ainda uma última área que é a área da “Saúde Solidária”. Esta área tem sido espectacular e o que fazemos é mobilizar profissionais de várias especialidades médicas para que nos dêem um pouco do seu tempo. Por exemplo, mobilizamos médicos dentistas para que recebam no seu consultório, gratuitamente, crianças comprovadamente carenciadas que frequentam as instituições que nós apoiamos. O que estamos a pedir a cada médico dentista é que aceite ser um voluntário “Entrajuda”, ao tratar dos dentes de crianças carenciadas.
Agora mais recentemente lançámos o projecto “A Postos para a Escola”, que teve o apoio de muitas empresas e entidades como o Alto Comissariado para a Saúde. Pretendemos rastrear todas as crianças com 5 anos, a nível de olhos, ouvidos e dentes, antes de estas crianças entrarem para o ensino básico, queremos que as crianças estejam a postos antes de entrarem na escola.
9. Os alunos de Medicina muitas vezes procuram introduzir no seu curriculum a vertente mais humana da Medicina, fazendo-o em instituições que actuam fora do país. Considera que estes alunos poderiam desenvolver actividades no âmbito dos vários projectos que o BA desenvolve?
Temos aqui uma área chamada “Universidade Solidária” em que se pretende uma ligação dos Universitários aos projectos do BA, na sua área de aprendizagem. A Universidade Católica e a Universidade Nova já o fazem para a área de gestão e economia, porque não fazer o mesmo para a área da saúde? Devo referir que temos uma parceria já há 3 anos com a Escola Superior de Saúde São Vicente de Paulo, com o objectivo de proporcionar aos alunos estágios em ISS. Estes estágios permitem que as instituições possam ter ao seu dispor, profissionais de saúde que podem ajudar a mudar práticas e procedimentos instituídos e que às vezes não são os mais correctos, nomeadamente no cuidado ao idoso. Existe também uma parceria com a Associação Protectora dos Diabéticos Portugueses, em que a associação dá formação aos técnicos das instituições ou dos lares sobre como tratar dos diabéticos.
Há nesta área de intervenção lugar para uma cooperação com a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, que muito nos agradaria. O Professor Daniel Sampaio já nos contactou para que alguns alunos do estágio de psiquiatria (saúde mental) pudessem vir ver o dia a dia do BA e a forma como são acolhidos voluntários com distúrbios mentais e a sua integração nas actividades do banco.
10. Para terminar qual a mensagem que o BA deixa a todos os voluntários?
A todos aqueles que já são voluntários das campanhas do Banco Alimentar e os que participam no dia a dia do BA deixo um agradecimento, porque sem os voluntários as campanhas não seriam possíveis. A todos aqueles que ainda não são voluntários, lançava um apelo para que participem numa campanha do BA, porque são todos necessários, são todos bem vindos. Ao participarem numa campanha do BA, as pessoas percebem que o seu tempo pode ser importante na vida de outrém.
Realizada por: Susana Leal(sleal@fm.ul.pt) e Márcia Vila(mvila@fm.ul.pt)