Hoje é dia Mundial da Esclerose Sistémica
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Esclerose sistémica. A propósito de Paul Klee.

fotografia com dois quadros pintados pelo pintor Paul Klee

Paul Klee nasceu em 1879 na Suíça, mas com nacionalidade alemã e foi na Alemanha que a sua expressão artística ganhou relevo mundial, a partir da segunda década do século 20, ombreando com nomes como Kandinsky, integrado no movimento Bauhaus. No auge da sua projeção artística sofreu duas adversidades muito impactantes. A primeira foi a perseguição Nazi, em 1933, que o forçou a mudar-se para a Suíça. E logo a seguir, em 1935, adoeceu misteriosamente. Dores e tumefação articulares e a rigidez das mãos que começaram a impedir a pintura. Espessamento da pele das mãos e da cara, dificuldade em abrir a boca (dificultando muito os tratamentos dentários), problemas na deglutição, cansaço e falta de ar para pequenos esforços.

Enfrentou a doença com estoicismo, mas o estilo de pintura ficou diferente. Linhas mais simples, mais grossas e escuras, menos cores. Traduzindo as limitações físicas, mas também o sofrimento.

Os médicos não conseguiam ajudar. O diagnóstico não estava estabelecido e as terapêuticas não eram eficazes, tendo falecido em 1940, 5 anos após os primeiros sintomas, sem um diagnóstico preciso. Só a posteriori foi possível compreender que sofria de esclerose sistémica. Foi um testemunho da gravidade desta doença e da importância do seu diagnóstico precoce. Não é claro nos testemunhos disponíveis se Paul Klee sofria de fenómeno de Raynaud. Mas é provável que sim, porque esta é a manifestação mais frequente desta doença. Primeiro a mudança da cor das extremidades dos dedos com o frio matinal. Esbranquiçadas e dolorosas. Por vezes azuladas. Ao princípio só no inverno, mas mais tarde quase todo o ano e sempre mais grave nos períodos frios. Nos períodos mais intensos surgem frequentemente feridas na polpa dos dedos. Estas manifestações são a pista mais importante para a suspeita diagnóstica desta doença, que se caracteriza por vasoespasmo e inflamação do tecido conjuntivo em múltiplas localizações, causando primeiro alterações visíveis nas articulações e pele, mas simultaneamente, de forma camuflada, também nos órgãos internos, como o coração, pulmão, rins e tubo digestivo. Continua a ser uma doença incurável e progressiva, mas a imunossupressão precoce e a terapêutica dirigida às complicações que vão surgindo em vários órgãos, com destaque para o pulmão, permite controlar a doença e promover a qualidade de vida. Paul Klee, se dispusesse do acesso a uma consulta dedicada a esta doença e aos tratamentos atuais, não teria falecido aos 60 anos e poderia seguramente ter contribuído mais anos para o legado artístico mundial.

homem de bata branca

João Eurico Cabral da Fonseca

Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa

Serviço de Reumatologia e Doenças Ósseas Metabólicas, Hospital de Santa Maria, CHULN

Unidade de Investigação em Reumatologia, Instituto de Medicina Molecular