No domínio pedagógico, o Instituto de Bioquímica tem sido a unidade que assegura o ensino desta área disciplinar no Mestrado Integrado de Medicina, no Mestrado Integrado de Engenharia Biomédica, na Licenciatura de Ciências da Saúde, na Licenciatura em Ciências da Nutrição e no Mestrado de Doenças Metabólicas e Comportamento Alimentar. A atividade pedagógica pauta-se por um ensino centrado no aluno e com uma forte aposta experimental.
A investigação realizada no Instituto de Bioquímica tem contribuído de forma relevante para o avanço do conhecimento ao nível do desenvolvimento de estratégias terapêuticas inovadoras e identificação de novos biomarcadores e alvos terapêuticos.
Os investigadores do Instituto de Bioquímica têm consolidado linhas de investigação entrecruzadas em alguns domínios específicos focados em membranas e endotélios, compreendendo a organização supra-molecular de lípidos e a estrutura e função de barreiras endoteliais. A interação de fármacos e biomoléculas com os lípidos e receptores de membrana tem particular relevância, assim como o crescimento e patologias do endotélio vascular, e translocação de modelos de barreira hemato-encefálica. O novo conhecimento gerado com os projectos de investigação neste domínio têm particular relevância nos seguintes campos da medicina: mecanismos de infeções microbiológicas e virais e sua inibição, desenvolvimento de estratégias químicas e físicas antitumorais de alta seletividade, inflamação e fatores de risco cardiovasculares.
Em 2018 o Instituto manteve a sua aposta em:
- privilegiar a formação de jovens doutorandos e promover a sua mobilidade internacional no contexto de projetos em curso financiados pela FCT, NIH, ERANET e H2020.
- continuar uma elevada internacionalização, com projetos de colaborações efetivas com vários países, que se traduzem concretamente em publicações conjuntas e projetos financiados conjuntos, sediados em Portugal ou no estrangeiro (vide secções respetivas neste relatório)
- cruzar a actividade científica com a actividade pedagógica. Os melhores alunos da FMUL e de outras faculdades são encorajados a realizar os seus estágios de investigação laboratorial ou clinico-laboratoriais, projetos GAPIC ou projetos de mestrado no Instituto de Bioquímica. Os programas das aulas ministradas por docentes do Instituto de Bioquímica beneficiam de uma atualização constante por terem docentes ativos em investigação científica.
- manter uma ligação constante a comunidades científicas relevantes no domínio da Bioquímica, em particular nas especialidades em que desenvolvem investigação. Assim, docentes do Instituto de Bioquímica desempenham papéis relevantes na Federation of European Biochemical Societies (FEBS), European Biophysical Societies Association (EBSA), European Peptide Society (EPS), Sociedade Portuguesa de Bioquímica (SPB) e Sociedade Portuguesa de Biofísica (SPBf).
O Instituto de Bioquímica e o nascimento da Bioquímica em Portugal a partir de excertos de:
A emergência da bioquímica em Portugal: as escolas de investigação de Marck Athias e de Kurt Jacobsohn.
Isabel Amaral, Edições Fundação Calouste Gulbenkian 2006.
“Em Portugal, a especialização nas ciências biológicas deu-se no início do século passado, e resultou da definição de um conjunto de variáveis que, interagindo de forma articulada, concorreram para que (…) especialidades como a fisiologia e a histologia se estabelecessem no seio da Faculdade de Medicina de Lisboa e, elas próprias, tivessem dado origem ao aparecimento de outras especialidades, entre as quais se situa a bioquímica. As variáveis que entendemos terem sido cruciais para a contextualização da problemática do surgimento das especialidades biológicas em Portugal, em particular, no período em que a escola de investigação de Marck Athias se afirmou, são as seguintes: os pressupostos que estiverem na origem da criação das universidades de Lisboa, Porto e Coimbra, com as respectivas faculdades, em 1911; as reformas do ensino médico de 1911 e de 1923, que foram privilegiando a investigação científica, e a criação de um organismo estatal de apoio à investigação laboratorial, em 1929.
(…) Foi criada em 1929 a Junta de Educação Nacional concebida à semelhança da Junta para Aplicación de Estúdios e Investigaciones Científicas. Criada em Madrid, em 1908, foi presidida por Ramón y Cajal, que havia sido mestre do médico português, Marck Athias, membro da primitiva Junta de Educação. A Junta de Educação Nacional era um organismo estatal vocacionado para o apoio à investigação nacional com objectivos bem precisos:
promover e auxiliar por todos os modos a investigação científica, organizar bolsas de estudo no país e no estrangeiro, velar pela colocação dos antigos bolseiros, o intercâmbio cultural e a expansão da língua portuguesa, no estrangeiro, estabelecer escolas de ensino pedagógico, subsidiar publicações científicas, promover a melhoria progressiva da educação nacional.
A partir de 1934 a presidência da Junta passou a estar a cargo de Celestino da Costa, também ele um promotor do desenvolvimento científico português e um dos discípulos mais proeminentes de Marck Athias.
Os três elementos principais sobre os quais assentariam as bases para a criação de uma universidade moderna, apostada na prática experimental aplicada ao ensino e à investigação das várias especialidades biológicas estavam assim lançadas a partir da Faculdade de Medicina de Lisboa, no princípio do século passado: as reformas que conduziram à criação da própria faculdade, as reformas no ensino e a existência de um organismo estatal de apoio à investigação. É a partir deste triângulo estratégico, que toda a actividade e dinamismo da escola de investigação de Marck Athias se irá estabelecer e prolongar pelas décadas seguintes.
Entre 1885 e 1887, Miguel Bombarda teve um papel activo e determinante nos debates que se realizaram na Sociedade de Ciências Médicas sobre a validade das técnicas pasteurianas o que acabou por dar razão aos adeptos da nova ideologia científica de carácter materialista que explicava a evolução da matéria inerte até ao homem, de acordo com a filosofia monista de Haeckel. Para além das teorias transformistas e do meterialismo de Haeckel, Bombarda tornou-se também adepto da teoria de Ramón y Cajal que procurava explicar a independência dos elementos constituintes do sistema nervoso, por esta justificar a sua interpretação das funções psíquicas baseada na hipótese de que as conexões entre os elementos nervosos poderiam modificar-se, interrompendo-se ou restabelecendo-se, consoante as circunstâncias. Numa das sessões da Sociedade das Ciências Médicas, Bombarda chegou a afirmar que “o neurone move-se e porque se move pensa e sente”, posição que lhe valeu a eclosão das críticas do Padre Manuel Fernandes Sant’Ana com o qual manteve uma acesa polémica, desde então, e o conduziu a uma posição política de anti-clericalismo intransigente.
Estas motivações ideológicas estiveram muito presentes na obra que Bombarda liderou e que culminaria com a formação e consolidação de uma comunidade médica em meados do século passado. Esta adoptou, a par de uma concepção materialista das especialidades biológicas, uma postura de inspiração comteana que valorizava as práticas experimentais e a ciência em geral, das quais Athias e a sua escola viriam a ser pioneiras.
Foi o empenhamento de Marck Athias na vertente experimental da medicina que permitiu criar as condições propícias ao nascimento da bioquímica em Portugal. A passagem de uma formação eminentemente teórica a outra com características marcadamente experimentais não foi fácil, cabendo a Athias um papel decisivo: foi forçado a lutar contra a mentalidade vigente com parcos meios de financiamento da investigação e, de início, com condições laboratoriais rudimentares, não só logísticas como também de equipamento.
No período em que a escola de investigação se desenvolveu foram erguidas as estruturas sociais logísticas e epistemológicas basilares da comunidade médica de Lisboa, nas primeiras décadas do séc. XX: reformou-se o ensino, surgiram as especialidades, criaram-se laboratórios e institutos de investigação, formaram-se investigadores, fundaram-se revistas e sociedades científicas, privilegiando assim um novo modelo de ensino universitário em que os docentes passaram a ser julgados não pela sua erudição livresca, mas pela sua capacidade de produzir saber original com base na experimentação. A escola de investigação de Marck Athias criou assim as condições para a emergência da bioquímica em Portugal.
Em 1909, e por intervenção de Miguel Bombarda, foi designado pelo governo para visitar, durante três meses, alguns laboratórios e fábricas de equipamento laboratorial no estrangeiro, juntamente com Pinto de Magalhães. Visitou laboratórios de fisiologia e histologia belgas franceses alemães e suíços no sentido de adquirir conhecimento e contactos para posteriormente equipar laboratórios e bibliotecas, na Faculdade de Medicina de Lisboa. A 9 de Novembro de 1910 Marck Athias substituiu Miguel Bombarda na cátedra de Fisiologia, para a qual foi nomeado com dispensa de provas públicas, e um ano depois, instalou o Instituto de Fisiologia na FMUL. Em 1919, foi nomeado professor de histologia e fisiologia e director da biblioteca de Faculdade.
A química fisiológica foi de todas, a área em que Athias menos se apoiou, embora frequentemente a tivesse referido como uma das lacunas na interpretação cabal dos seus resultados experimentais, por sentir que esta se encontrava pouco desenvolvida entre nós, e por não possuir formação específica. No entanto, o facto de não contar na sua bibliografia científica com um número significativo de artigos científicos, neste âmbito, não significa que não tivesse contribuído para que a química fisiológica se tornasse uma disciplina autónoma. De facto ao organizar o espaço laboratorial do Instituto de Fisiologia que passou a dirigir a partir de 1911, na Faculdade de Medicina, não deixou de lhe atribuir um espaço específico de investigação. Além disso, nomeou um dos seus primeiros assistentes Ferreira de Mira, para assumir a responsabilidade total da disciplina, do ponto de vista da docência e da investigação. Este discípulo viria a contribuir decisivamente para o rumo da investigação científica em Portugal, no âmbito das ciências biológicas da qual a bioquímica seria a principal beneficiária.
Desde que o beribéri foi atribuído a uma carência de vitamina B1 (tiamina, aneurina) a bioquímica tem procurado conhecer a acção fisiológica desta substância no organismo. Desde a década de 30 do século passado, são conhecidos dois alvos essenciais sobre os quais a vitamina B1 exerce uma influência decisiva nos organismos vivos: no metabolismo dos glúcidos e sobre o sistema nervoso.
Os primeiros trabalhos da escola de investigação de M. Athias nesta área conduziram ao estabelecimento da relação entre a acção da aneurina e o metabolismo dos glúcidos. Os tecidos de animais em avitaminose quando em presença de glucose ou de produtos do metabolismo deste composto, como sejam o ácido purúvico ou o ácido láctico, consomem menos oxigénio do que normalmente, consumo este que se restabelece por adição de tiamina.
(…) a escola de investigação seguiu uma trajectória que a aproximava da bioquímica através dos métodos utilizados para obter a desintegração da vitamina B1 in vivo, e para o estudo da acção da aneurina sobre a actividade enzimática da colinesterase.
Os estudos sobre a cápsula supra-renal iniciaram-se em 1911 no Instituto de Fisiologia utilizando-se apenas ferramentas de abordagem próprias da fisiologia mas a pouco e pouco foram sendo incorporados métodos da bioquímica. A partir de 1929, estes estudos passaram a ser realizados no Instituto Rocha Cabral e envolveram investigadores comuns à escola de Marck Athias e de Kurt Jacobsohn.
Ferreira de Mira e Joaquim Fontes realizaram, de início, vários trabalhos de índole puramente fisiológica em que verificaram que a extirpação destes órgãos provocava modificações desfavoráveis no comportamento dos músculos esqueléticos (maior fatigabilidade) e dos músculos lisos (diminuição da actividade automática). Depois tentaram enveredar pela interpretação fisiológica baseada em resultados químicos, permitindo assim estabelecer uma aproximação à bioquímica através da fisiologia. Neste contexto alguns aspectos abordados nas investigações efectuadas por estes autores foram inovadores sob este ponto de vista. Verificaram que os efeitos desfavoráveis não eram devidos à falta de adrenalina, mas à de outras substâncias existentes na glândula, como uma hormona córtico-supra-renal, e que a extirpação do cerebelo provocava uma alteração dos compostos fosfóricos existentes nos músculos, procurando depois relacionar a fadiga com alguns destes compostos neles existentes. Para estes trabalhos, contaram com a colaboração de Anselmo da Cruz que depois se especializou no domínio de técnicas bioquímicas e da cinética enzimática, no grupo de investigação de Kurt Jacobsohn (…), o bioquímico que Ferreira de Mira tinha contratado poucos anos antes.”
(Excertos seleccionados por Professor Doutor M. Castanho, Instituto de Bioquímica)
Breve cronologia do Instituto de Bioquímica
(Autoria: Professora Doutora Carlota Saldanha)
Em 1982 criou-se o Instituto de Bioquímica (IB) em espaço próprio e com um grupo de docentes e investigadores provenientes do Instituto de Química Fisiológica (IQF), fundado em 1965.
Em 1999 por ocasião da jubilação do director do IQF o Professor Carlos Manso ocorreu a fusão estrutural dos dois institutos passando os docentes e investigadores do IB para as instalações do IQF e sob a liderança do fundador do IB, o Professor Martins e Silva. De 2001 a 2007 o IB teve a Professora Carlota Saldanha como directora interina. Em 2004 houve outra mudança de espaços mas desta vez para novas instalações da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL), o Edifício Egas Moniz no qual o IB se tem mantido. A partir de 2007 o Professor Miguel Castanho assumiu o cargo de director do IB.
O ensino da disciplina de Química Fisiológica começou em 1918 integrado com o da Fisiologia e separar-se-ia em 1931 para ser leccionado no 2º ano da licenciatura em medicina. Em 1975 deu-se a extinção da disciplina de Química Médica leccionada na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e iniciou-se o ensino da disciplina de Bioquímica na FMUL da responsabilidade do IQF. No ano lectivo de 1981/1982 o IB e o IQF ficaram respectivamente responsáveis pelo ensino da Bioquímica e da Química Fisiológica.
Os nomes das disciplinas foram modificados para Bioquímica Celular e Bioquímica Fisiológica aquando da alteração parcial do plano de estudos da licenciatura em medicina em 1995. Naturalmente em 1999 as duas disciplinas ficaram adstritas ao IB e a colectânea publicada em 2010 intitulada “Bioquímica em Medicina”com 3 volumes (vol I – Análises e Perspectivas; vol II – Metodologias e Programas de Estudo; vol III – Mapas Metabólicos e Outros Esquemas) dos editores Professores Martins e Silva e Carlota Saldanha, encontra-se nas bibliotecas do IB, da FMUL e no reportório da UL e relata-nos a vivência dos 26 anos do ensino aprendizagem da Bioquímica na FMUL.
Com a revisão curricular de 2007 os conteúdos programáticos das duas disciplinas passaram para os Módulos dos Sistemas Orgânicos e Funcionais do Mestrado Integrado de Medicina constituindo a componente bioquímica coordenada pelo Professor Miguel Castanho.
Os vários docentes investigadores que integraram o IB desde a sua fundação e até 2007 dedicaram-se à investigação de temas das áreas básica e de translação com a clínica.