Para celebrar os 20 anos do Mestrado em Cuidados Paliativos na FMUL, o Diretor do Serviço de Gastroenterologia e Professor coordenador da Comissão Científica do Mestrado em Cuidados Paliativos, Rui Tato Marinho, organizou uma discussão sobre o tema “Portugal Paliativo: Panorama Atual.” Foi contada a história dos Cuidados Paliativos no Hospital de Santa Maria, desde os neonatais até aos adultos. Na discussão foi abordada a necessidade de se investir mais nesta área, até para acompanhar o sentido que se verifica nos restantes países, com Espanha mesmo aqui ao lado a ter uma aposta forte nos paliativos.
Apesar da legislação com a criação da Lei de Bases dos Cuidados Paliativos que data de 2012, que consagra o acesso a estes cuidados como um direito de todos, a verdade é que de acordo com os números facultados pela OMS, apenas 10 por cento da população que precisa deste tipo de abordagem clínica, consegue efetivamente aceder a ela. Diversos fatores contribuem para esta realidade: a primeira e a mais evidente é a falta de equipas especialistas em Cuidados Paliativos. Dentro desta, temos ainda a discussão do que é ser efetivamente especialista na área, "ter uma formação na área dos paliativos sem estágio nem prática clínica, não pode conferir a especialização”, disse Isabel Galriça Neto, mas todos os participantes concordaram. Esta área não pode continuar a ser considerada menor do que as restantes e tanto os profissionais de saúde como a sociedade civil têm de perceber de uma vez por todas que falar em Cuidados Paliativos é falar em dar aos doentes os cuidados que, efetivamente, precisam e, quanto mais cedo isso acontecer, melhor será para a manutenção da vida e do seu bem estar. Falar em Cuidados Paliativos está indiscutivelmente associado ao fim de vida e isso é um mito que importa esclarecer. Trazer os profissionais das várias áreas da medicina incluindo as UFS, para discutir o tema, é muito importante. Os médicos precisam de identificar os doentes de doenças crónicas complexas, o mais cedo possível, e encaminhá-los para os Cuidados Paliativos para que lá tenham acesso às terapias multidisciplinares, integradas. Estes são os cuidados a que todos têm o direito de usufruir segundo a legislação portuguesa, mas mais do que ter a parte teórica fundamentada, importa aplicar no dia a dia a razão da sua criação que é de dar resposta aos utentes que estão na situação de receber este tipo de tratamento.
Disciplina obrigatória pode fazer a diferença
Muito já foi feito e a FMUL terá dado um dos primeiros passos nesse sentido: a formação dos médicos, com o aparecimento de uma disciplina de Cuidados Paliativos. “Atualmente, todos os alunos do Mestrado Integrado em Medicina (MIM) têm no 4º ano uma disciplina de Cuidados paliativos, obrigatória,” disse Paulo Pina Professor e Doutor em Cuidados Paliativos. Futuramente, estes médicos terão uma abordagem diferente quando falarem de Cuidados Paliativos, ou pelo menos é isso que se espera que aconteça. A Enfermeira Catarina Pazes frisou muito este assunto da formação porque, se nem os médicos percebem o que são os Cuidados Paliativos, como podemos falar de literacia na sociedade civil? Filipa Tavares acentuou esta abordagem e trouxe o tema das perfusões e a facilidade com que se recorre a elas. Rui Sousa Silva falou do papel das USF e do número de pessoas - entre 90 a 100 mil - que precisam de Cuidados Paliativos. Se estes forem, como devem ser, alargados aos familiares, que peso terão no SNS? É, por isso, necessário apostar na gestão inteligente dos recursos que hoje existem nesta área de maneira a rentabilizar e tornar eficiente um serviço que não dá resposta aos cerca de 100 mil portugueses que precisam destes cuidados, que são muito mais que uma festinha na mão ou “amor e carinho”, como disse Isabel Galriça Neto.
Um Olhar Ao Hospital de Santa Maria
A médica Graça Oliveira, coordenadora da Equipa Intrahospitalar de suporte em Cuidados Paliativos Pediátricos do CHULN, traçou o plano dos Paliativos na subespecialidade de neonatologia. O que são os Cuidados Paliativos Perioneonatias? São os que envolvem o feto e recém-nascido com diagnóstico de uma doença de tempo de vida limitado e ou potencialmente fatal. São situações éticas delicadas, humanas, emocionalmente e espiritualmente muito difíceis e complicadas de abordar e cuidar adequadamente.
A implementação de Cuidados Paliativos Perinatais tem impacto positivo na melhoria dos cuidados de saúde.
Estima-se que existam, em Portugal, cerca de 8 mil crianças/adolescentes com doença crónica complexa com necessidades paliativas, as mais frequentes são do foro neurológico, cardiovascular, oncológico e genético/perinatal.
Anualmente, morrem em média 200 crianças sendo que metade da morbilidade acontece no primeiro ano de vida e muitos em contexto hospitalar.
Na pediatria, subordinado ao tema “os mais crescidos”, quem falou foi Maria João Palaré coordenadora da equipa intrahospitalar de suporte em Cuidados Paliativos Pediátricos.
O objetivo dos Cuidados Paliativos Pediátricos é o de assegurar que desde o diagnóstico todos os doentes em idade pediátrica (recém-nascidos, crianças e jovens) portadores de doença crónica complexa, limitante ou ameaçadora da vida e suas famílias, recebam cuidados de saúde de acordo com as suas necessidades, desejos e preferências até e para além da morte. Em Portugal, 8 mil crianças precisam destes cuidados. No Hospital de Santa Maria existem duas equipas para dar resposta a este universo.
Por se tratar de um assunto tão sensível, faz sentido seguir este caminho. Não esquecer que depois da morte o acompanhamento continua e há aconselhamento genético, muito importante para prevenção de casos futuros, a caixa de memórias, o respeito e a promoção dos rituais da família, usar a roupa escolhida, esclarecimento do diagnóstico, doação de órgãos entre outros. Todo este processo é acompanhado de grande sofrimento e tem de haver sensibilidade e respeito. Há ainda um aspeto muito importante que é a capacidade que as equipas devem ter de se fazer entender às vezes com interlocutores muito diferentes.
15 anos de Cuidados Paliativos em Santa Maria
Filipa Tavares, da Unidade de Medicina Paliativa na Hospital de Santa Maria veio falar desta realidade nos maiores de 18 anos. A primeira equipa constituída foi há 15 anos e neste momento existem 950 camas disponíveis para receber estes doentes, no hospital de Santa Maria e no hospital Pulido Valente. Quatro Equipas de Cuidados Continuados Integrados (ECCI´s) e 3 Unidades de Cuidados Paliativos (UCP´s). Médicos, Enfermeiros, Assistentes Sociais, Psicólogos entre outros profissionais trabalham diariamente para dar consultas, fazer acompanhamento inclusivamente via telefone ou mail e estabelecer elos de ligação de forma a que os doentes possam ter o melhor acompanhamento possível. Esta equipa que tem já 15 anos, tem feito um percurso evolutivo e é assim que se pretende que continue no futuro.
Neste dia, em que os profissionais falaram do dia a dia de quem trabalha nesta unidade, ouvimos também o testemunho de Margarida Leal, mãe da Inês de 16 anos que sofre de paralisia cerebral e é acompanhada na Unidade de Cuidados Paliativos. Falou da importância do acompanhamento das equipas multidisciplinares, do descanso do cuidador e de que forma ter apoio domiciliário é uma mais valia na sua vida e na da filha. Maria Inês é seguida no Hospital de Santa Maria nas consultas de Neurologia, Fisiatria e Patologia do Sono.
Dora Estevens Guerreiro
Equipa Editorial