Foi o que o Instituto de Medicina Molecular (iMM) fez. Decidiu levar a Ciência até aos mais pequenos e juntou um grupo de 6 mulheres cientistas que se deslocaram até à Pediatria do Centro Hospitalar Lisboa Norte (CHULN). Todas vestidas a preceito com camisolas pretas e bolas azuis da cor do Instituto, as cientistas tinham à sua espera um séquito de pequenos curiosos cujas maleitas do internamento em Santa Maria não os demovia de ali estar.
O Daniel, a Laura, o Sajo, a Inês, o Christian e a Mariana iam chegando, em compasso suave, acompanhados ou pelas educadoras do Hospital, ou os pais. Seis pequenos cientistas mal sabiam que lhes esperava um speed dating, termo muito esquisito como os cheiros estranhos que lhes deram a sentir para perceber que paladar e olfato andam de mãos dadas para apurarmos os sentidos.
Numa sala que se enchia tanto de pequenos como de graúdos, eram os mais velhos que quebravam primeiro o gelo da comunicação e iam cheirando o chocolate em pó, ou a canela. Dos cheiros, passaram às provas. Entre adultos tapavam o nariz e mergulhavam um cotonete que trazia o sabor a adivinhar. “O que é este líquido castanho? Posso provar isto?”, perguntavam tão intrigados quanto os pequenos que iam virando as cabeças como se assistissem a um disputado jogo de ténis. “Agora destapem o nariz enquanto provam”, havia euforia na sala, como uma avalanche em que os sentidos afinal correspondem àquilo que esperávamos deles. Entreolhavam-se e trocavam palavras como se a magia tivesse ali aparecido subitamente, “é café, como é que o meu paladar não me disse isso? Foi preciso destapar o nariz”. Afinal a Ciência estava a tomar conta também dos adultos.
Os pequenos olhavam com ar insólito e riam como se assumissem eles o controlo da sala polivalente do piso 6, desculpem, do laboratório de investigação. Sem a euforia dos adultos tinham então entendido que há uma memória para os cheiros e sabores, a memória olfativa e degustativa, e que ao longo da vida a vamos apurando, aprendendo a distinguir o café do limão, ou o alho da canela. Sabemos também que a língua, músculo que mais mexe no nosso corpo e em todas as direções, é como uma cidade cheia de bairros, já que cada bairro tem a sua diferente característica: o salgado, o doce, ou o amargo.
O Daniel é o mais pequeno, de pernas a abanar na cadeira, os pezinhos não lhe chegam ao chão, já o cabelo espetado parece querer tocar o teto cheio de cor. Discreto, chama uma das cientistas, Rita Fragoso, pós-doutorada do laboratório de João Barata e diz-lhe segredos, tapa o nariz a imitar os adultos, mas não prova nada. Estão internados e não sabemos que intolerâncias podem ter, por isso nada se arrisca com eles. Na verdade sabemos o nome e nada mais, não vá a realidade trair a alegria do momento.
“E quem sabe ler?”, perguntava Sandra Vaz, pós-doutorada do laboratório da Profª. Ana Sebastião? “Oh todos sabem, menos o Daniel”. Numa folha, que entregava a cada um dos presentes, cada palavra dizia uma cor, no entanto essa mesma palavra estava com uma cor diferente daquela que designava. Confuso? Sim, era esse o propósito. A ideia era perceber que ao ver uma cor e uma palavra, aquilo que o cérebro captava primeiro era a palavra e não a cor real. A predominância era o que estava escrito e não o real e foi por isso que o pequeno Daniel foi o único a não errar, dizendo as cores todas certas, precisamente por ainda não saber ler.
Chegava finalmente aquela coisa estranha em estrangeiro que não se percebe nada do que é, speed quê? Arrastavam-se as cadeiras e agrupavam-se os pequenos cientistas em cada mesa onde uma cientista era a protagonista da história. A sala enchia-se entre risos e um barulho de curiosidade contagiante.
Cada cientista explica algo diferente, recorrendo a neurónios de peluche como fez a Isaura Martins, pós-doutorada do laboratório da Profª. Leonor Saúde, ou mostrando uma célula muscular de plástico, trazida pela Judite Costa, pós-doutorada e lab manager do laboratório do Prof. Edgar Gomes. Se os neurónios explicavam o percurso pela espinhal medula que muitas vezes, por sofrerem danos, incapacitam-nos de movimentos causando problemas de comunicação interna; já as células musculares eram explicadas como pequenos tijolos que todos juntos são uma casa que é o corpo humano. “Veem estas bolinhas azuis dentro dos músculos? Olhem para dentro deste músculo”, dizia a cientista Judite, enquanto mostrava marcadores de papel que mais pareciam quadros do Klimt. O nosso olhar mergulhava fascinado. “Estas bolinhas estão dentro das células e chamam-se ADN, ou seja, é a informação que está no núcleo de cada célula e que se herda do pai e da mãe”. O Christian, que naquele dia fazia anos, ficou espantado como é que a cientista Vanessa Luis, pós-doutorada do laboratório da Profª. Maria Mota adivinhara que ele devia ter uma mãe ou pai loiros de olhos azuis, tal e qual como ele. Afinal as cientistas também tinham qualquer coisa de premonitórias.
Cinco minutos passados e trocavam-se as cientistas do speed dating.
O melhor estava ainda guardado, os 6 incríveis iam pôr mãos à obra e seriam apresentados ao ADN da banana. Incrível, afinal tudo o que é vivo tem ADN, os olhos da Mariana brilhavam como se alguém lhe tivesse aberto uma nova porta ao mundo. A cientista Inês Bento, vencedora do Prémio L’Oreal como umas das Mulheres na Ciência, cortava a banana em pedaços, esmagando-a num saco de plástico. Ansiosos por serem eles a fazer tudo, distribuíram-se por todos pequenos pedaços da banana, para que os próprios a amassassem. Momento perfeito para muitos se sujarem de tanto esmagar o que já estava desfeito. “Estão a ver isto? A este tubo de ensaio adicionamos a banana esmagada, o detergente e uma colher de sal, é como fazer um bolo, têm de colocar as quantidades certas. O objetivo é rebentar as paredes e membranas das células para retirar o ADN”. Depois de tudo misturado e de alguns da fila da frente se desviaram com medo de uma qualquer explosão imaginária, vinha o último toque mágico. A cientista Inês passava toda a mistela por um filtro de café, deixando cair um líquido mais limpo, e a este adicionava agora álcool frio. “Mistura-se o álcool e dá-se magia, o ADN fica como um novelo branco e aparece toda a informação genética da banana. Mas isto não é como o CSI, no laboratório precisamos de fazer várias experiências para descobrir quem é a banana criminosa”.
Da primeira hora passada onde a pequena Inês internada e de cadeira de rodas nunca esboçara uma expressão, nascia agora o espanto rendido. Erguia no ar um pequeno tubo e contemplava o ADN como um presente do Pai Natal acabado de cair na chaminé. Aqueles pequenos acabavam todos de se tornar oficialmente cientistas. O Sajo, jovem guineense sempre de sorriso largo, ajuda uma das educadoras a identificar um dos tubos de ensaio. A educadora engana-se na designação e o Sajo corrige-a, é normal, afinal as educadoras não são experientes cientistas como eles.
Já ao colo da mãe, o Daniel continua a baloiçar as pernas, enquanto atravessa com o olhar vivo o pequeno tubo que guarda o ADN, vai levá-lo com ele, já ninguém o separa mais da sua nova melhor amiga, a banana. “Daniel devemos sempre colocar a data no tubo para saber de quando é a amostra do ADN”, afirma a cientista Rita. “Mãe, que dia é hoje?”, pergunta então o Daniel.
Talvez nenhum deles soubesse que dia era porque estão todos internados, alguns há mais dias. Perdem a noção do tempo que de alguma forma lhes é roubado pela realidade. Mas é esse tempo que lhes é igualmente devolvido, através de um vivo grupo de cientistas que, como por magia, fazem com que a vida seja uma exclamação só.
Uau!
O Clube de Ciência do iMM é uma ideia original de Inês Domingues do Communication Office do iMM e de Cláudia Faria, neurocirurgiã do CHLN e cientista do iMM, que tem como objetivo despertar a curiosidade dos mais jovens pela ciência e em particular, pelas ciências da vida, promovendo o espírito crítico, a literacia científica e em saúde. Pretende ainda aproximar os cientistas do iMM e os profissionais de saúde (médicos e enfermeiros) e educadores e professores do serviço de Pediatria.
Joana Sousa
Equipa Editorial