Espaço Aberto
Colaboradores Insuspeitos na Investigação em Medicina
Na história da Medicina, a investigação biomédica tem vindo a desempenhar um papel cada vez mais relevante, em particular ao nível da contribuição para um melhor conhecimento dos mecanismos associados às doenças e do desenvolvimento de novas terapêuticas.
O trabalho laboratorial na área da investigação, embora sujeito a uma evolução considerável da aparelhagem, das técnicas e dos utensílios, tem vindo a beneficiar de uma coadjuvação peculiarmente valiosa, a qual se tornou tão influente como o progresso imparável das novas tecnologias biomédicas.
Não sendo oportuno, no âmbito deste sintético artigo, abordar determinadas problemáticas associadas à Bioética, torna-se necessário no entanto referir também o papel dos nossos “colaboradores insuspeitos na investigação em medicina” na resolução de alguns vazios, sobretudo os surgidos após a crise profunda e contestação pública à experimentação biomédica em resultado da utilização criminosa e abusiva de seres humanos, durante a Segunda Guerra Mundial.
Estas e muitas outras questões de natureza prática, filosófica e deontológica, acentuaram o uso de modelos animais em laboratório, designadamente, a partir da segunda metade do século XX.
No entanto, o cidadão comum desconhece, por exemplo, que alguns dos mais populares peixes ornamentais são dignos do nosso respeito e admiração, sobretudo pelo papel que têm vindo a desempenhar em inúmeros laboratórios de importantes centros de investigação, dos quais não se exclui o Instituto de Medicina Molecular (I.M.M), nomeadamente, no caso de um dos exemplos aqui abordados, como vamos ter oportunidade de descobrir mais adiante.
Dada a complexidade do assunto, iremos, porém, (re)conhecer somente 3 peixes que funcionam como modelos animais sendo, a par disso, populares favoritos de aquário.
O primeiro exemplo está intimamente ligado à pesquisa das doenças oncológicas. As espécies em causa tornam-se especialmente importantes e ajustadas à compreensão e estudo dos mecanismos ligados ao desenvolvimento e progressão dos tumores, inclusivamente a um nível molecular e genético.
Para a análise e investigação sobre a formação de melanomas “in vivo”, estes modelos permitem aos investigadores uma melhor compreensão dos processos intracelulares que são responsáveis pela transformação de células saudáveis e de pigmentação normal em tumores.
Dado que não estou de todo habilitado para ir mais longe em questões de natureza técnica (e dada a intenção mais informal e lúdica deste artigo), passemos, rapidamente, a alguns detalhes, não menos interessantes, sobre cada caso em particular.
Este primeiro protagonista é na realidade um grupo inteiro.
Reconhecido pela sistemática e pela taxinomia dos seres vivos como género Xiphophorus (da família Poeciliidae; subfamília Poeciliinae), tal significa que não estamos a falar de um único peixe, mas que estamos perante 23 potenciais espécies, algumas delas já extintas ou enfrentado grave ameaça de desaparecerem para sempre a curto prazo.
Os 23 Xiphophorus podem, por sua vez, ser divididos em 3 grandes conjuntos, a saber; os Caudas-de-Espada do Norte, os Cauda-de-Espada do Sul e os Platies. São todos originários de bacias hidrográficas que descem das terras altas da América Central em direcção ao Oceano Atlântico, nomeadamente no México, Guatemala, Belize e Honduras, ainda que a maioria das espécies deste género, hoje descritas pela ciência, sejam primordialmente, encontradas apenas em sistemas hidrográficos mexicanos.
Se os nomes populares “Espada” ou “Platy” lhe dizem algo, é muito provável que já tenha mantido no seu aquário estes harmoniosos peixes ornamentais, que os tenha, simplesmente, conhecido através da literatura ou até que já lhe tenham chamado à atenção nalguma loja de animais de estimação, uma vez que 3 destas espécies, em particular, são casos de extrema popularidade na aquariofilia... desde há praticamente 100 anos a esta parte.
Uma singularidade, que os tornou tão comuns em cativeiro, foi o facto de serem ovovivíparos, ou seja, embora não constituam um verdadeiro caso de viviparismo, também dão à luz crias plenamente desenvolvidas (quase autênticas cópias em miniatura dos adultos), após um período de gestação variável que dependente muito da alimentação e de factores ambientais como a temperatura da água, a respectiva química ou outros estímulos menos bem compreendidos.
Por volta da década de 1920, descobriu-se que era relativamente fácil conseguirem-se híbridos entre as diferentes espécies de Xiphophorus. A característica mais notável e invulgar destes híbridos é o facto de serem férteis e, consequentemente, serem capazes de produzirem a sua própria descendência.
Mas, em que medida é que essa descoberta contribuiu para ajudar a medicina?
Para além de ser um fenómeno comum a certas populações específicas, nos híbridos em particular, ocorre com frequência uma pigmentação inédita, a qual tem origem nos genes de apenas um dos progenitores. Apesar de não se manifestar em nenhuma das espécies originárias, essa particularidade evidencia-se na respectiva descendência híbrida.
Os investigadores descobriram, então, que alguns destes híbridos desenvolviam muito facilmente melanomas, um dos mais mortíferos cancros da pele da actualidade. Nos Xiphophorus, estes melanomas resultam de padrões cromáticos melanísticos irregulares que ocorrem nalgumas das espécies mas, sobretudo, com elevadíssima incidência em muitos dos híbridos.
Imediatamente, se começaram a estudar em particular os resultados dos cruzamentos entre várias espécies, uma vez que os cientistas tomaram consciência que tinham descoberto um modelo animal que se viria a revelar extremamente útil na pesquisa desta doença oncológica. De facto, as células que desenvolvem melanomas nestes peixes são comparáveis às células humanas (propensas ao mesmo processo), em termos bioquímicos, morfológicos e fisiológicos.
Muito menos conhecido e popularizado como peixe de aquário em Portugal é, sem dúvida, uma das várias espécies de Medaka, a Oryzias latipes (família Oryziinae).
As linhagens mais vulgares em laboratório foram, pela primeira vez, utilizadas no seu país de origem, o Japão, onde a espécie é cultivada como peixe ornamental desde, pelos menos, o século XVII.
Em 1994, este simpático peixinho foi incluído numa das missões espaciais da NASA, a bordo do vaivém espacial “Columbia”, durante a qual se viria a tornar no primeiro vertebrado a procriar em órbita. Os descendentes provenientes dessa experiência eram perfeitamente saudáveis e a sua linhagem ainda hoje é famosa. Para quem tiver a curiosidade e quiser aprofundar este caso, aconselho a hiperligação - http://cosmo.ric.u-tokyo.ac.jp/SPACEMEDAKA/IML2/e/text/textcontents_E.html.
A carreira laboratorial desta espécie sendo mais recente do que a dos Xiphophorus, não deixa de ser igualmente admirável.
A Medaka também está ligada à investigação das doenças oncológicas mas, ao contrário dos Espadas e Platies, é empregue numa mais vasta multiplicidade de campos de pesquisa, como a genética, o estudo da fertilização, a embriologia e a biologia do desenvolvimento.
Para além de suportar uma amplitude térmica muitíssimo mais dilatada do que qualquer Xiphophorus, (o que torna a espécie Oryzias latipes um animal de laboratório mais adequado aos climas temperados), tornou-se analogamente um modelo animal de eleição, devido ao respectivo ciclo de vida relativamente curto, à relativa facilidade de reprodução em cativeiro e ao seu reduzido tamanho em adulto (cerca de 4 cm).
As mutações da Medaka constituíram, ainda, um caso lendário por, através destas, se terem podido comprovar as Leis de Mendel pela primeira vez em peixes. Para além dessa particularidade, foi, ainda, o primeiro animal no qual foram conseguidas reversões sexuais completas, em ambos os sentidos, após serem administradas hormonas sexuais ainda em fase larvar.
O terceiro e último exemplo é o do Peixe-Zebra (ou simplesmente Zebra para os amigos). Cientificamente é conhecido como Danio rerio e é o único dos “colaboradores insuspeitos na investigação em medicina” que está (ao que eu saiba) presentemente a ajudar os investigadores no Instituto de Medicina Molecular (I.M.M.), contando mesmo com uma unidade que lhe é inteiramente dedicada. (cf. http://imm.fm.ul.pt/web/imm/zebrafishfacility).
É um antigo favorito dos aquariófilos, embora a sua notoriedade, provavelmente, nunca venha a suplantar a fama e a popularidade dos 3 Xiphophorus mais conhecidos.
Já no que diz respeito ao laboratório, embora a sua “carreira” seja mais recente do que qualquer dos restantes notáveis deste artigo, a respectiva reputação tem vindo a assumir proporções assombrosas.
Este pequeno peixe, de 4 a 5 cm apenas, é considerado vulgarmente um animal tropical. Na realidade trata-se de uma espécie que possui, ainda, uma vasta distribuição geográfica, abarcando nomeadamente o Norte da Índia e do Paquistão, o Nepal, o Butão e algumas zonas limítrofes, compreendendo certas regiões do Bangladesh e da Birmânia. Daqui se pode facilmente concluir que, pelo menos algumas das respectivas populações, vivem em climas subtropicais ou mesmo temperados, o que é verosímil e comprovado pela tolerância da maioria das linhagens de aquário ao frio... desde que as descidas de temperatura não sejam bruscas.
Entre outras ilustres colaborações com a investigação em biomedicina, o Zebra é, tal como a Medaka, frequentemente utilizado como modelo animal em estudos relacionados com a embriologia e a biologia do desenvolvimento, dado que o progresso das suas fases larvares é comparável à embriogenése dos vertebrados mais complexos, incluindo a dos seres humanos. Os seus ovos transparentes permitem ainda uma observação clara do desenvolvimento embrionário, o que, em paralelo com a rapidez do processo (todos os órgãos internos estão formados em 24 horas e a eclosão dá-se ao fim de 3 dias), se torna um dos pontos a favor do uso deste clássico favorito na aquariofilia, em tais estudos. Esta e outras características permitem que seja mesmo uma das espécies eleitas para modelo biológico embrionário, onde é possível fazer manipulação genética.
Mas, nem só das aplicações mais comuns e básicas se sustenta a reputação e a utilidade dos nossos “colaboradores insuspeitos na investigação em medicina”, em investigação laboratorial.
O Peixe-Zebra, por exemplo, foi notícia de grande destaque por se ter igualmente tornado um interessante modelo animal na investigação em medicina regenerativa, particularmente, quando se soube das respectivas potencialidades para revelar os segredos que um dia poderão levar órgãos humanos doentes a regenerarem-se sozinhos.
A grande divulgação pública deste facto aconteceu, sobretudo, depois de um estudo demonstrar que o animal produz novas células e regenera totalmente o seu coração, mesmo após 20% do músculo ter sido removido.
Sendo uma das poucas espécies de vertebrados com capacidade para recuperar totalmente partes do corpo que foram afectadas por doenças ou sofreram amputações, o nosso amiguinho Zebra, está não só a ajudar a ciência, quando os investigadores procuram os segredos genéticos que permitem que se “reconstrua”... como o seu contributo se dá ao nível da investigação relacionada com as doença de ordem oncológica, neurológica, cardiovascular, muscular, da inflamação, de angiogénese e de osteoporose.
A finalizar, deixo ainda alguns recursos, para a pesquisa posterior, sobre a relação destas espécies com a investigação biomédica:
Medaka EST database (Laboratory of Embryology, Graduate School of Science University of Tokyo) - http://medaka.lab.nig.ac.jp/
Medaka Fish Home Page - http://biol1.bio.nagoya-u.ac.jp:8000/
Medaka Genome Project - http://dolphin.lab.nig.ac.jp/medaka/
NBRP Medaka Mutant Stock Project - http://www.shigen.nig.ac.jp/medaka/
NIH Zebrafish Initiative - http://www.nih.gov/science/models/zebrafish/
The Zebrafish Model Organism Database - http://zfin.org/cgi-bin/webdriver?MIval=aa-ZDB_home.apg
Xiphophorus Genetic Stock Centre - http://www.xiphophorus.txstate.edu/
Zebrafish International Resource Center - http://zebrafish.org/zirc/home/guide.php
Miguel Andrade
Instituto de Introdução à Medicina
mandrade@fm.ul.pt
ext. 44542
O trabalho laboratorial na área da investigação, embora sujeito a uma evolução considerável da aparelhagem, das técnicas e dos utensílios, tem vindo a beneficiar de uma coadjuvação peculiarmente valiosa, a qual se tornou tão influente como o progresso imparável das novas tecnologias biomédicas.
Não sendo oportuno, no âmbito deste sintético artigo, abordar determinadas problemáticas associadas à Bioética, torna-se necessário no entanto referir também o papel dos nossos “colaboradores insuspeitos na investigação em medicina” na resolução de alguns vazios, sobretudo os surgidos após a crise profunda e contestação pública à experimentação biomédica em resultado da utilização criminosa e abusiva de seres humanos, durante a Segunda Guerra Mundial.
Estas e muitas outras questões de natureza prática, filosófica e deontológica, acentuaram o uso de modelos animais em laboratório, designadamente, a partir da segunda metade do século XX.
No entanto, o cidadão comum desconhece, por exemplo, que alguns dos mais populares peixes ornamentais são dignos do nosso respeito e admiração, sobretudo pelo papel que têm vindo a desempenhar em inúmeros laboratórios de importantes centros de investigação, dos quais não se exclui o Instituto de Medicina Molecular (I.M.M), nomeadamente, no caso de um dos exemplos aqui abordados, como vamos ter oportunidade de descobrir mais adiante.
Dada a complexidade do assunto, iremos, porém, (re)conhecer somente 3 peixes que funcionam como modelos animais sendo, a par disso, populares favoritos de aquário.
O primeiro exemplo está intimamente ligado à pesquisa das doenças oncológicas. As espécies em causa tornam-se especialmente importantes e ajustadas à compreensão e estudo dos mecanismos ligados ao desenvolvimento e progressão dos tumores, inclusivamente a um nível molecular e genético.
Para a análise e investigação sobre a formação de melanomas “in vivo”, estes modelos permitem aos investigadores uma melhor compreensão dos processos intracelulares que são responsáveis pela transformação de células saudáveis e de pigmentação normal em tumores.
Dado que não estou de todo habilitado para ir mais longe em questões de natureza técnica (e dada a intenção mais informal e lúdica deste artigo), passemos, rapidamente, a alguns detalhes, não menos interessantes, sobre cada caso em particular.
Este primeiro protagonista é na realidade um grupo inteiro.
Reconhecido pela sistemática e pela taxinomia dos seres vivos como género Xiphophorus (da família Poeciliidae; subfamília Poeciliinae), tal significa que não estamos a falar de um único peixe, mas que estamos perante 23 potenciais espécies, algumas delas já extintas ou enfrentado grave ameaça de desaparecerem para sempre a curto prazo.
Os 23 Xiphophorus podem, por sua vez, ser divididos em 3 grandes conjuntos, a saber; os Caudas-de-Espada do Norte, os Cauda-de-Espada do Sul e os Platies. São todos originários de bacias hidrográficas que descem das terras altas da América Central em direcção ao Oceano Atlântico, nomeadamente no México, Guatemala, Belize e Honduras, ainda que a maioria das espécies deste género, hoje descritas pela ciência, sejam primordialmente, encontradas apenas em sistemas hidrográficos mexicanos.
Se os nomes populares “Espada” ou “Platy” lhe dizem algo, é muito provável que já tenha mantido no seu aquário estes harmoniosos peixes ornamentais, que os tenha, simplesmente, conhecido através da literatura ou até que já lhe tenham chamado à atenção nalguma loja de animais de estimação, uma vez que 3 destas espécies, em particular, são casos de extrema popularidade na aquariofilia... desde há praticamente 100 anos a esta parte.
Uma singularidade, que os tornou tão comuns em cativeiro, foi o facto de serem ovovivíparos, ou seja, embora não constituam um verdadeiro caso de viviparismo, também dão à luz crias plenamente desenvolvidas (quase autênticas cópias em miniatura dos adultos), após um período de gestação variável que dependente muito da alimentação e de factores ambientais como a temperatura da água, a respectiva química ou outros estímulos menos bem compreendidos.
Por volta da década de 1920, descobriu-se que era relativamente fácil conseguirem-se híbridos entre as diferentes espécies de Xiphophorus. A característica mais notável e invulgar destes híbridos é o facto de serem férteis e, consequentemente, serem capazes de produzirem a sua própria descendência.
Mas, em que medida é que essa descoberta contribuiu para ajudar a medicina?
Para além de ser um fenómeno comum a certas populações específicas, nos híbridos em particular, ocorre com frequência uma pigmentação inédita, a qual tem origem nos genes de apenas um dos progenitores. Apesar de não se manifestar em nenhuma das espécies originárias, essa particularidade evidencia-se na respectiva descendência híbrida.
Os investigadores descobriram, então, que alguns destes híbridos desenvolviam muito facilmente melanomas, um dos mais mortíferos cancros da pele da actualidade. Nos Xiphophorus, estes melanomas resultam de padrões cromáticos melanísticos irregulares que ocorrem nalgumas das espécies mas, sobretudo, com elevadíssima incidência em muitos dos híbridos.
Imediatamente, se começaram a estudar em particular os resultados dos cruzamentos entre várias espécies, uma vez que os cientistas tomaram consciência que tinham descoberto um modelo animal que se viria a revelar extremamente útil na pesquisa desta doença oncológica. De facto, as células que desenvolvem melanomas nestes peixes são comparáveis às células humanas (propensas ao mesmo processo), em termos bioquímicos, morfológicos e fisiológicos.
Muito menos conhecido e popularizado como peixe de aquário em Portugal é, sem dúvida, uma das várias espécies de Medaka, a Oryzias latipes (família Oryziinae).
As linhagens mais vulgares em laboratório foram, pela primeira vez, utilizadas no seu país de origem, o Japão, onde a espécie é cultivada como peixe ornamental desde, pelos menos, o século XVII.
Em 1994, este simpático peixinho foi incluído numa das missões espaciais da NASA, a bordo do vaivém espacial “Columbia”, durante a qual se viria a tornar no primeiro vertebrado a procriar em órbita. Os descendentes provenientes dessa experiência eram perfeitamente saudáveis e a sua linhagem ainda hoje é famosa. Para quem tiver a curiosidade e quiser aprofundar este caso, aconselho a hiperligação - http://cosmo.ric.u-tokyo.ac.jp/SPACEMEDAKA/IML2/e/text/textcontents_E.html.
A carreira laboratorial desta espécie sendo mais recente do que a dos Xiphophorus, não deixa de ser igualmente admirável.
A Medaka também está ligada à investigação das doenças oncológicas mas, ao contrário dos Espadas e Platies, é empregue numa mais vasta multiplicidade de campos de pesquisa, como a genética, o estudo da fertilização, a embriologia e a biologia do desenvolvimento.
Para além de suportar uma amplitude térmica muitíssimo mais dilatada do que qualquer Xiphophorus, (o que torna a espécie Oryzias latipes um animal de laboratório mais adequado aos climas temperados), tornou-se analogamente um modelo animal de eleição, devido ao respectivo ciclo de vida relativamente curto, à relativa facilidade de reprodução em cativeiro e ao seu reduzido tamanho em adulto (cerca de 4 cm).
As mutações da Medaka constituíram, ainda, um caso lendário por, através destas, se terem podido comprovar as Leis de Mendel pela primeira vez em peixes. Para além dessa particularidade, foi, ainda, o primeiro animal no qual foram conseguidas reversões sexuais completas, em ambos os sentidos, após serem administradas hormonas sexuais ainda em fase larvar.
O terceiro e último exemplo é o do Peixe-Zebra (ou simplesmente Zebra para os amigos). Cientificamente é conhecido como Danio rerio e é o único dos “colaboradores insuspeitos na investigação em medicina” que está (ao que eu saiba) presentemente a ajudar os investigadores no Instituto de Medicina Molecular (I.M.M.), contando mesmo com uma unidade que lhe é inteiramente dedicada. (cf. http://imm.fm.ul.pt/web/imm/zebrafishfacility).
É um antigo favorito dos aquariófilos, embora a sua notoriedade, provavelmente, nunca venha a suplantar a fama e a popularidade dos 3 Xiphophorus mais conhecidos.
Já no que diz respeito ao laboratório, embora a sua “carreira” seja mais recente do que qualquer dos restantes notáveis deste artigo, a respectiva reputação tem vindo a assumir proporções assombrosas.
Este pequeno peixe, de 4 a 5 cm apenas, é considerado vulgarmente um animal tropical. Na realidade trata-se de uma espécie que possui, ainda, uma vasta distribuição geográfica, abarcando nomeadamente o Norte da Índia e do Paquistão, o Nepal, o Butão e algumas zonas limítrofes, compreendendo certas regiões do Bangladesh e da Birmânia. Daqui se pode facilmente concluir que, pelo menos algumas das respectivas populações, vivem em climas subtropicais ou mesmo temperados, o que é verosímil e comprovado pela tolerância da maioria das linhagens de aquário ao frio... desde que as descidas de temperatura não sejam bruscas.
Entre outras ilustres colaborações com a investigação em biomedicina, o Zebra é, tal como a Medaka, frequentemente utilizado como modelo animal em estudos relacionados com a embriologia e a biologia do desenvolvimento, dado que o progresso das suas fases larvares é comparável à embriogenése dos vertebrados mais complexos, incluindo a dos seres humanos. Os seus ovos transparentes permitem ainda uma observação clara do desenvolvimento embrionário, o que, em paralelo com a rapidez do processo (todos os órgãos internos estão formados em 24 horas e a eclosão dá-se ao fim de 3 dias), se torna um dos pontos a favor do uso deste clássico favorito na aquariofilia, em tais estudos. Esta e outras características permitem que seja mesmo uma das espécies eleitas para modelo biológico embrionário, onde é possível fazer manipulação genética.
Mas, nem só das aplicações mais comuns e básicas se sustenta a reputação e a utilidade dos nossos “colaboradores insuspeitos na investigação em medicina”, em investigação laboratorial.
O Peixe-Zebra, por exemplo, foi notícia de grande destaque por se ter igualmente tornado um interessante modelo animal na investigação em medicina regenerativa, particularmente, quando se soube das respectivas potencialidades para revelar os segredos que um dia poderão levar órgãos humanos doentes a regenerarem-se sozinhos.
A grande divulgação pública deste facto aconteceu, sobretudo, depois de um estudo demonstrar que o animal produz novas células e regenera totalmente o seu coração, mesmo após 20% do músculo ter sido removido.
Sendo uma das poucas espécies de vertebrados com capacidade para recuperar totalmente partes do corpo que foram afectadas por doenças ou sofreram amputações, o nosso amiguinho Zebra, está não só a ajudar a ciência, quando os investigadores procuram os segredos genéticos que permitem que se “reconstrua”... como o seu contributo se dá ao nível da investigação relacionada com as doença de ordem oncológica, neurológica, cardiovascular, muscular, da inflamação, de angiogénese e de osteoporose.
A finalizar, deixo ainda alguns recursos, para a pesquisa posterior, sobre a relação destas espécies com a investigação biomédica:
Medaka EST database (Laboratory of Embryology, Graduate School of Science University of Tokyo) - http://medaka.lab.nig.ac.jp/
Medaka Fish Home Page - http://biol1.bio.nagoya-u.ac.jp:8000/
Medaka Genome Project - http://dolphin.lab.nig.ac.jp/medaka/
NBRP Medaka Mutant Stock Project - http://www.shigen.nig.ac.jp/medaka/
NIH Zebrafish Initiative - http://www.nih.gov/science/models/zebrafish/
The Zebrafish Model Organism Database - http://zfin.org/cgi-bin/webdriver?MIval=aa-ZDB_home.apg
Xiphophorus Genetic Stock Centre - http://www.xiphophorus.txstate.edu/
Zebrafish International Resource Center - http://zebrafish.org/zirc/home/guide.php
Miguel Andrade
Instituto de Introdução à Medicina
mandrade@fm.ul.pt
ext. 44542