A mudança de personalidade após o avc
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José Manuel Ferro, Professor da FMUL e Diretor de Neurologia do Centro Hospitalar Lisboa Norte, em entrevista à Visão Saúde falou sobre a mudança de personalidade das pessoas após um AVC.

No AVC isquémico, podem ocorrer alterações da personalidade entre 10% e 40% dos indivíduos. O Professor explica, no início da entrevista que, “alguns tipos de personalidade (pessimistas, por exemplo) aumentam o risco de AVC".

De acordo com o Diretor, o que se observa em algumas pessoas é uma “acentuação dos traços de personalidade prévios”, com uma tendência para a intensificação do “polo negativo” desses traços. Mas há, acrescenta o Professor, “pessoas cuja personalidade sofre uma mudança na direção do seu polo negativo”. É por estas razões que os familiares costumam afirmar que o doente é outra pessoa ou que está diferente.

O Professor explica as cinco principais mudanças de personalidade pós-AVC:

Apática: Predomina a apatia e a indiferença. O doente aparenta estar deprimido à primeira vista, mas não está. A pessoa fica menos ativa, participa menos em conversas, e passa a preferir atividades de lazer passivas, por exemplo, ver TV sem sequer mudar de canal. Acontecimentos que antes provocavam a emoção, passam a não despertar qualquer reação.

Agressivo: Há um aumento da agressividade que varia desde a irritabilidade à agressão verbal ou física ou à distribuição de bens. Por vezes, os atos agressivos podem não fazer-se acompanhar dos respetivos componentes cognitivos ou emocionais.

Desinibida: Nesta alteração prevalece a dificuldade de controlo de impulsos (sexuais, compras, jogo, indiscrições em conversas com outros)

Lábil: Trata-se da instabilidade afetiva.

Paranoide: Domina a desconfiança que atribui os males a ações imaginadas ou mal interpretadas dos outros.

Depois de conhecidas as principais alterações pós-AVC, todos querem ver respondida a questão: como tratar?

Por enquanto, ainda não existem ensaios clínicos de grande dimensão que tenham avaliado tratamentos para minorar os efeitos negativos ou fazer retroceder as alterações da personalidade pós-AVC. O que foi observado em estudos e ensaios clínicos de pequenas dimensões, são intervenções de psicoterapia de suporte ou terapia cognitivo-comportamental. Devido ao papel da dopamina na motivação, podem ensaiar-se, nos doentes com marcada apatia, medicamentos que aumentem a dopamina cerebral. Na alteração agressiva, os fármacos que aumentam a serotonina podem resultar.

Ainda neste artigo da revista, dois especialistas em neurologia, José Manuel Ferro, Professor da FMUL e Diretor de Neurologia do Centro Hospitalar Lisboa Norte e

Fernando Silva, da Unidade de AVC do Serviço de Neurologia do Centro Hospitalar e Universitário Coimbra, explicam quais os tratamentos para os casos de AVC isquémico e AVC hemorrágico.

O primeiro exame a ser feio é a TAC. Como explica o Médico Fernando Silva, “não há nenhum conjunto de sinais clínicos” que possa indicar que o AVC é isquémico ou hemorrágico. Este exame, permite avaliar as artérias cerebrais.

Podem ser usados medicamentos anticoagulantes, por via endovenosa, “para se reduzir os coágulos que estão a obstruir os vasos sanguíneos”, de forma que o sangramento não aumente, afirma Fernando Silva. Os anticoagulantes são usados no tratamento do AVC hemorrágico. Já os fármacos anti-hipertensivos, também por via endovenosa, “são administrados para se reduzir a tensão arterial dos doentes”. Esta redução da tensão é necessária para baixar os níveis que “diminuam a probabilidade de a hemorragia aumentar”. Os anti-hipertensivos usam-se para tratar o AVC hemorrágico e isquémico, embora neste último “a redução da pressão arterial não seja tão agressiva”.

Também, é essencial o controlo dos sinais vitais do doente com AVC agudo. “Quando na unidade especializada em acidentes vasculares cerebrais, é preciso fazer um controlo apertado de tudo o que possa provocar efeitos secundários", afirma o médico Fernando Silva. Os sinais, a seguir mencionados, são vigiados tanto no AVC isquémico como no hemorrágico, tais como: a temperatura que “não pode ser superior a 37,5 graus", os níveis de oxigénio, os batimentos cardíacos, a glicemia e, também, "através de um rastreio", a capacidade de deglutição.

A trombólise é a “administração endovenosa de um fármaco que dissolve o trombo" (coágulo) que se formou no vaso”, esclarece o Professor José Manuel Ferro. Esta injeção, de nome RTPA, faz-se até “quatro horas e meia após o doente ter o episódio pela última vez” e é apenas utilizada no caso do AVC isquémico.

Um outro tratamento, o cateterismo, é aplicado apenas nos casos de AVC isquémico, faz-se “para remover os coágulos que estão no interior das artérias”, explica o neurologista Fernando Silva. “O que se pretende é tirar o trombo, e isso é feito com um cateter que é inserido na virilha e vai até à zona afetada do cérebro”. Segundo o especialista, através desse tubo remove-se o coágulo com um stent (uma malha) que o puxa para fora ou com um aspirador cirúrgico que o vai aspirar.

Por fim, o Professor José Manuel Ferro explica que, a cirurgia de descompressão cerebral é feita, no caso do AVC hemorrágico, num “número muito limitado de hematomas, porque, e todos os estudos o indicam, não há vantagem na cirurgia”. Afirma ainda que, nestes casos, o tratamento “é conservador” e passa por “vigiar o doente e por reduzir um pouco a pressão intracraniana”, esperando-se que “o hematoma seja reabsorvido de forma natural, pelo próprio organismo”.

Fernando Silva, acrescenta que nos poucos casos em que há cirurgia de descompressão, esta é realizada "tirando-se um bocado do osso do crânio", para que o cérebro "inche para fora". Este bocado de osso é guardado num banco de órgãos ou "na própria barriga do paciente" e "recolocado dois a três meses depois". No caso do AVC isquémico, a cirurgia de descompressão também se faz nas situações denominadas de "enfarte maligno", ou seja: quando o "edema é tão grande" que é necessário aliviar a "pressão craniana", conclui o neurologista.

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No final da entrevista, o fisiatra do Hospital da Cruz Vermelha, em Lisboa, Miguel Reis e Silva, fala sobre o processo de recuperação, “a fase de recuperação do AVC tem início durante o próprio internamento hospitalar”.

Segundo o fisiatra, é feita uma avaliação médica especializada para identificar e quantificar os défices resultantes da lesão provocada. Ou seja, são quantificados os défices “sensitivos e motores”, rastreadas as possíveis “alterações cognitivas, comportamentais e emocionais” e é, também, avaliado o desempenho de “atividades do dia-a-dia”.

Depois disto, define-se um plano multidisciplinar para se treinar as funções afetadas, para que outras áreas cerebrais passem a desempenhar a função da área lesada. O plano consiste em: Fisioterapia para regeneração de défices motores; Terapia da fala para tratamento de problemas de linguagem; Terapia ocupacional que prepara para as atividades diárias; Psicologia para acompanhamento de alterações psicológicas; E assistentes sociais que ajudam a organizar a vida financeira e social.