O cancro do cólon e do reto (CCR) é um problema de saúde pública importante, responsável por 2 milhões de novos casos de cancro e quase 1 milhão de mortes anualmente em todo o mundo. Em Portugal, em 2022, o CCR foi o tipo de cancro com o maior número de novos casos e a segunda principal causa de morte por cancro. O aumento de CCR em pessoas abaixo dos 50 anos é alarmante, representando cerca de 10% de todos os novos casos. Estas tendências mostram que precisamos urgentemente de melhores formas de prevenir e diagnosticar precocemente esta doença.
O CCR começa lentamente com alterações genéticas e epigenéticas nas células, que eventualmente se tornam malignas. Embora 2–5% dos casos sejam devidos a fatores genéticos e 12–35% dos casos sejam atribuíveis a fatores hereditários, a maioria dos casos acontece de modo esporádico. A idade, genética e ter doença inflamatória intestinal aumentam o risco de desenvolver CCR, assim como fatores de risco que podem ser modificados, como a dieta - em particular o consumo excessivo de carne vermelha ou processada -, o excesso de peso, o tabagismo, o consumo de álcool e o sedentarismo. Uma notícia animadora do World Cancer Research Fund estima que 47% dos casos de CCR poderiam ter sido evitados através de uma dieta saudável e exercício físico regular.
O que é realmente interessante é que todas estas escolhas de estilo de vida - e em particular a dieta - afetam os 40 biliões (40x1012) de microorganismos que vivem no nosso intestino, aos quais damos o nome de microbiota intestinal. A microbiota intestinal tem funções cruciais na nossa saúde, como a digestão, a educação e estimulação do sistema imunitário, a síntese de micronutrientes, como as vitaminas B12, B6, folato e vitamina K, a prevenção do crescimento de bactérias patogénicas e até mesmo regular funções do cérebro, comunicando através do eixo cérebro-intestino. A dieta destaca-se como um fator fundamental que determina a estrutura da comunidade microbiana, uma vez que os alimentos que comemos fornecem nutrientes que apoiam o crescimento e a diversidade dos microrganismos intestinais. Através de uma alimentação completa, equilibrada e variada, como a alimentação mediterrânica, é possível melhorar a composição da nossa microbiota intestinal.
A composição alterada da microbiota intestinal tem sido observada não só em determinadas patologias gastrointestinais, nomeadamente o CCR, a doença inflamatória intestinal e o síndrome do intestino irritável, mas também em doenças neurodegenerativas, como Parkinson e Alzheimer, e doenças metabólicas, como obesidade, diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares. Estas patologias tendem a ter uma maior incidência em indivíduos que adotam um estilo de vida ocidental caracterizado pelo excesso de gordura, elevado consumo de carnes processadas e baixo teor de fibra alimentar devido à baixa ingestão de hortofrutícolas, o que resulta num aumento dos níveis inflamatórios intestinais.
O Laboratório Translacional de Microbioma na Saúde e Doença do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes (iMM-Care), liderado pela Doutora Ana Santos Almeida, dedica-se a explorar o potencial da microbiota intestinal para revolucionar a área terapêutica do cancro do cólon e do reto. A nossa missão é desenvolver ferramentas inovadoras de diagnóstico e terapêuticas baseadas na microbiota para promover a saúde. Para cumprir este objetivo, a nossa equipa é multidisciplinar, constituída por microbiologistas clínicos, biólogos computacionais, nutricionistas e gastroenterologistas. A componente da nutrição tem um grande relevo na nossa investigação: para além das duas nutricionistas que integram a nossa equipa, trabalhamos em estreita colaboração com o Laboratório de Nutrição e o Centro de Nutrição Avançada, em particular com a Professora Catarina Guerreiro e a Professora Inês Santos. Ambas participam no estudo clínico que começou recentemente - o Tire o Nó da Barriga - cujo objetivo é desenvolver um novo método para deteção precoce e diagnóstico preciso de CCR. Esta inovação tem o potencial de salvar e prolongar vidas.
Em Portugal, o cancro do cólon e do reto foi o cancro com maior número de novos casos em 2022. Sabia que a maioria dos casos podem ser prevenidos com hábitos saudáveis?
Ana Margarida Almeida
Website do Lab:
- https://imm.medicina.ulisboa.pt/investigation/translation-research-lines/microbiome-in-health-disease-translational-laboratory/#intro
- https://www.microbiomehdlab.pt/
Bibliografia:
- Bray, F. et al. Global cancer statistics 2022: GLOBOCAN estimates of incidence and mortality worldwide for 36 cancers in 185 countries. CA: A Cancer J. Clin. (2024) doi:10.3322/caac.21834.
- F. A.Sinicrope. Increasing Incidence of Early-Onset Colorectal Cancer. NEnglJMed 386,1547–1558(2022).
- World Cancer Research Fund/American Institute for Cancer Research. Continuous Update Project Report: Diet, Nutrition, Physical Activity and Colorectal Cancer. (2018). Available at https://wcrf.org/wp-
content/uploads/2021/02/ Colorectal-cancer-report.pdf - O’Keefe, S. J. D. Diet, microorganisms and their metabolites, and colon cancer. Nat Rev Gastroentero 13, 691–706 (2016).