A malnutrição define-se como “um estado resultante do défice de ingestão ou absorção de nutrientes que conduz à alteração da composição corporal (com perda de massa muscular), levando à diminuição da função motora e cognitiva e ao comprometimento da evolução da condição clínica”, de acordo com a definição mais recente da European Society for Clinical Nutrition and Metabolism (ESPEN).
Clinicamente a malnutrição tem sido associada a piores outcomes clínicos, nomeadamente à maior mortalidade, ao aumento do consumo de recursos de saúde e à diminuição da qualidade de vida.
A malnutrição constitui um grave problema de saúde pública, implicando gastos na ordem dos 170 mil milhões de euros apenas na Europa (e talvez isto represente apenas a “ponta do iceberg”). Esta realidade está longe de estar controlada: a evidência clínica e o envelhecimento da população indicam que a sua incidência continua a aumentar.
- Mais de 30% dos doentes internados em unidades hospitalares estão em risco nutricional;
- A malnutrição afeta um em cada três idosos no domicílio ou em instituições.
A boa notícia é que a malnutrição é reversível, desde que garantida intervenção nutricional dirigida e atempada. Mas para isso é fundamental que o risco nutricional seja identificado precocemente. Trata-se da aplicação rápida (menos de 5 minutos) de questionários validados!
Com efeito, em 2018, a implementação da avaliação sistemática do risco nutricional a todos os doentes internados nos estabelecimentos hospitalares do Serviço Nacional de Saúde (SNS) foi determinada pelo Despacho n.º 6634/2018. Mais recentemente, o Despacho n.º 9984/2023 veio alargar a identificação sistemática do risco nutricional a todos os níveis de cuidados do SNS, abrangendo, assim, uma importante fatia da população onde a terapia nutricional dirigida e adequada pode fazer a diferença.
Uma vez identificado o risco nutricional, deverá ser iniciado o plano de cuidado nutricional. A ESPEN recomenda primeiramente o aconselhamento nutricional individualizado, incluindo a fortificação da alimentação habitual. Outra estratégia poderá incluir o recurso a suplementos nutricionais orais (alimentos para fins medicinais específicos com múltiplas versões disponíveis que permite a adaptação às exigências de cada um).
De acordo com estas recomendações e com os resultados do estudo Early nutritional support on Frailty, Functional Outcomes, and Recovery of malnourished medical inpatients Trial (EFFORT) recentemente publicados na Lancet percebe-se que, na maioria das situações, os tratamentos baseados em abordagens nutricionais de baixo custo, são eficazes e suficientes.
Em utentes com hospitalização recente, a Norma Organizacional nº 017/2020 da Direção-Geral da Saúde, prevê, ainda, que os Grupos de Nutrição Entérica e Parentérica devem articular com os Cuidados de Saúde Primários a continuidade e monitorização dos cuidados nutricionais.
Fica assim patente que, em teoria, estas medidas podem controlar este grave problema de saúde pública com importantes ganhos em saúde e, consequentemente, económicos.
Identificada a solução do problema, importa, então, refletir um pouco sobre os principais entraves que têm impedido a melhor concretização destas medidas:
- Falta de Nutricionistas suficientes em todos os níveis de cuidados de saúde;
- Necessidade de módulos de nutrição clínica no currículo dos profissionais de saúde envolvidos;
- Baixos níveis de sensibilização e falta de corresponsabilização das equipas multidisciplinares relativamente à gestão da malnutrição;
- Obesidade e pré-obesidade percecionados como uma prioridade de saúde pública e que, adicionalmente, constituem um viés na identificação de risco nutricional, sendo muitas vezes considerados “protetores” da malnutrição;
- Falta de acessibilidade equitativa de terapêutica médica nutricional na comunidade.
A malnutrição deve ser reconhecida como uma doença!
A prevenção e o tratamento da malnutrição são eficazes desde que precocemente identificada!
O acesso aos cuidados nutricionais é um direito humano!
Ana Brito Costa