O consumo de álcool parece ter sido introduzido na alimentação do ancestral comum dos humanos, chimpanzés e gorilas há pelo menos 10 milhões de anos através do álcool presente na fruta fermentada, uma fonte de álcool bastante semelhante em termos de concentração com a que normalmente se divulga como sendo a dose segura. Este consumo parece ter aumentado há cerca de 9000 anos com o advento da agricultura, onde a espécie humana começou a utilizar a fermentação de alimentos, possivelmente como meio de preservação. De lá para cá, o consumo de álcool tem sido algo bastante presente no quotidiano humano, basta para isso olhar para os números de 2019 referentes à população portuguesa reportados pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que revelaram um consumo per capita (idade ≥ 15 anos) de 10,4 L de álcool.
Se para uns o consumo de álcool chega até a ser um ato com um certo glamour, para outros é visto como uma substância tão nefasta como tantas outras substâncias aditivas. Resta saber se existe um problema com o atual consumo de álcool e se o consumo moderado desta substância apresenta os benefícios tão frequentemente defendidos.
Existe um problema com o atual consumo de álcool?
Sim, e isso está bem refletido nos últimos resultados do Global Burden of Disease que coloca o consumo de álcool como o 7º fator de risco que mais contribui para a mortalidade em Portugal. Apesar destes resultados serem melhores que há 30 anos, estão longe de ser ideais, uma vez que cerca de 68 mortes em cada 100000 continuam a ser atribuídas ao consumo de álcool.
O consumo moderado de álcool tem benefícios associados ou não apresenta risco para a saúde de quem o consome?
Talvez a resposta não seja a mais popular e reúna algumas críticas por parte de quem gosta de beber o seu copo de vinho a acompanhar a refeição, mas a verdade é que, a ciência parece evidenciar que qualquer consumo de álcool aumenta as perdas em saúde e, portanto, qualquer possível benefício associado ao consumo de álcool estará a ser contrariado pelos efeitos deletérios.
Em 2022 um estudo publicado na revista LANCET reportou que o consumo de álcool se associou a alguns benefícios sobretudo em idosos, que fazem parte de populações muito afetadas por doenças cardiovasculares, tendo sugerido que o consumo ótimo deva ser definido considerando a idade, em vez do sexo, e que sejam consideradas também as taxas de doenças e lesões de cada população. Contudo, alguns autores reportaram alguns problemas metodológicos no estudo em questão, e criticaram os resultados e a forma como estes foram interpretados.
No início de 2023, membros da OMS referiram que cerca de 13,3% dos cancros atribuídos ao consumo de álcool na União Europeia em 2017 foram causados por consumos leves ou moderados desta substância. Esse foi um dos motivos para que concluíssem que a evidência científica não indica a existência de um limite a partir do qual os efeitos carcinogénicos do álcool se comecem a evidenciar e, como tal, não pode ser definido um consumo seguro no que respeita à prevenção da doença oncológica, e por consequência nenhum nível de consumo pode ser definido como seguro com vista à manutenção da saúde da população.
Apesar disso, algumas guidelines internacionais, sobretudo de cardiologia, continuam a reportar que existe um limite seguro. Contudo, estudos que essas mesmas guidelines citam indicam que o menor risco de doença cardiovascular se verifica em abstémios. Para além disso, o próprio estudo que citam para propor um limite seguro reporta que não existe um limite claro abaixo do qual o menor consumo de álcool deixou de estar associado a um menor risco de doença cardiovascular (excluindo enfarte do miocárdio), ou seja, que sempre que se reduz o consumo de álcool existe um menor risco de doença e que não existe um limite a partir do qual isso se deixe de verificar.
Desta forma, parece razoável e sensato dizer que a evidência científica aponta para que não exista um limite seguro para o consumo de álcool, e que medidas devem ser tomadas para que o consumo desta substância aditiva seja reduzido para o mínimo possível, preferencialmente zero.
João Vasques