Qual será o impacto da Guerra na Ucrânia na Insegurança Alimentar? Começo por citar o Dr. Arif Husain - economista-chefe do Programa Alimentar Mundial da ONU - “War and its consequences — like food insecurity, supply chain disruptions or migration — are no longer localized. The global community is deeply intertwined and only becoming more so, which means a problem for one region can quickly escalate into a global crisis. Addressing the root causes of food insecurity is the only way forward if we are serious about getting ahead of the next hunger crisis”.
Em Portugal segundo os dados do último Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física, entre 2015-2016, 10,1% das famílias estava em situação de insegurança alimentar. A pandemia Covid-19 parece ter agravado a situação, sendo que segundo o estudo REACT-COVID 2.0, uma em cada três pessoas (29,6%) mostrou preocupação ou incerteza quanto ao acesso aos alimentos por dificuldades económicas e 12,3% reportou já sentir dificuldades económicas no acesso aos mesmos. Ainda no rescaldo da pandemia, surge a guerra na Ucrânia que certamente terá um impacto nesta matéria a nível global. A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) estimou que, se houver uma interrupção prolongada nas cadeias de produção, fornecimento e transporte de alimentos, o número de pessoas subnutridas em todo o mundo poderá aumentar de 8 a 13 milhões de pessoas em 2022/23.
Ainda antes da guerra na Ucrânia, os preços dos alimentos a nível internacional já tinham atingido um recorde histórico, que se deveu principalmente às condições de mercado, mas também à subida dos preços da energia, fertilizantes e outros produtos agrícolas. Em fevereiro de 2022, o Índice de Preços de Alimentos da FAO (indicador de referência para os preços mundiais de alimentos) atingiu um novo recorde histórico, 21% acima do nível do ano anterior.
A Rússia e a Ucrânia estão entre os produtores e exportadores mais importantes de produtos agrícolas em todo o mundo, sendo dos principais fornecedores de alimentos e fertilizantes para os mercados globais. Em 2021, ficaram entre os três principais exportadores globais de trigo, cevada, milho, colza e óleo de colza, sementes de girassol e óleo de girassol. Assim, uma guerra entre duas grandes potências de produção agrícola, num contexto de mercados agrícolas globalizados, trará consequências nunca antes vistas para a agricultura global.
A guerra já resultou numa crise de segurança alimentar massiva na Ucrânia, interrompendo os meios de subsistência durante a estação de crescimento agrícola, destruindo casas, terras agrícolas, estradas e outras infraestruturas civis, levando também ao encerramento de portos, à introdução de restrições e proibições para a exportação de algumas culturas e produtos alimentares. Diversas cidades estão cercadas e continuam a ser bombardeadas, deixando as pessoas isoladas e a enfrentarem uma grave escassez de alimentos, água e fornecimento de energia, sendo que a FAO já tem em curso uma resposta humanitária na Ucrânia na tentativa de mitigar os danos causados.
Segundo a FAO, cerca de 50 países dependem da Rússia e da Ucrânia em pelo menos 30% das suas necessidades de importação de trigo. Destes, 26 países obtêm mais de 50% de suas importações de trigo desses dois países. Nesse contexto, esta guerra terá múltiplas implicações para os mercados globais representando um desafio para a segurança alimentar para muitos países, e especialmente para países em desenvolvimento dependentes da importação de alimentos e para os grupos populacionais mais vulneráveis.
As disrupções nas cadeias de distribuição alimentar verificadas durante a pandemia e agora agravadas pela guerra, expõem o mercado global a maiores riscos: disponibilidade alimentar mais restrita, necessidades de importação sem resposta e um consequente aumento dos preços dos alimentos.
E que ações tomar? A FAO publicou um relatório onde divulga 6 principais recomendações que devem ser tomadas para mitigar o impacto da guerra na segurança alimentar:
1. Manter o comércio de alimentos e fertilizantes aberto - evitar que a guerra afete negativamente as atividades produtivas e de comercialização em ambos os países, para que consigam dar resposta às necessidades de produção e consumo local, e ao mesmo tempo satisfazer a procura global.
2. Encontrar novos e diversificados fornecedores de alimentos - uma vez que os países que importam alimentos de muitos parceiros comerciais diferentes são menos vulneráveis a choques locais específicos.
3. Apoiar os grupos vulneráveis
4. Evitar medidas políticas ad hoc – as medidas implementadas devem ser cuidadosamente ponderadas em relação ao seu potencial efeito prejudicial nos mercados internacionais a curto e a longo prazo.
5. Conter a propagação da peste suína africana
6. Fortalecer a transparência e o diálogo do mercado - fundamental quando os mercados de produtos agrícolas estão sob incerteza e precisam de se ajustar a choques que afetam a oferta e a procura.
Assim as medidas mais eficazes para combater a insegurança alimentar serão aquelas que visam manter aberto o comércio de alimentos e fertilizantes e mitigar o impacto do aumento dos preços dos alimentos junto da população mais vulnerável, contando com apoio direcionado e ajuda humanitária.
Mariana Liñan Pinto