A ideia foi do Professor Rui Tato Marinho, que tantas vezes tem trocado experiências de team building com o Comandante da TAP, Armindo Martins, mas o Professor João Coutinho abraçou a proposta e, reunidos os esforços, entenderam que era importante aplicar à Medicina algumas das regras de liderança que levam a aviação à profissão que mais segurança dá aos outros e aos próprios.
Comandante da TAP com mais de 20 mil horas de voo acumuladas, Armindo Martins, foi ainda durante 9 anos formador de outros pilotos. Foi dessa experiência que veio falar à Aula Magna da Faculdade de Medicina no passado dia 9 de outubro, onde o seu público era maioritariamente constituído por médicos e equipas do Hospital de Santa Maria.
Mas qual a importância de um piloto vir transmitir o seu conhecimento a um grupo de clínicos?
Se num primeiro embate pode parecer que os campos não se cruzam, facilmente depois se rebate esse preconceito inicial.
Médico Gastrenterologista com 35 anos de carreira, Rui Tato Marinho apresentou o convidado fazendo o contraponto às suas 25 mil horas de urgências e reforçando, enquanto Diretor de Serviço que é, que “a liderança é uma gestão de humildade”.
A resposta à pergunta colocada anteriormente é que, então, é na experiência que reside a primeira resposta para o sucesso. Num segundo patamar é na autoridade que a experiência conduz ao sucesso. Mau fundamento defender a autoridade? Talvez mude de opinião até ao fim.
Se no passado, os acidentes de aviação se davam na maior parte das vezes por razões técnicas, hoje, 75% dos casos têm origem no erro humano. O que significa que em cada 4 acidentes, 3 dos aviões estavam aptos para sair de um destino e chegar a outro, sem erro. Importa então perguntar qual é o nível aceitável de erro de um comandante. Nenhum! Ou quase. Vejamos, estima-se que atualmente os céus tenham cerca de 11 milhões de pessoas a voar. De quase nenhuma se ouve falar, porque saíram e chegaram em segurança. E a segurança traduz que houve eficiência de uma equipa gerida por um líder, o comandante.
O erro dá-se por culpa da atitude, muitas vezes causada pelo fenómeno de blind spot (miopia interna), explica o comandante, ou seja a falta de capacidade de sermos autocríticos e fazermos a adequada autoanálise comportamental. Para se vigiar essa “cegueira” própria do ego criam-se regras rígidas cujas consequências, na aviação por exemplo, chegam a um grau de responsabilidade tal que se tornam crime ao não serem cumpridas. As regras são obrigatoriedades a seguir, como o report, pessoal e/ou confidencial ao qual os comandantes estão obrigados, seja em que voo for. E é precisamente esta cultura do report que os motiva e responsabiliza, pois sentem que há sempre um feedback, mas também uma permanente repetição das regras, por consequência um retorno. Isso permite saber claramente quais os limites e as consequências.
“A segurança é então uma atitude, ou se tem, ou não” afirma Armindo Martins, pois é a postura assumida que vai ditar quase sempre o sucesso final que representa garantir que as vidas fiquem intactas. É aqui que se entende a necessidade da autoridade atribuída a um líder que contornará a natural tendência de algum descuido ou preguiça de seguir o passo a passo. Não é por acaso que se usa a sigla KSA – knowledge, skills, attitude – para explicar que a atitude pode, ela sim, estragar até a competência técnica. A segurança não permite, por isso, erro organizacional e assim fica apenas o resto do erro, onde se encaixa a baixa probabilidade de problemas que não se podem contornar humanamente.
Mas então porque acontecem, ainda assim, erros humanos? O comandante explica que advêm sempre de procedimentos comportamentais, reflexo de obstáculos de comunicação, indisciplinas.
Só na uniformização das regras se pode conduzir sempre ao sucesso da ação, quando se olha para trás e se tem consciência que se faria tudo igual. Mas “que não haja vergonha de assumir a fraqueza” diz com grande ênfase, pois nela reside a verdadeira humildade que pode evitar comportamentos negligentes.
Terá a Medicina algo a aprender nesta breve explicação? Podemos ir mais longe e dizer que em todas as organizações, o método poderia, deveria ser aplicável, porque é nos comportamentos que se gera o sucesso, ou a negligência e isso tem consequências para todos.
Faz sentido, não faz?
O auditório achou que sim, aclamando um comandante que é por excelência também ele grande orador e que deixou muitas mensagens que se podem aplicar diariamente na dinâmica de qualquer equipa, talvez de qualquer pessoa.
Parafraseando Armindo Martins, pense só, das 16 000 palavras que diz em média por dia, quantas são palavras agradáveis? E que atitudes gerará a seguir nas suas rotinas que se cruzam com as dos outros? Possivelmente não custará a vida de ninguém, como na aviação ou na medicina, mas talvez custe a longo prazo na vida das Organizações e por inerência no bem-estar das pessoas.
Parabéns às equipas de Cirurgia e Gastrenterologia, precisamente, pela atitude!
Joana Sousa
Equipa Editorial