Do passado ao presente
O Ensino da Medicina (II parte)
Quando o império romano foi invadido pelos bárbaros, que ocorreu entre os anos 300 e 800, algumas das ordens religiosas, durante a Idade Média, recolheram e preservaram grande parte da cultura greco-romana, nomeadamente inúmeros manuscritos médicos o que contribuiu para que o desenvolvimento da Medicina fosse fortemente influenciado pela Igreja naquela altura. A medicina monástica era simples e popular. Os monges para além de utilizarem medicamentos extraídos de plantas medicinais cultivadas nos jardins dos mosteiros, fundaram ainda albergues e pequenos hospitais junto aos mosteiros para examinarem os seus doentes.
[gallery grids="3tiles" image_size="large" columns="1" size="medium" ids="31997"]
[gallery grids="3tiles" image_size="large" columns="1" size="medium" ids="31998"]
Os seus membros debruçaram-se sobretudo pela caligrafia e pelo iluminismo, para além de terem transcrito vários textos gregos e latinos.
[gallery grids="3tiles" image_size="large" columns="1" size="medium" ids="31999"]
No século X foi fundada a Escola de Salerno, a primeira escola leiga para o ensino da Medicina com a intenção de eleger a primeira faculdade de medicina do Ocidente. Teve forte influência das medicinas grega, árabe, judaica, das tradições galénicas e hipocráticas, da prática da cirurgia menosprezando a prática de superstições. Tentou fomentar um novo conceito de ensino, uma nova literatura médica e conceber um esboço de como deveria ser a vida universitária e principalmente ter contribuído para o desenvolvimento da medicina como profissão.
[gallery grids="3tiles" image_size="large" columns="1" size="medium" ids="32000"]
À escola de Salerno ocorreram inúmeros estudantes oriundos dos mais variados países tal era a sua fama. O ensino era essencialmente prático e permitia o ingresso de estudantes do sexo feminino. Os livros utilizados eram na sua grande maioria escritos pelos professores da escola, com características didáticas, anotações e comentários para além das traduções de obras de origem árabe. O curso médico prolongava-se por cinco anos, para além da frequência de estudos preparatórios, atribuindo-se no final uma licença para os estudantes poderem exercer a profissão de médico.
Dos mais célebres médicos da Escola de Salerno contam-se Benevenuto Grasso, Gilles de Corbeil e Rogerius Frugardi.
Apesar de em toda a Europa, os primeiros médicos pertencerem às ordens religiosas, a partir do século XII, a medicina monástica entra em declínio (chegando mesmo a ser proibida no século seguinte), pelo facto das autoridades eclesiásticas suspeitarem que os monges estavam demasiado ocupados com os seus afazeres médicos em detrimento dos deveres religiosos.
[gallery grids="3tiles" image_size="large" columns="2" size="news275" ids="32019,32020"]
A partir de meados do século XII fundaram-se várias universidades por toda a Europa, como a de Bologna (uma das mais antigas universidades europeias), Paris, Montpellier (que cedo se destacou como o centro de ensino médico na Idade Média), Oxford e Cambridge (as primeiras universidades inglesas) e Pádua (a segunda maior universidade de Itália, reconhecida nos inícios do séc. XIII, que obteve enorme e rápido sucesso ultrapassando mesmo a Universidade de Bolonha).
[gallery grids="3tiles" image_size="large" columns="1" size="large" ids="32003"]
A partir do século XIII o ensino médico passou a ser ministrado em escolas e universidades leigas como a de Paris ou a de Londres. Foram ainda criados hospitais por toda a Europa. Progressivamente foram fundadas várias universidades noutros países europeus como seja Portugal, Espanha, ou Itália, totalizando 16 instituições de ensino, nos finais do séc. XIII.
Assim como em toda a Europa Ocidental também o ensino da medicina em Portugal durante a Idade Média efetuava-se nos conventos e mosteiros, nomeadamente no de Santa Cruz de Coimbra e no de Alcobaça.
[gallery grids="3tiles" image_size="large" columns="2" size="news275" ids="32004,32005"]
A grande maioria destas instituições possuíam também anexos que criados inicialmente para o alojamento de doentes eram na maioria das vezes utilizados para albergar viajantes, peregrinos e pobres.
[gallery grids="3tiles" image_size="large" columns="1" size="full" ids="32006"]
A Medicina era já uma profissão bastante conceituada naquela época e desempenhada unicamente pelos membros de clero, única classe social dotada de conhecimento e a mais privilegiada, sendo realizada unicamente nos conventos e mosteiros. A par destes havia ainda os curiosos e charlatães, que apesar de não possuírem qualquer formação procuravam prestar cuidados de saúde à população.
Os médicos existentes, em número bastante deficiente, limitavam-se a cuidar da família real e das camadas mais elevadas da sociedade, enquanto as populações em geral recorriam aos remédios tradicionais aconselhados por curandeiros e por médicos judeus.
No reinado de D. Dinis, em 1288 foi fundada, em Lisboa, a primeira universidade portuguesa então designada de início “Estudo Geral de Lisboa”, como refere a Bula Papal emitida pelo Papa Nicolau IV em 1290, onde menciona para além do estatuto da Universidade, as diversas matérias que deveriam ser ensinadas naquela instituição, incluindo a Física (denominação da Medicina naquela época).
[gallery grids="3tiles" image_size="large" columns="1" size="full" ids="32007"]
Posteriormente, o Estudo Geral foi transferido cinco vezes entre Coimbra e Lisboa, tendo-se fixado definitivamente na cidade de Coimbra já no reinado de D. João III, no ano de 1537. Só após a implantação da República em 1911 foi fundada a Universidade de Lisboa propriamente dita.
Os conhecimentos médicos eram transmitidos pelos elementos das ordens religiosas que tinham ido adquirir esses saberes nas universidades estrangeiras como Paris ou Montpellier, através de apoios financeiros régios. Como exemplo, podemos referir o cónego D. Mendo Dias, considerado o primeiro lente de medicina em Portugal, que após ter frequentado a Universidade de Paris onde aprendeu Teologia e Medicina, usufruindo de um hospital (considerado como o “primeiro hospital escolar”) que entretanto tinha sido fundado perto do Mosteiro de Santa Cruz, principiou a ensinar medicina na forma tradicional, ou seja, lendo textos clássicos da medicina greco-romana e árabe mas também na aplicação prática dos mesmos.
[gallery grids="3tiles" image_size="large" columns="1" size="full" ids="32008"]
Sabemos muito pouco tanto a nível organizacional como a nível do programa acerca de como era exercido o ensino da Medicina nesta época no nosso país, no entanto supomos que era baseado a partir das obras hipocráticas e da escola greco-romana que haviam sido compiladas e comentadas pelos árabes, embora estes tenham menosprezado alguns dos conhecimentos dos clássicos, talvez devido a preconceitos religiosos.
Após a frequência do curso durante cinco anos, período que admitimos através de uma bolsa de estudos criada em 1291, era concedido ao estudante o grau de licenciado, quando os mestres entendessem que tinha credibilidade para exercer e ensinar Medicina.
[gallery grids="3tiles" image_size="large" columns="1" size="full" ids="32009"]
Face à grave situação existente em Portugal no que diz respeito à profissão e ao ensino médicos nomeadamente à dependência que o clero sentia face às universidades estrangeiras ou aos elevados encargos que tinham ao enviarem estudantes para irem estudar para o exterior, foram várias as reformas que os reis decidiram incrementar de modo a que aquele quadro se alterasse.
Assim, D. Pedro I em 1357 criou um imposto a quem pretendesse ir estudar para o estrangeiro e posteriormente opôs-se a que o ensino médico existisse fora da universidade já que existiam alunos externos à instituição. O rei D. Fernando em 1377, decidiu contratar vários professores estrangeiros. Também D. João I incutiu várias modificações e diretrizes no ensino médico entre as quais que a formação do estudante que pretendesse alcançar o grau de doutor culminasse com uma prova científica.
No reinado de D. Manuel I o ensino da Medicina era organizado em duas cátedras (Prima e Véspera) e sabe-se da existência de três graus académicos: bacharel, licenciado e doutor. Os candidatos ao ensino médico tinham de possuir o bacharelato em Artes. Decide-se pela cor amarela para caracterizar as insígnias doutorais de medicina assim como dos protocolos dos atos académicos e das condições para a obtenção dos referidos graus.
[gallery grids="3tiles" image_size="large" columns="1" size="full" ids="32010"]
Como aconteceu nos séculos anteriores o ensino da medicina continuava a basear-se unicamente em ouvir os textos antigos em latim, mas sem nenhuma experiência prática, enquanto o ensino da cirurgia era transmitido fora da universidade através dos barbeiros e outros habilidosos.
Nos séculos XV e XVI os médicos existentes na Península Ibérica eram na sua grande maioria judeus, que tinham obtido a sua formação no exterior dos sistemas educativos. Apesar de estarem proibidos de exercerem a sua profissão, possuíam uma enorme importância em toda a Europa onde adquiriram proteção e favorecimentos de vários monarcas.
Talvez devido à incompetência dos diplomados existentes na época, D. João II para além de dar continuidade às disposições efetuadas por D. João I, decretou que físicos, cirurgiões judeus ou de outras origens só poderiam ser considerados profissionais de saúde após terem sido examinados pelo físico-mor ou pelo cirurgião-mor e serem-lhes atribuídos o selo real.
A partir de 1492 houve um enorme desenvolvimento no ensino e na profissão médica com a fundação, do Hospital Real de Todos-os-Santos, ainda no reinado de D. João II, seguindo-se posteriormente a fundação da confraria da Nossa Senhora da Misericórdia.
Também D. Manuel I com o seu carácter visionário ordenou que o ensino da cirurgia, até então separada do ensino da medicina fizesse parte da formação médica e que fosse ministrado naquele hospital.
Deve-se a D. João II e a D. Manuel I as profundas alterações que foram realizadas no que diz respeito à organização dos cuidados de saúde às populações, por isso foram substituídas as velhas albergarias por novas instituições hospitalares.
[gallery grids="3tiles" image_size="large" columns="1" size="medium" ids="32011"]
Ao confrontar-se com a recusa dos detentores das cátedras de Medicina acerca da transferência da Universidade de Lisboa para Coimbra, após a sua decisão, D. João III em 1537, aproveitou para introduzir mais uma reforma de modo a dignificar o ensino médico ao exigir a formação e a contratação de professores do estrangeiro, verificando-se mais tarde um número elevado de lentes de grande mérito no ensino médico em Portugal tendo, este rei, privilegiado de início o ensino da teologia e mais tarde o de Anatomia e Cirurgia.
O curso de Medicina só possível em Coimbra, com a duração de seis anos e mais dois anos de prática profissional, exigia para a sua frequência aos possíveis candidatos, serem possuidores do bacharelato em Artes. O ensino da medicina baseava-se na transmissão de conhecimentos clássicos principalmente nos comentários e interpretações dos textos clássicos sobretudo de Galeno e Hipócrates e de conhecimentos empíricos (observação do corpo humano) através da prática clínica onde tinham contacto com os doentes tanto internos como externos ao hospital, com a natureza das doenças e respetivos tratamentos.
Por esta altura o ensino médico em Espanha era bastante conceituado, sobretudo em Barcelona e Salamanca. Nos séculos XVI a XVIII foram vários os médicos espanhóis que vieram ensinar para Portugal havendo também informações de médicos portugueses a lecionar em várias universidades, entre elas Salamanca.
O ensino médico, após a reforma introduzida por D. João III, tinha uma duração e um grau de dificuldade muito maiores em comparação ao ensino ministrado nas universidades espanholas, o que levou aos alunos portugueses a preferirem a sua frequência e virem posteriormente só fazer o exame de equivalência a Portugal perante o físico-mor.
[gallery grids="3tiles" image_size="large" columns="1" size="medium" ids="32012"]
Apesar de se ter verificado um certo desenvolvimento científico no séc. XVI em Portugal, após o ensino da medicina ter-se voltado de novo para a medicina hipocrática surgiu um enorme retrocesso no campo médico devido à expulsão dos judeus (considerada parte da sociedade com a maior e mais evoluída percentagem de médicos e cirurgiões portugueses), à implantação da Inquisição e à enorme influência dos jesuítas em todos os campos de ensino no nosso país.
Estes fatores originaram uma enorme crise como consequência do sistema estabelecido.
Apesar de continuar a haver uma enorme falta de médicos e cirurgiões e de alguns alunos terem possibilidades de irem estudar para o estrangeiro surgiu ainda a oportunidade de lecionar nos hospitais.
Por esta altura eram concedidos iguais direitos tanto aos profissionais que tivessem frequentado a Universidade de Coimbra, os que tinham obtido diploma em universidades estrangeiras e àqueles que apenas tinham algumas noções de medicina, mesmo que nunca tivessem frequentado nenhum curso, bastava-lhes unicamente que reunissem testemunhas que aprovassem as suas competências. Estes eram chamados de idiotas ou mata-sanos.
Todos eles podiam exercer a medicina mediante o consentimento do físico-mor o que era permitido com enorme destreza.
A partir de 1608 a autorização do físico-mor que era apenas concedida aos candidatos ensinados nos hospitais era válida somente nas povoações onde não houvesse médicos diplomados pela Universidade de Coimbra. Depois de inúmeras reclamações contra o poder do físico-mor as missões de avaliação e aprovação dos candidatos externos foram definitivamente transferidas e equiparadas a um lugar de topo na carreira da universidade.
Devido aos insuficientes conhecimentos, instabilidade político-social, crê-se que nem os detentores de bacharel tinham conhecimentos clínicos apropriados, nem os mata-sanos eram complemente desnecessários nas povoações distantes dos grandes centros.
Em oposição à reforma de D. João III que pretendia uma melhor qualidade de formação médica a nível nacional, começou a surgir uma enorme descrença e desprestigio na carreira médica considerada como constituída por gente inapta para o exercício da profissão, como consequência da perda de independência, a um número elevado de elementos sem qualificação mas autorizados a exercerem a profissão médica, à existência de um grande número e médicos qualificados nas universidades espanholas e à expulsão dos médicos judeus.
É ainda de realçar a descriminação, existente no séc. XVI, quanto à raça ou à religião, que contribuiu para que o acesso ao ensino e a prática médica fossem proibidos e estivessem dependentes da Inquisição, apesar do número de profissionais desta área fosse diminuto.
Em 1568, o rei D. Sebastião determinou que, de modo a apoiar os estudos de medicina aos cristãos-velhos, lhes fosse atribuída uma pensão anual que posteriormente os alunos de farmácia também beneficiaram.
No Séc. XVI há a destacar alguns médicos portugueses que contribuíram para que a Medicina Portuguesa fosse reconhecida internacionalmente
Garcia de Orta, (1501-1568), realizou estudos médicos, anatómicos e botânicos baseados na observação direta e na sistematização dos resultados, de acordo com as explorações e utilizações terapêuticas da flora indiana por si efetuados na Índia (onde faleceu) e que deu origem à publicação da obra Colóquios dos Simples e Drogas he cousas Medicinais da India… publicado, pela primeira vez, em 1563.
[gallery grids="3tiles" image_size="large" columns="2" size="medium" ids="32013,32014"]
Amato Lusitano, (1511-1568) de seu nome verdadeiro João Rodrigues de Castelo Branco, médico de origem judaica.
[gallery grids="3tiles" image_size="large" columns="1" size="medium" ids="32015"]
Amato Lusitano foi anatomista e clínico para além de ter realizado importantes estudos nas áreas da cirurgia e botânica. A sua principal obra escrita “Centúrias e Curas Médicas”.
Rodrigo Castro, (c.1546-1627/29?), médico judeu, considerado o pioneiro da ginecologia portuguesa devido à sua obra “A Medicina Geral da Mulher”, dividida em duas partes num conjunto de oito volumes.
Antonio Luis, professor da Universidade de Coimbra, profundo conhecedor das línguas grega e latina, publicou o livro “Problematum libri” onde condensou em 5 volumes todos os documentos traduzidos e comentados dos originais de Galeno assim como os textos atribuídos a Hipócrates.
Henrique Jorge Henriques (1545? - 1622) precursor da higiene alimentar, salientou-se ainda na deontologia e éticas médicas. Na sua obra publicada em 1595 “No Retrato del perfecto medico” relata os procedimentos que deveriam ser respeitados na profissão médica.
A partir do século XVII começa-se a notar uma certa discrepância entre Portugal e outros países europeus no que diz respeito ao desenvolvimento da ciência. Verifica-se que o ensino e a profissão médica no nosso país entram em decadência neste século, em comparação com o século anterior, devido a fatores políticos e religiosos, apesar dos esforços despendidos por vários reis na implementação de algumas reformas, assim como do reconhecimento internacional de alguns médicos portugueses.
size="30"
Lurdes Barata
Área de Biblioteca e Informação
Equipa Editorial
[gallery grids="3tiles" image_size="large" columns="1" size="medium" ids="31997"]
Um dos mosteiros com mais prestígio foi o de Monte Cassino, em Itália, fundado no século VI por Bento de Núrsia, mais conhecido como São Bento, dando origem à Ordem dos Beneditinos.
[gallery grids="3tiles" image_size="large" columns="1" size="medium" ids="31998"]
Os seus membros debruçaram-se sobretudo pela caligrafia e pelo iluminismo, para além de terem transcrito vários textos gregos e latinos.
[gallery grids="3tiles" image_size="large" columns="1" size="medium" ids="31999"]
No século X foi fundada a Escola de Salerno, a primeira escola leiga para o ensino da Medicina com a intenção de eleger a primeira faculdade de medicina do Ocidente. Teve forte influência das medicinas grega, árabe, judaica, das tradições galénicas e hipocráticas, da prática da cirurgia menosprezando a prática de superstições. Tentou fomentar um novo conceito de ensino, uma nova literatura médica e conceber um esboço de como deveria ser a vida universitária e principalmente ter contribuído para o desenvolvimento da medicina como profissão.
[gallery grids="3tiles" image_size="large" columns="1" size="medium" ids="32000"]
À escola de Salerno ocorreram inúmeros estudantes oriundos dos mais variados países tal era a sua fama. O ensino era essencialmente prático e permitia o ingresso de estudantes do sexo feminino. Os livros utilizados eram na sua grande maioria escritos pelos professores da escola, com características didáticas, anotações e comentários para além das traduções de obras de origem árabe. O curso médico prolongava-se por cinco anos, para além da frequência de estudos preparatórios, atribuindo-se no final uma licença para os estudantes poderem exercer a profissão de médico.
Dos mais célebres médicos da Escola de Salerno contam-se Benevenuto Grasso, Gilles de Corbeil e Rogerius Frugardi.
Apesar de em toda a Europa, os primeiros médicos pertencerem às ordens religiosas, a partir do século XII, a medicina monástica entra em declínio (chegando mesmo a ser proibida no século seguinte), pelo facto das autoridades eclesiásticas suspeitarem que os monges estavam demasiado ocupados com os seus afazeres médicos em detrimento dos deveres religiosos.
[gallery grids="3tiles" image_size="large" columns="2" size="news275" ids="32019,32020"]
A partir de meados do século XII fundaram-se várias universidades por toda a Europa, como a de Bologna (uma das mais antigas universidades europeias), Paris, Montpellier (que cedo se destacou como o centro de ensino médico na Idade Média), Oxford e Cambridge (as primeiras universidades inglesas) e Pádua (a segunda maior universidade de Itália, reconhecida nos inícios do séc. XIII, que obteve enorme e rápido sucesso ultrapassando mesmo a Universidade de Bolonha).
[gallery grids="3tiles" image_size="large" columns="1" size="large" ids="32003"]
A partir do século XIII o ensino médico passou a ser ministrado em escolas e universidades leigas como a de Paris ou a de Londres. Foram ainda criados hospitais por toda a Europa. Progressivamente foram fundadas várias universidades noutros países europeus como seja Portugal, Espanha, ou Itália, totalizando 16 instituições de ensino, nos finais do séc. XIII.
Assim como em toda a Europa Ocidental também o ensino da medicina em Portugal durante a Idade Média efetuava-se nos conventos e mosteiros, nomeadamente no de Santa Cruz de Coimbra e no de Alcobaça.
[gallery grids="3tiles" image_size="large" columns="2" size="news275" ids="32004,32005"]
A grande maioria destas instituições possuíam também anexos que criados inicialmente para o alojamento de doentes eram na maioria das vezes utilizados para albergar viajantes, peregrinos e pobres.
[gallery grids="3tiles" image_size="large" columns="1" size="full" ids="32006"]
A Medicina era já uma profissão bastante conceituada naquela época e desempenhada unicamente pelos membros de clero, única classe social dotada de conhecimento e a mais privilegiada, sendo realizada unicamente nos conventos e mosteiros. A par destes havia ainda os curiosos e charlatães, que apesar de não possuírem qualquer formação procuravam prestar cuidados de saúde à população.
Os médicos existentes, em número bastante deficiente, limitavam-se a cuidar da família real e das camadas mais elevadas da sociedade, enquanto as populações em geral recorriam aos remédios tradicionais aconselhados por curandeiros e por médicos judeus.
No reinado de D. Dinis, em 1288 foi fundada, em Lisboa, a primeira universidade portuguesa então designada de início “Estudo Geral de Lisboa”, como refere a Bula Papal emitida pelo Papa Nicolau IV em 1290, onde menciona para além do estatuto da Universidade, as diversas matérias que deveriam ser ensinadas naquela instituição, incluindo a Física (denominação da Medicina naquela época).
[gallery grids="3tiles" image_size="large" columns="1" size="full" ids="32007"]
Posteriormente, o Estudo Geral foi transferido cinco vezes entre Coimbra e Lisboa, tendo-se fixado definitivamente na cidade de Coimbra já no reinado de D. João III, no ano de 1537. Só após a implantação da República em 1911 foi fundada a Universidade de Lisboa propriamente dita.
Os conhecimentos médicos eram transmitidos pelos elementos das ordens religiosas que tinham ido adquirir esses saberes nas universidades estrangeiras como Paris ou Montpellier, através de apoios financeiros régios. Como exemplo, podemos referir o cónego D. Mendo Dias, considerado o primeiro lente de medicina em Portugal, que após ter frequentado a Universidade de Paris onde aprendeu Teologia e Medicina, usufruindo de um hospital (considerado como o “primeiro hospital escolar”) que entretanto tinha sido fundado perto do Mosteiro de Santa Cruz, principiou a ensinar medicina na forma tradicional, ou seja, lendo textos clássicos da medicina greco-romana e árabe mas também na aplicação prática dos mesmos.
[gallery grids="3tiles" image_size="large" columns="1" size="full" ids="32008"]
Sabemos muito pouco tanto a nível organizacional como a nível do programa acerca de como era exercido o ensino da Medicina nesta época no nosso país, no entanto supomos que era baseado a partir das obras hipocráticas e da escola greco-romana que haviam sido compiladas e comentadas pelos árabes, embora estes tenham menosprezado alguns dos conhecimentos dos clássicos, talvez devido a preconceitos religiosos.
Após a frequência do curso durante cinco anos, período que admitimos através de uma bolsa de estudos criada em 1291, era concedido ao estudante o grau de licenciado, quando os mestres entendessem que tinha credibilidade para exercer e ensinar Medicina.
[gallery grids="3tiles" image_size="large" columns="1" size="full" ids="32009"]
Face à grave situação existente em Portugal no que diz respeito à profissão e ao ensino médicos nomeadamente à dependência que o clero sentia face às universidades estrangeiras ou aos elevados encargos que tinham ao enviarem estudantes para irem estudar para o exterior, foram várias as reformas que os reis decidiram incrementar de modo a que aquele quadro se alterasse.
Assim, D. Pedro I em 1357 criou um imposto a quem pretendesse ir estudar para o estrangeiro e posteriormente opôs-se a que o ensino médico existisse fora da universidade já que existiam alunos externos à instituição. O rei D. Fernando em 1377, decidiu contratar vários professores estrangeiros. Também D. João I incutiu várias modificações e diretrizes no ensino médico entre as quais que a formação do estudante que pretendesse alcançar o grau de doutor culminasse com uma prova científica.
No reinado de D. Manuel I o ensino da Medicina era organizado em duas cátedras (Prima e Véspera) e sabe-se da existência de três graus académicos: bacharel, licenciado e doutor. Os candidatos ao ensino médico tinham de possuir o bacharelato em Artes. Decide-se pela cor amarela para caracterizar as insígnias doutorais de medicina assim como dos protocolos dos atos académicos e das condições para a obtenção dos referidos graus.
[gallery grids="3tiles" image_size="large" columns="1" size="full" ids="32010"]
Como aconteceu nos séculos anteriores o ensino da medicina continuava a basear-se unicamente em ouvir os textos antigos em latim, mas sem nenhuma experiência prática, enquanto o ensino da cirurgia era transmitido fora da universidade através dos barbeiros e outros habilidosos.
Nos séculos XV e XVI os médicos existentes na Península Ibérica eram na sua grande maioria judeus, que tinham obtido a sua formação no exterior dos sistemas educativos. Apesar de estarem proibidos de exercerem a sua profissão, possuíam uma enorme importância em toda a Europa onde adquiriram proteção e favorecimentos de vários monarcas.
Talvez devido à incompetência dos diplomados existentes na época, D. João II para além de dar continuidade às disposições efetuadas por D. João I, decretou que físicos, cirurgiões judeus ou de outras origens só poderiam ser considerados profissionais de saúde após terem sido examinados pelo físico-mor ou pelo cirurgião-mor e serem-lhes atribuídos o selo real.
A partir de 1492 houve um enorme desenvolvimento no ensino e na profissão médica com a fundação, do Hospital Real de Todos-os-Santos, ainda no reinado de D. João II, seguindo-se posteriormente a fundação da confraria da Nossa Senhora da Misericórdia.
Também D. Manuel I com o seu carácter visionário ordenou que o ensino da cirurgia, até então separada do ensino da medicina fizesse parte da formação médica e que fosse ministrado naquele hospital.
Deve-se a D. João II e a D. Manuel I as profundas alterações que foram realizadas no que diz respeito à organização dos cuidados de saúde às populações, por isso foram substituídas as velhas albergarias por novas instituições hospitalares.
[gallery grids="3tiles" image_size="large" columns="1" size="medium" ids="32011"]
Ao confrontar-se com a recusa dos detentores das cátedras de Medicina acerca da transferência da Universidade de Lisboa para Coimbra, após a sua decisão, D. João III em 1537, aproveitou para introduzir mais uma reforma de modo a dignificar o ensino médico ao exigir a formação e a contratação de professores do estrangeiro, verificando-se mais tarde um número elevado de lentes de grande mérito no ensino médico em Portugal tendo, este rei, privilegiado de início o ensino da teologia e mais tarde o de Anatomia e Cirurgia.
O curso de Medicina só possível em Coimbra, com a duração de seis anos e mais dois anos de prática profissional, exigia para a sua frequência aos possíveis candidatos, serem possuidores do bacharelato em Artes. O ensino da medicina baseava-se na transmissão de conhecimentos clássicos principalmente nos comentários e interpretações dos textos clássicos sobretudo de Galeno e Hipócrates e de conhecimentos empíricos (observação do corpo humano) através da prática clínica onde tinham contacto com os doentes tanto internos como externos ao hospital, com a natureza das doenças e respetivos tratamentos.
Por esta altura o ensino médico em Espanha era bastante conceituado, sobretudo em Barcelona e Salamanca. Nos séculos XVI a XVIII foram vários os médicos espanhóis que vieram ensinar para Portugal havendo também informações de médicos portugueses a lecionar em várias universidades, entre elas Salamanca.
O ensino médico, após a reforma introduzida por D. João III, tinha uma duração e um grau de dificuldade muito maiores em comparação ao ensino ministrado nas universidades espanholas, o que levou aos alunos portugueses a preferirem a sua frequência e virem posteriormente só fazer o exame de equivalência a Portugal perante o físico-mor.
[gallery grids="3tiles" image_size="large" columns="1" size="medium" ids="32012"]
Apesar de se ter verificado um certo desenvolvimento científico no séc. XVI em Portugal, após o ensino da medicina ter-se voltado de novo para a medicina hipocrática surgiu um enorme retrocesso no campo médico devido à expulsão dos judeus (considerada parte da sociedade com a maior e mais evoluída percentagem de médicos e cirurgiões portugueses), à implantação da Inquisição e à enorme influência dos jesuítas em todos os campos de ensino no nosso país.
Estes fatores originaram uma enorme crise como consequência do sistema estabelecido.
Apesar de continuar a haver uma enorme falta de médicos e cirurgiões e de alguns alunos terem possibilidades de irem estudar para o estrangeiro surgiu ainda a oportunidade de lecionar nos hospitais.
Por esta altura eram concedidos iguais direitos tanto aos profissionais que tivessem frequentado a Universidade de Coimbra, os que tinham obtido diploma em universidades estrangeiras e àqueles que apenas tinham algumas noções de medicina, mesmo que nunca tivessem frequentado nenhum curso, bastava-lhes unicamente que reunissem testemunhas que aprovassem as suas competências. Estes eram chamados de idiotas ou mata-sanos.
Todos eles podiam exercer a medicina mediante o consentimento do físico-mor o que era permitido com enorme destreza.
A partir de 1608 a autorização do físico-mor que era apenas concedida aos candidatos ensinados nos hospitais era válida somente nas povoações onde não houvesse médicos diplomados pela Universidade de Coimbra. Depois de inúmeras reclamações contra o poder do físico-mor as missões de avaliação e aprovação dos candidatos externos foram definitivamente transferidas e equiparadas a um lugar de topo na carreira da universidade.
Devido aos insuficientes conhecimentos, instabilidade político-social, crê-se que nem os detentores de bacharel tinham conhecimentos clínicos apropriados, nem os mata-sanos eram complemente desnecessários nas povoações distantes dos grandes centros.
Em oposição à reforma de D. João III que pretendia uma melhor qualidade de formação médica a nível nacional, começou a surgir uma enorme descrença e desprestigio na carreira médica considerada como constituída por gente inapta para o exercício da profissão, como consequência da perda de independência, a um número elevado de elementos sem qualificação mas autorizados a exercerem a profissão médica, à existência de um grande número e médicos qualificados nas universidades espanholas e à expulsão dos médicos judeus.
É ainda de realçar a descriminação, existente no séc. XVI, quanto à raça ou à religião, que contribuiu para que o acesso ao ensino e a prática médica fossem proibidos e estivessem dependentes da Inquisição, apesar do número de profissionais desta área fosse diminuto.
Em 1568, o rei D. Sebastião determinou que, de modo a apoiar os estudos de medicina aos cristãos-velhos, lhes fosse atribuída uma pensão anual que posteriormente os alunos de farmácia também beneficiaram.
No Séc. XVI há a destacar alguns médicos portugueses que contribuíram para que a Medicina Portuguesa fosse reconhecida internacionalmente
Garcia de Orta, (1501-1568), realizou estudos médicos, anatómicos e botânicos baseados na observação direta e na sistematização dos resultados, de acordo com as explorações e utilizações terapêuticas da flora indiana por si efetuados na Índia (onde faleceu) e que deu origem à publicação da obra Colóquios dos Simples e Drogas he cousas Medicinais da India… publicado, pela primeira vez, em 1563.
[gallery grids="3tiles" image_size="large" columns="2" size="medium" ids="32013,32014"]
Amato Lusitano, (1511-1568) de seu nome verdadeiro João Rodrigues de Castelo Branco, médico de origem judaica.
[gallery grids="3tiles" image_size="large" columns="1" size="medium" ids="32015"]
Amato Lusitano foi anatomista e clínico para além de ter realizado importantes estudos nas áreas da cirurgia e botânica. A sua principal obra escrita “Centúrias e Curas Médicas”.
Rodrigo Castro, (c.1546-1627/29?), médico judeu, considerado o pioneiro da ginecologia portuguesa devido à sua obra “A Medicina Geral da Mulher”, dividida em duas partes num conjunto de oito volumes.
Antonio Luis, professor da Universidade de Coimbra, profundo conhecedor das línguas grega e latina, publicou o livro “Problematum libri” onde condensou em 5 volumes todos os documentos traduzidos e comentados dos originais de Galeno assim como os textos atribuídos a Hipócrates.
Henrique Jorge Henriques (1545? - 1622) precursor da higiene alimentar, salientou-se ainda na deontologia e éticas médicas. Na sua obra publicada em 1595 “No Retrato del perfecto medico” relata os procedimentos que deveriam ser respeitados na profissão médica.
A partir do século XVII começa-se a notar uma certa discrepância entre Portugal e outros países europeus no que diz respeito ao desenvolvimento da ciência. Verifica-se que o ensino e a profissão médica no nosso país entram em decadência neste século, em comparação com o século anterior, devido a fatores políticos e religiosos, apesar dos esforços despendidos por vários reis na implementação de algumas reformas, assim como do reconhecimento internacional de alguns médicos portugueses.
(Cont.)
size="30"
Lurdes Barata
Área de Biblioteca e Informação
Equipa Editorial