Mais e Melhor
A Marta e a Mariana contam-nos o que é o Projeto Medicina Mais Perto: Moçambique.
size="10"
Foi de sorriso aberto que me receberam pontualmente à hora marcada e no espaço que as recebeu no primeiro ano em que entraram na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
Marta Almeida tem 20 anos e está, agora, no 4º ano do Mestrado Integrado em Medicina. Orgulhosa escuteira, embarcou na aventura do Projeto Medicina Mais Perto - Moçambique “de forma inesperada”. Em outubro, decidiu acompanhar, à última da hora, umas amigas e colegas de curso à Sessão de Esclarecimentos e foi esse o momento que marcava a primeira etapa daquela que viria a ser uma aventura de 5 semanas no terreno moçambicano. Nunca tinha ponderado a hipótese de fazer parte desta experiência, mas de imediato ficou motivada e sentiu que gostava de ter “um papel ativo neste projeto.”
A Mariana, que tem 23 anos e está no 5º ano do Mestrado Integrado em Medicina, confessa de imediato que “gosta de pessoas, de estar com pessoas” - talvez tenha sido isso que tenha feito envolver-se tão emotivamente neste projeto. Apesar de conhecer o Projeto, que admira, há algum tempo nunca tinha sentido, até este ano, que estaria preparada para fazer parte dele. Mas este sim, seria o momento certo, com maior confiança e a um passo de terminar o curso!
Ambas participaram na primeira equipa daquela que já foi a 7ª edição do Medicina Mais Perto: Moçambique.
O Projeto Medicina Mais Perto: Moçambique é um projeto de voluntariado que tem como objetivo levar cuidados de saúde e apoio social na província de Maputo, em Moçambique. Através de ações de formação e rastreios, bem como acompanhamentos aos hospitais, duas equipas de seis elementos, entre julho e setembro, ficam cinco semanas cada em terras de Moçambique.
São várias as fases de seleção que iniciam em outubro do ano anterior à viagem. O Projeto começa com uma sessão de esclarecimento, em que os interessados se inscrevem e posteriormente têm a possibilidade de preencherem o primeiro questionário de seleção, respondendo a várias perguntas. Nesta fase são selecionados os primeiros 35 potenciais participantes. Participam depois em 4 formações onde, além da aquisição de matéria teórica relativa ao tema do voluntariado, através da participação de alguns oradores convidados, realizam também dinâmicas de grupo, o que lhes permite “estar mais perto uns dos outros enquanto equipas”. No final desta fase de seleção são realizadas entrevistas e testes psicotécnicos, que contam com o apoio imprescindível de estudantes de final de curso da área da psicologia, cujo parecer técnico fundamenta a seleção dos candidatos. Desta fase, resta um grupo de 18 que continua com as formações - agora já mais focadas na realidade Moçambicana - e que tem como função a angariação de fundos através de várias iniciativas, “um jantar é um dos exemplos de uma atividade realizada com esse fim”. Em maio são formadas duas equipas, constituídas cada uma por um elemento da Comissão Organizadora e 5 voluntários. Depois disso segue-se, finalmente, a fase de preparação do trabalho de campo em que as equipas, já formadas, planeiam o programa diário, desde as ações de formação que vão ser realizadas, ao equipamento que é necessário levar para as consultas e a toda a logística associada. O papel do Coordenador de equipa, elemento da Comissão Organizadora, é fundamental durante todo o projeto porque é alguém que já participou nele e ajuda quem faz parte da equipa pela primeira vez.
Assim, passa um ano. Quando lá chegam vão trabalhar com vários grupos e associações.
Grande parte do tempo é passado na AVOMACC (Associação Voluntária de Mães e Crianças Carenciadas), uma Associação cuja principal missão é dar trabalho a mães e mulheres com diversas carências socioeconómicas, bem como iniciar a formação dos seus filhos na fase inicial das suas vidas. As formações fazem parte da rotina, e é aí que os voluntários transmitem alguns ensinamentos sobre saúde, educação e sociedade. Estes momentos formativos são essenciais para a aquisição de competências sociais e conhecimentos nas diversas áreas como direitos humanos, nutrição e higiene, por exemplo.
Também realizam rastreios na área da saúde às mamãs e às crianças (medem a tensão, o peso, o índice de glicémia) “quando notamos algum problema acompanhamos a pessoa ao hospital e ajudamos no interface entre o doente e o médico”, explica-nos a Marta. E é aqui que se sentem fundamentais pois, como me contam, a comunicação é muito difícil dentro do centro de saúde e do hospital. Conhecer a AVOMACC é conhecer um mundo pequeno dentro de outro mundo maior. São três as principais formas de subsistência da Associação, explica-nos Mariana: “a oficina da costura (onde as mamãs fazem diversos artigos para vender em feiras de artesanato), a machamba (uma horta onde se cultivam bens hortícolas que posteriormente são vendidos à população local) e os alunos externos (não familiares de nenhuma das mamãs) que pagam para frequentar o centro infantil”. Quando chegam lá, os voluntários aprendem as rotinas e participam no dia-a-dia da associação “porque das melhores formas que temos para nos aproximarmos de alguém é partilhar a sua rotina e os seus esforços”. Desta forma, é com grande orgulho que se começa a partilhar culturas e conhecimentos!
Para além da AVOMACC existe uma colaboração com um grupo de escuteiros, um grupo de adolescentes e outro de idosos da paróquia local – Paróquia de São João Baptista do Fomento. A partilha de iniciativas e as atividades diárias funcionam em conjunto com as associações e grupos locais e a interajuda é fundamental para o sucesso do Projeto Medicina Mais Perto: Moçambique.
Outro dos parceiros é a Plataforma Makobo que tem como missão promover e fomentar serviços que visem a autossuficiência de grupos menos favorecidos, num contexto de exclusão social, sendo um dos seus lemas “Educação igual a Nutrição”, pois um dos principais contributos à população consiste na distribuição de comida. O apoio dos voluntários do Projeto Medicina Mais Perto: Moçambique consiste em fazer uma avaliação nutricional (medição de perímetros, da prega cutânea, do peso, da altura) para se avaliar o impacto das campanhas da Plataforma. A iniciativa “Sopa Solidária”, por exemplo, consiste em oferecer diariamente cerca de 600 sopas, beneficiando semanalmente cerca de 2500 pessoas, garantindo que estes tenham, pelo menos, uma refeição condigna por dia.
O DREAM é uma associação que tem como principal objetivo controlar a epidemia de HIV/SIDA na África Subsaariana. O papel dos voluntários, nesta articulação, é incentivar as mamãs e as famílias a procurarem o centro DREAM, ou a serem acompanhadas até lá, sensibilizando-as para a importância de realizar os testes para o HIV e de ter um acompanhamento médico regular.
Todos os anos se tentam- consolidar parcerias. Os voluntários do Medicina Mais Perto: Moçambique tentam estabelecer contactos, mostrando-se disponíveis a ajudar as associações locais que precisam do seu contributo, quando lhes é solicitado. Este ano, por exemplo, “pela primeira vez desenvolveu-se um trabalho com um grupo de adolescentes, a pedido de uma das Irmãs da Paróquia” contou-nos Mariana.
Marta reconhece que o trabalho partilhado, conjunto, é reconhecidamente enriquecedor, sendo clara a disponibilidade de quem parte de Portugal “para articular atividades e esforços conjuntos com os grupos de voluntários locais”.
À chegada, a receção é em festa, mas a aproximação entre voluntários e população faz-se de dia para dia e aos poucos. A Mariana explica-nos que “embora seja um grupo muito aguardado, os voluntários têm que conquistar a confiança de quem lá está. A postura tem que ser de humildade e de disponibilidade e a aproximação pode demorar … vai acontecendo.” A Marta reforça exatamente essa ideia “é como conhecer uma pessoa pela primeira vez e até se estabelecer uma relação de confiança, demora o seu tempo. Os voluntários são 6 e na AVOMACC, por exemplo, as mamãs são cerca de 90. As relações que se estabelecem não são iguais entre todas as pessoas. O importante é conseguir estabelecer uma relação de confiança entre os voluntários e aquelas pessoas, para que venham ter connosco e sintam que podem confiar e que estamos lá para ajudar. Mesmo fora do espaço de consultas”. A disponibilidade é grande e a procura é proporcional.
Quando lhes perguntei qual tinha sido o seu contributo pessoal neste projeto senti na Marta e na Mariana que qualquer expressão ou palavra seriam insuficientes para classificar o sentimento. “Senti que o nosso papel é de extrema importância no âmbito da saúde” diz-nos a Marta “Apesar de não sermos médicos, conseguimos muitas vezes detectar situações fora do comum, reencaminhando-as para os serviços de saúde locais. A nossa disponibilidade para as acompanharmos ao centro de saúde ou ao hospital é fundamental, porque concluímos que a deslocação até esses locais não se faz sempre que é necessário, nem sempre que deveria ser feita. Foi aí que senti que a minha participação, neste projeto, podia fazer a diferença na vida daquelas pessoas.” A Mariana refere que “o que acontece é que alguns dos centros de saúde e hospitais estão situados muito longe do local onde essas pessoas vivem. Para se deslocarem até lá demoram muito tempo e o facto de terem que faltar ao trabalho, por vezes uma manhã inteira, faz com que evitem e acabem por adiar a consulta e a não procurarem ajuda médica. Outra barreira é a parte comunicacional pois, muitas vezes, é difícil para estas pessoas conseguirem expressar o que sentem.”
Outra dificuldade com que se depararam de imediato foi a falta de dispositivos e equipamentos no hospital, “por vezes tínhamos necessidade de ir de sala em sala à procura de estetoscópios ou aparelhos medidores de tensão arterial ” revela-nos a Marta “e é aí que nos sentimos importantes porque a nossa presença faz efetivamente a diferença”. Não menos importante que um acompanhamento ao hospital são as várias ações de formação que se realizam durante o projeto. “Era muito bom quando, posteriormente às formações, fazíamos algumas perguntas e constatávamos que tinham aprendido algo novo connosco, que havia informação importante que tinha sido retida”, confessa-nos a Marta “e isso é muito bom! Mesmo!”.
Mariana diz-nos que o seu maior contributo foi poder contribuir para um projeto que tem uma continuidade, repete-se todos os anos, porque “no ano seguinte não serei eu a lá estar, mas sei que estarão lá outras pessoas. Eu sei isso, e a população que nos recebe sabe isso também.” Mas a importância de cada voluntário não se vê apenas nas tarefas programadas do dia-a-dia, para Mariana foi nos momentos mais descontraídos, em que surgiram conversas mais pessoais, que confirmou que ela era importante para quem lá está. “Criaram-se laços em conversas informais, laços de confiança que no fundo tiveram frutos porque senti que ajudei a resolver alguns problemas mesmo quando não estava em ambiente de consulta ou formação.”
E por todos os laços que se criam com aquelas mamãs, aquelas crianças e aqueles jovens, as despedidas são sempre difíceis: “a minha foi inundada em lágrimas” revela-nos Mariana “tendo sido a pior parte de toda a experiência porque ela acaba quando já nos sentimos parte daquela família. Quando cheguei a Portugal senti que me tinham arrancado de Moçambique, daquelas pessoas!”. Foi difícil a despedida para quem se tinha esquecido que não era aquela a sua terra nem aquelas as suas pessoas, porque na realidade sentiam-se “em casa, junto dos seus.”
Enquanto se prepara, se inicia e decorre o projeto não há tempo para pensar no final, “o ter de voltar” não passa pela cabeça de quem está tão ocupado com o presente.
Mas para Marta houve a necessidade de, ainda lá, ir-se preparando e, no contar dos dias, ia-se mentalizando que as 5 semanas seriam a voar. Entregou-se completamente ao projeto e identificou o seu papel e o que queria fazer enquanto lá estava, mas sabia que teria que regressar a Portugal. “Ser escuteira pode ter ajudado, acho que já me deu treino, para consciencializar que o meu papel lá teria que terminar um dia e esse dia iria chegar rápido. Já estava à espera!” A Mariana diz-nos que ao contrário da Marta só fez esse trabalho de reflexão e consciencialização quando chegou a Portugal. “A primeira semana foi muito difícil. Voltei à minha realidade, mas o choque foi grande porque deixei para trás aquelas pessoas”.
Perguntei-lhes se tinham vindo diferentes. Para a Marta “talvez sim, a realidade que vivi mudou a minha forma de olhar para certos assuntos” A Mariana acha que não vem diferente, mas “mais consciente de si própria e do que a rodeia, mais clarificada”! Quando regressaram não sentiram que tinham perdido por terem regressado, sentiram que tinham ganho porque aprenderam a partilha, consciencializaram a sua importância e a do outro num país e numa realidade diferentes. A vontade de voltar fica. Revisitar aquele país e aquele povo. Mas, voltar a participar num outro projeto idêntico é uma ideia ainda longínqua porque o apego ao Medicina Mais Perto: Moçambique é ainda muito grande!
size="10"
E se numa frase pudessem adjetivar esta experiência ela seria…..
Ubunto | Eu sou porque nós somos.
size="10"
[su_slider source="media: 26261,26262,26263,26264,26265,26266,26267,26268,26269,26270" limit="25" link="image" target="blank" width="480" height="360" responsive="no" title="no" pages="no" autoplay="0" speed="5000"]
size="20"
Ana Raquel Moreira
Equipa Editorial