Investigação e Formação Avançada
E se o tempo parasse? - Uma investigação de Carmo Fonseca e Bruno de Jesus
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A 9 de Janeiro a revista Nature Communications publica o resultado de uma investigação do Laboratório da Profª Carmo Fonseca.
Poucas horas depois cria-se forte expetativa de se conseguir abrandar a passagem do tempo e minizar os efeitos do envelhecimento.
Podia ser apenas uma questão de estética, mas é muito mais sério que isso. Doenças como o Alzheimer podem vir a ser travadas.
A imprensa pulverizou a notícia, mas era imperativo ouvir Carmo Fonseca e Bruno de Jesus, os dois coordenadores desta investigação.
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Carmo Fonseca: Deixe-me só dizer, antes de mais nada, que o papel da nossa Faculdade não se pode limitar a dar aulas aos alunos de Medicina, mas tem também de ser um local de cultura para a investigação. Para isso é preciso ter investigadores e dar-lhes condições quer de infra estruturas, quer de liberdade para eles seguirem as suas próprias ideias. E este é um exemplo excelente porque o Bruno é um investigador que fez a sua formação pós-doutoral em Espanha, num laboratório que estava muito focado nos processos de envelhecimento. Depois quando veio integrar a minha unidade, tentámos encontrar convergências científicas.
O meu laboratório e toda a minha vida tem sido dedicada ao RNA, é uma molécula que é o ácido ribonucleico, um transmissor de informação entre os genes e as proteínas. Um dos meus grandes objetivos científicos é compreender os mecanismos em que o RNA está envolvido e como é que nós podemos manipular estes processos. E foi neste sentido que surgiu a descoberta, mas ao longo do seu processo que demorou vários anos, foram envolvidos no trabalho estudantes de mestrado e de Medicina. Isto mostra bem a vantagem de nós, na Faculdade de Medicina, termos uma Instituição com o Instituto de Medicina Molecular que promove o tal caldo facilitador da descoberta para um grande número de pessoas. Claro que os estudantes de Medicina devem ser atraídos e estão presentes, um dos coautores da publicação que veio agora a público, é uma ex-aluna de Medicina que está agora em Vila Franca a fazer o internato, a Catarina Vale. Temos ainda dois estudantes de mestrado de outras faculdades e a participação do Sérgio, um técnico da Faculdade, e que dava apoio às aulas práticas laboratoriais dos alunos de Medicina, mas também participa em investigação aqui. Assim se realça como a Faculdade de Medicina está a desempenhar o seu papel e a sua missão.
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Bruno de Jesus: Eu tinha feito o meu pós-doutoramento em Madrid e achei que estava na altura de regressar. Estive dez anos fora do país e tive o feeling que estava na altura certa de regressar. A Professora Carmo já tinha uma colaboração a decorrer com os responsáveis do laboratório de Madrid da Maria Blasco e o Manuel Serrano e isso acabou por me ajudar a escolher o laboratório em Portugal. Também é verdade que eu queria vir para um Instituto dinâmico e o iMM é dos Institutos mais dinâmicos de Portugal. A aproximação foi da minha parte em procurar a Carmo Fonseca.
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Carmo Fonseca: Não sou eu que faço convites, são as pessoas que me escolhem. O meu papel aqui é ser mentora, geralmente são os jovens que escolhem os seus mentores.
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Bruno de Jesus: As sinergias dos interesses podem precisar de ajustes. Os interesses da Carmo são mais focados para a biologia do RNA, ou seja, a ciência mais pura e dura e os meus são olhar mais para o organismo. Olhamos para os ratinhos e percebemos como é que os processos de envelhecimento ocorriam. Depois de análise bibliográfica começamos a olhar para RNA’s específicos e como se comportavam esses RNA’s num modelo de envelhecimento mais simples e que podia ser feito aqui, em vez de olhar para um organismo inteiro olhamos para as células. Mas as células acabam por ser um bom modelo do envelhecimento, ou seja, nós envelhecemos porque as nossas células envelhecem, os tecidos envelhecem. Foi por aqui que começamos então, tentando perceber a diferença entre uma célula velha de ratinho e uma embrionária, ou seja, muito jovem. O mesmo tipo de células, os fibroblastos são células da pele e encontram-se em ratinhos muito jovens e em muito velhos. O que é que separa as duas? Com os RNA’s especiais e foi aqui que a parte da Carmo entrou. Estes RNA’s “especiais”, são quase únicos porque não levam à formação de proteína, funcionam só pela sequência, pelo RNA em si. E foi então aí que descobrimos que alguns RNA’s tinham comportamentos diferentes entre os dois modelos, entre as células muito velhas e as células embrionárias. Olhamos para um específico e foi por aí que começámos. Isto significa que se alterássemos os níveis deste RNA nas células muito velhas, este RNA era mais expresso nas células velhas do que nas jovens. E se nós baixássemos os níveis de RNA nas células, será que ela se aproxima ao comportamento das células mais jovens? Foi essa a nossa pergunta. Há várias técnicas para se saber o que distingue uma célula nova, de uma velha. Nós focamo-nos na reprogramação celular, que é uma descoberta feita em 2006 onde viram que era possível converter uma célula adulta numa célula pluripotente induzida, semelhante às células estaminais. Era possível reverter uma célula já adulta, numa célula embrionária com características de pluripotência, ou seja, com capacidade para levar à formação de outros tecidos. Este processo funciona muito bem em células jovens, mas o envelhecimento é uma barreira para esta conversão. Então estudámos este RNA específico e se, diminuindo os níveis deste RNA, conseguíamos levar a converter as células muito velhas em células estaminais. Foi esse o protocolo que testámos e funcionou. Basicamente quando diminuímos níveis deste RNA, conseguimos converter células muito velhas em células pluripotentes induzidas. As células são semelhantes às células estaminais e poderão ser usadas para diferenciar em todos os tecidos adultos.
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Colocada a pergunta, quantos anos a testaram até encontrar uma resposta?
Carmo Fonseca: O projeto em si demorou 4 anos, porque vinha de um modelo bom. Isto foi daquelas experiências “eureka”, porque o Bruno olhou, analisou e disse “olha se calhar isto é um bom alvo a atingir”. E quando fez a experiência, aquilo deu logo resultado à primeira.
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Quando se chega à ideia de “eureka”, há uma explosão de alegria, não?
Carmo Fonseca: Depois da descoberta e da primeira explosão de alegria vem a repetição e nova repetição. Depois é preciso convencer e provar aos outros que se está certo. Era tão incrível que pessoas diferentes fizeram a mesma experiência para comprovar que estava certa. Agora o grande teste para nós é que outros investigadores, de outros laboratórios, peguem nisto e usem e repitam.
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Isso não vos tira o protagonismo, nem a patente da descoberta?
Carmo Fonseca: Não, não, só solidifica. Uma descoberta que não é usada por outros é um beco sem saída e é sempre diferente serem outros investigadores a pensar noutras utilizações. Como têm ideias diferentes vão usar isto em perspetivas que nós não pensamos.
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Em que direção caminhamos? Esta descoberta vai refletir-se como?
Carmo Fonseca: A tentativa é aplicar em humanos. É o que todos querem saber, se funciona em humanos, a vários níveis, porque como nós conseguimos reverter estas características das células da pele, as pessoas dizem que se criará um creme que vai reverter a pele velha. Talvez, não sabemos! É preciso fazer ensaios agora dirigidos para essas aplicações.
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Mas esta descoberta é muito mais séria do que isso. Podem travar doenças…
Carmo Fonseca: A estética talvez seja uma das aplicações mais fáceis, porque, por exemplo, para ajudar doentes com Alzheimer é preciso fazer novos neurónios e implantá-los no cérebro. Isso é possível já se estão a fazer experiências nesse sentido, em modelos animais. É neste sentido que a Medicina está a evoluir, na vertente da Medicina Regenerativa e o seu princípio de base é substituirmos as peças velhas do organismo, por peças novas. Portanto, se temos uma doença em que são os neurónios a degenerar, vamos por neurónios novos para substituir aqueles que estão doentes, ou os que morreram. Há um enorme avanço nesta área, o cérebro é um e o outro alvo é o coração. É tentar, nos doentes com enfarte do miocárdio, colocar uma parede nova no coração. Ou seja, falamos sempre de situações em que se possa reverter morte celular. As doenças neurodegenerativas são sempre muito frequentes. Mas, podemos pensar em diabetes e substituir o pâncreas, podemos pensar em doenças das articulações, dos ossos, tudo o que seja mau funcionamento das células normais do corpo podem, potencialmente, vir a beneficiar deste tipo de Medicina Regenerativa.
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O que é que se segue para vocês enquanto equipa e nesta investigação em concreto?
Bruno de Jesus: Em seguida é testar o potencial paralelismo com a situação humana, com as células humanas, ou seja, se a molécula que nós descobrimos tem a mesma função em células humanas, se funciona como barreira. Depois daqui para a frente talvez os meus interesses e os da Carmo se afastem um pouco…
Carmo Fonseca: Exatamente, isto é a história da Ciência. O Bruno veio para a minha unidade de investigação porque ainda queria ter algum tipo de mentorship, ou seja, queria ter um mentor. Mas agora ele vai voar sozinho e vai levar esta descoberta com ele. Portanto, nós estamos num ponto de separação e bifurcação. O Bruno neste momento já procura a sua posição independente.
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Este é o processo normal? É bom sinal quando se parte?
Carmo Fonseca: É isso mesmo. E eu fico muito contente por este percurso. Fico contente por ter sido um bom mentor porque o Bruno sai daqui com uma história muito interessante.
Bruno de Jesus: E eu também. Mas há sempre projetos em que continuamos a trabalhar juntos. Os interesses principais é que agora seguem caminhos diferentes. A etimologia do RNA acaba por ficar aqui, ou seja, é a parte mais mecanística, como é que funciona, a nível mesmo celular. E depois é aquela parte mais geral das barreiras, o envelhecimento, é algo que tem de ser olhado mais de fora da célula. Temos de olhar para a célula e ver se ela é igual, maior, ou mais pequena e é por aí que vamos mudar caminhos. Eu continuo mais na parte das características gerais do processo de envelhecimento, mas fora do mecanismo do RNA.
Carmo Fonseca: Enquanto que eu me interesso muito pela possibilidade de manipular RNA e ainda estamos à procura de outros RNA’s deste tipo. Porque do ponto de vista científico esta descoberta vai para além da descoberta da reversão do envelhecimento. A maneira como nós fizemos a reversão implica mexer em moléculas que não sequenciam e eu estou muito interessada em explorar essa componente. Estas moléculas novas, não é uma molécula de RNA habitual, é um tipo de RNA raro, mas não único. Nós estamos à procura de ver os “primos”, ou os “irmãos” e ver o que andam a fazer. Este é o lado que eu, enquanto cientista de RNA, vou continuar a explorar. E eu penso que o Bruno vai estar mais interessado agora nos efeitos da reversão do fenótipo velho.
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Uma descoberta só ganha forma real após publicação científica oficial?
Carmo Fonseca: Ela só ganha forma verdadeiramente se for utilizada por outros. Neste momento nós divulgamos a nossa descoberta ao mundo e agora pode ser uma daquelas curiosidades que mais ninguém explora, só nós. Ou, se realmente outros encontrarem a novidade suficiente da descoberta e a usarem, podem então levar a descoberta muito mais longe e com consequências que nós não podemos prever. Serão outras cabeças a ter ideias sobre este assunto. Este é o processo da Ciência, cada investigador sobe um degrau e depois os outros investigadores, sob esse degrau, dão o próximo passo.
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Então não há um laboratório detentor de uma ideia e dono dela? As descobertas são projetos de equipa que vão "de mão em mão"?
Carmo Fonseca: A Ciência é muito isso.
Bruno de Jesus: A publicação não é uma patente, é disseminar os nossos dados ao público. Podem explorar e seguir para outros pontos de descoberta, ou pegar nas mesmas técnicas e repetir métodos. A publicação não é uma proteção de resultados.
Carmo Fonseca: A primeira submissão deste trabalho foi feita em 2016 e o Bruno já andava a ficar ansioso…
Bruno de Jesus: Era muita pressão.
Carmo Fonseca: Mas como era um resultado muito inesperado, pediram-nos ainda mais repetições. Passámos desde 2016 e até agora a fazer mais experiências que os nossos pares, ou outros investigadores, quiseram para se convencer que isto era verdade. E só depois de termos passado esse crivo é que surgiu a publicação.
Bruno de Jesus: Não correu nada mal no fim.
Carmo Fonseca: Correu muito bem, mas houve dias em que estávamos aqui numa tensão...
Bruno de Jesus: É normal que queiram confirmar porque há publicações que são lançadas com erros e pede-se cada vez mais a certeza de que, o que é publicado seja correto.
Carmo Fonseca: Por vezes há observações que acontecem e que quando outra pessoa, noutro laboratório, vai tentar repetir, falha. A comunidade científica quer defender-se desse tipo de notícias falsas.
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Joana Sousa
Equipa Editorial