Reportagem / Perfil
As subtilezas do cérebro a um passo de serem descobertas por uma Startup
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Encontramo-nos no terraço do Instituto de Medicina Molecular (iMM), enquanto almoça à pressa algo saudável que transporta no saco. Estamos em novembro, mas o sol persiste. Espontânea e comunicativa, caracteriza-se a ela própria como otimista e resiliente, características que a trouxeram para Portugal e a têm mantido por cá. Veio há três anos do King’s College, em Londres, onde viveu doze anos, se dedicou à investigação e ainda chegou a dar aulas. Em Londres espreitava imagens do cérebro com esquizofrenia, cá estuda em que medida os nossos comportamentos têm uma explicação bioquímica mesmo que não tenhamos consciência de tal. Diana Prata tem 38 anos e é neurocientista cognitiva. Depois de ganhar uma prestigiada bolsa Marie Curie da União Europeia, para o seu primeiro projeto em Portugal, e um contrato de Investigador FCT, veio para o iMM com o projeto sobres as bases biológicas da cognição social em humanos. Docente Livre na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, tendo sido convidada de imediato pelo Diretor do Serviço de Radiologia, participa no ensino dando aulas em vários Doutoramentos e Mestrados da Universidade de Lisboa e no King’s College London e, como Professora Convidada, no ISCTE. Ganhou tmbém este ano o 3o prémio Marie Curie para a “cientista mais promissora” em inovação e empreendedorismo.
O que nos fez conversar foi a Startup em que está envolvida e que ganhou já alguns prémios. O último é patrocinado parcialmente pela Presidência da República, que a levou à Web Summit, à procura de novos investidores. Chama-se NeuroPsyCAD e é o projeto que pretende descobrir precocemente doenças neuropsiquiátricas como a de Alzheimer e de Parkinson, através de um software que analisa imagens do cérebro. Analisam-se as subtilezas cognitivas, que o olhar médico não deteta, e traça-se um resultado estatístico, com um diagnóstico.
Tudo está a ser desenvolvido para se chegar à meta em 2020, mas para isso serão precisas verbas que só um grande investidor conseguirá reunir.
Como nasce esta ideia de criar um sistema de inteligência artificial que sabe detetar precocemente doenças como a de Alzheimer e a de Parkinson?
Este já era um projeto de Doutoramento do Ricardo Maximiano (outro dos co-fundadores da NeuroPsyCad). Foi uma questão de oportunidade, porque já trabalhava com as mesmas técnicas para responder a outras coisas, nomeadamente no âmbito da esquizofrenia, no Instituto de Psiquiatria do King’s College, onde aprendi técnicas de neuroimagiologia e genética. O meu último estudo era tentar distinguir quais eram os jovens que sofrendo de ligeiros delírios paranoides, chegavam a desenvolver esquizofrenia ou não. Para tentar prever, olhava para o cérebro do jovem, bem como para os antecedentes familiares e psicológicos e punha todos esses elementos numa equação, num algoritmo. O mesmo se aplica agora ao Alzheimer, com as imagens do cérebro. Ora eu estava a estudar estas técnicas enquanto o Hugo Ferreira (CEO e co-fundador da NeuroPsyCad) e o Ricardo estavam a criar essas técnicas. Foi esse é o nosso «casamento». Eu estava habituada a recolher imagens cerebrais dos pacientes e a analisá-las com software criado por engenheiros. Então o Hugo, que, por sua vez, desenvolvia esse tipo de software, parecia um parceiro ideal, e veio ter comigo e perguntou: “não queres fazer o programa da Cohitec?” Passámos a ir a esse curso de empreendorismo de seis meses e ganhámos cem mil euros da Caixa Capital, isto em 2016. Em Maio de 2017 pudemos abrir a empresa e criar emprego a quatro pessoas.
O que é um algoritmo?
Um algoritmo é uma equação em que entram várias variáveis. Um exemplo: quando somos crianças, aprendemos o que é uma mesa mas ninguém nos disse como reconhecer uma, isto é, que é por ter 4 pernas, ou um tampo, etc. Até porque nenhuma dessas características seria suficiente para identificarmos uma mesa (e, por exemplo, distingui-la de uma cadeira). Sozinhos aprendemos que é um padrão de características. Este padrão é como uma equação de variáveis, incluindo, o facto de ter um tampo, a altura das pernas, o contexto onde a suposta mesa está… ou seja, é a combinação de tudo que compõe a nossa ideia de “mesa”. O que o nosso cérebro faz é automaticamente e por pura exposição, em criança, a exemplos de mesas (e cadeiras) descobrir esse padrão discriminatório. É o nosso algoritmo de reconhecimento de padrões para as mesas, e embora precise de exposição a exemplos do ambiente, esta capacidade está codificada nos nossos genes.
Nós tentamos usar as imagens do cérebro, e construir estes algoritmos com características dessas imagens, para aproveitar ao máximo a informação que a pessoa tem lá dentro, sobre a presença de uma doença de Parkinson e de Alzheimer. A ressonância magnética dá-nos a imagem e há que interpretá-la de forma estatística, o que não é possível com os nossos olhos.
Vamos conseguir atrasar as doenças de Alzheimer e Parkinson?
Estes diagnósticos não curam, claro, mas ajudam a indicar ao médico qual o tratamento que alivia mais eficazmente os sintomas e o mais cedo possível, e assim trazer maior qualidade de vida a estes doentes. É uma forma de atrasar a severidade da doença. Queremos dar mais confiança ao médico para que ele diagnostique a doença mais cedo e a partir daí decida o melhor tratamento.
Na doença de Parkinson, 10 a 17% dos casos que estão diagnosticados como tal e que parecem Parkinson, na realidade não são, porque não têm o défice dopaminérgico que é a causa da doença de Parkinson. Estes doentes não estão a ser bem tratados e há efeitos secundários, para além de mais custos. Hoje em dia, há até um tipo de exame que distingue estas doenças no início, só que é cinco vezes mais caro e que se chama DATScan, uma técnica em que é preciso dar uma injeção de radiofármacos e um tipo de scanner que é muito menos acessível (porque há poucos). No caso do Parkinson, com menos custo, conseguimos fazer um diagnóstico conclusivo e mais barato podendo iniciar-se o tratamento do paciente de acordo com o que ele realmente tem.
No caso da doença de Alzheimer, a dúvida é se o declínio cognitivo ligeiro que a pessoa tem, é um mais natural e gradual, comparado com um Alzheimer que tem alterações a nível cerebral que só se podem ver conclusivamente post mortem e em que o declínio é muito mais rápido, incapacitante e severo. Os médicos numa fase inicial da doença não conseguem distinguir estes dois tipos, ou prever a evolução. Neste caso o que os médicos fazem é olhar para um scan e comparar com uma imagem memorizada que têm e que aprenderam que era sinal de Alzheimer. Se a doença já estiver num estado avançado é mais fácil ver as alterações cerebrais, mas não é aí que queremos ajudar. Nós queremos é ajudar o paciente que apresenta as primeiras queixas, onde as alterações cerebrais ainda são subtis e muito espalhadas, e se torna mais difícil para o médico, diagnosticar.
Por isso usamos algoritmos de inteligência artificial que são especialmente bons em detetar padrões de pequenas alterações. Os tais algoritmos de reconhecimento de padrões ou de aprendizagem automática. Este software consegue, aprender com os dados que lhes disponibilizamos. Se lhe dermos imagens de cérebros de pacientes doentes com Parkinson e outros sem este défice dopaminérgico, começa a aprender qual é o padrão de pequenas alterações que consegue discriminar as duas condições.
No final, o que providenciamos ao médico é uma probabilidade de o doente ter a doença. No futuro creio que vai poder aplicar-se a mesma solução para o diagnóstico da esquizofrenia, autismo ou depressão.
Porquê a escolha destas duas doenças?
Percebemos que o trabalho nestas doenças nos estava a dar bons resultados, e são aquelas em que os médicos já estão mais habituados a fazer scans. Outra vantagem destas técnicas de inteligência artificial, é que não precisamos de nos restringir ao prior knowledge, pois os algoritmos aprendem com base nos dados e não com o que lhe estamos a dizer para escolher. Poder-se-á até descobrir mais sub-tipos de doenças ou outro tipo de doenças para além daquelas que se imagina. Por exemplo, havendo algumas doenças com o mesmo sintoma, indistinguíveis pelo olho médico, o software pode encontrar um padrão que distingue três subtipos diferentes da mesma doença. Ou também pode encontrar um padrão que distinga, antes de prescrever tratamento, dois grupos de pacientes com o mesmo diagnóstico e quadro de sintomas, mas que respondem melhor a fármacos diferentes. Num grupo, a medicação pode funcionar de uma forma e no outro nem funcionar, por exemplo.
Como reage o médico às descobertas de um cientista?
Os médicos terão mais confiança na sua decisão, sendo-lhes disponibilizados mais relatórios, como o nosso, para apoiar a decisão terapêutica, tornando-a mais objetiva. É o médico que pede este exame e depois é ele que faz o acompanhamento após exame, logo não substituímos o médico.
Onde fica o fator humano no meio do progresso da inteligência artificial?
O médico precisa de aconselhar, acompanhar. O médico tem, no mínimo, um efeito placebo através da empatia e isso é insubstituível. Um software ou robot não sabe criar cumplicidade. Pode ser programado por nós para aparentar cumplicidade, devolver um sorriso por exemplo, mas é uma empatia falsa, muito difícil de convencer um humano tao bem como outro humano. A metacognição, que é “eu sentir ou saber que tu sabes que eu sei...”, na minha opinião, não é possível ser alcançável entre um humano e um robot.
Foto: Tiago Figueiredo
Joana Ferreira de Sousa
Equipa Editorial