Notícias FMUL
A evolução da reforma do currículo da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa
As instituições são organizações vivas e portanto, em constante evolução. Isto é o caso das Universidades e, naturalmente, também das Faculdades de Medicina. Em geral, a evolução deste tipo de instituições não se desenrola de um modo uniforme mas por fases em que, muitas vezes, é a própria instituição que começa por se interrogar sobre o seu próprio modo de funcionamento, para depois iniciar um processo de reforma pela qual pode alcançar um novo estádio de aperfeiçoamento do seu desempenho. Isto foi o que se passou com a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL) em 2005.
Reconhecendo que a capacidade de auto-reforma das instituições é muito limitada, a FMUL pediu a três especialistas, estranhos à organização, que fizessem um diagnóstico do currículo médico vigente na altura e recomendassem medidas adequadas para melhorar o ensino da Faculdade. Assim se constituiu uma Comissão ad-hoc formada por três especialistas para a qual fui convidado, juntamente com os Professores Alistair Warren do “Department of Biomedical Science” e director de “Undergraduate Studies and the Learning and Teaching Development” da Faculdade de Medicina da Universidade de Sheffield (UK) e Joseph Gonnella, Director do “Center for Research in Medical Education and Health Care e “Dean Emeritus, Jefferson Medical College of Thomas Jefferson University”, Philadelphia (USA). Os três elementos da Comissão têm experiência internacional quanto à organização de currículos em Medicina, incluindo em Portugal, pois pertencem à comissão de acompanhamento do novo currículo médico da Universidade de Braga, desde há 8 anos. O director da FMUL pediu a esta Comissão que fizesse uma análise do currículo e, nessa base, propusesse recomendações sobre a reforma do currículo médico da FMUL.
Em poucas palavras, o diagnóstico feito por esta Comissão, em Fevereiro de 2006, foi simples: a FMUL não estava a acompanhar a evolução do ensino médico que se vem desenrolando em muitas outras Faculdades no estrangeiro, desde há cerca de 30 anos. Mais especificamente, a FMUL não introduziu nem o modo de ensino integrado, em lugar do modo clássico do ensino das disciplinas isoladas umas das outras, nem o ensino prático centrado em problemas clínicos desde os primeiros anos do currículo, nem um sistema de avaliação contínua dos estudantes, nem tão pouco um sistema de monitorização adequada dos docentes. Em termos gerais, a Comissão identificou 6 pontos cruciais para os quais chamou a atenção da Faculdade:
“1) Lack of a framework for the Medical Curriculum in general;
2) Insufficient system of communication between Faculty;
3) Too heavy load for staff (and students) with secondary issues;
4) Lack of a comprehensive assessment strategy (staff and students);
5) Necessity to establish an Executive Curriculum Committee;
6) Necessity to modernize the methods of selection and recruitment of new Faculty.”
Estas constatações levaram esta Comissão ad-hoc a fazer um número de recomendações práticas, no sentido da FMUL ultrapassar gradualmente as limitações identificadas e criar um novo currículo compatível com a evolução das ideias sobre o ensino médico neste princípio do século XXI. Evidentemente, que competia à FMUL definir os objectivos desta evolução curricular e organizar o processo para introduzir novas formas e metodologias de ensino. A Direcção da FMUL foi célere e firme na sua decisão de promover a implantação dos novos princípios de organização do currículo logo no ano lectivo de 2006/7.
Tive o privilégio de ser convidado para presidir à Comissão de Acompanhamento da reforma curricular dos 3 primeiros anos assim iniciada. Apesar das naturais hesitações iniciais e das dúvidas da parte de alguns membros da Faculdade, se o caminho traçado para a reforma curricular traria benefícios reais, devo dizer que a Comissão de Acompanhamento e os seus associados enfrentaram esta tarefa complexa com determinação e em bom espírito colegial.
Passados 3 anos sobre o início deste processo reformador, a direcção da FMUL solicitou de novo a colaboração da Comissão ad-hoc no sentido de fazer uma análise crítica de como este processo tem evoluído e de como a reforma do ensino nos 3 primeiros anos se deve articular com a fase final do currículo. Assim, a Comissão ad-hoc voltou a visitar a FMUL desta vez sem a presença do professor Joseph Gonnella por impossibilidade logística.
A Comissão constatou com satisfação que a FMUL tinha feito um esforço considerável para introduzir reformas significativas na organização do ensino dos primeiros 3 anos, o qual é, sem qualquer dúvida, muito meritório. Em contraste com a reforma da organização, caracterizada pela introdução do regime semestral e dos módulos integrados, a Comissão deparou com pontos fracos quanto à forma como estas reformas têm sido implementadas. Nomeadamente, a Comissão apontou uma deficiência essencial quanto ao grau de integração de vários módulos, a qual se tornou evidente pela simples análise de alguns exames de módulos, os quais são uma soma de exames parcelares e demonstram que o processo de integração das várias disciplinas dentro desses módulos não foi ainda efectuado na prática. A falta desta integração resulta num efeito contrário ao desejado. Isto é um acréscimo da carga dos estudantes que acabam por ter exames de 4 disciplinas em simultâneo em vez de um exame unificado em que poderiam demonstrar como eles próprios são capazes de recorrer a conhecimentos de natureza variada para resolver um problema concreto. Ao que parece, na avaliação do desempenho dos estudantes continuam a prevalecer os exames de conhecimentos factuais, ou até enciclopédicos, em lugar de testes dirigidos a determinar a capacidade dos estudantes de resolverem problemas.
Para além desta limitação essencial a Comissão constatou que os 6 pontos considerados cruciais em 2006 persistem em 2009, o que evidentemente é um motivo de preocupação, embora seja compreensível que 3 anos é pouco tempo para realizar reformas profundas, embora muitas já tenham sido realizadas com êxito. A Comissão está bem consciente do grau de dificuldade que a Faculdade tem encontrado em realizar as mudanças que entretanto foram sendo planeadas, as quais obrigam a uma modificação de padrões tradicionais dos métodos de ensino que fazem parte de hábitos antigos.
A incorporação no currículo de Estágios em Centros de Saúde, que começaram no passado ano lectivo e que vão repetir-se em anos seguintes, é um passo muito meritório e vem no sentido de alargar as bases do Ensino Médico para além de um ensino tradicional centrado no Hospital Universitário ou afim.
Este processo de mudança seria certamente facilitado se a Faculdade pudesse adquirir novos docentes treinados nas formas contemporâneas das metodologias do ensino médico. Neste sentido é importante que membros da Faculdade sejam expostos a estas formas de ensino através de estágios ou visitas a Faculdades onde estas metodologias já foram implementadas há anos. Igualmente será muito útil a criação de uma Unidade de Ensino Médico com o objectivo de, não só monitorizar a avaliação de estudantes e o desempenho de docentes, mas também para funcionar como guia para o desenvolvimento de novas metodologias de ensino e aprendizagem dedicadas à Faculdade e à formação de docentes e tutores. Isto poderia ser realizado se esta Unidade tivese um alto nível profissional e a autoridade adequada.
Para além dos aspectos mais técnicos de como aperfeiçoar a integração dos módulos e dos respectivos testes e de como monitorizar o desempenho dos estudantes de forma contínua, assim como dos docentes, um problema que se tornou evidente, quando a Comissão ad-hoc ouviu as apresentações respeitantes ao currículo dos últimos anos, foi que a Faculdade em sentido lato, como o conjunto de todos os professores, não formulou claramente a sua Missão mais essencial, isto é que tipo de médico a Faculdade pretende educar e introduzir na sociedade nos próximos anos. É importante realizar que estes médicos vão ser activos durante a primeira metade do século XXI, e que portanto vão ser confrontados com grandes modificações científicas, tecnológicas e sociais, as quais já estão em curso a ritmo acelerado.
É de salientar que, a Direcção da Faculdade apresentou uma visão global na qual a Educação Médica é sabiamente vista como uma Educação Médica Continuada da pré à pós-graduação para preparar os jovens médicos para um futuro de “life long learning” e promover a sua integração em equipas multidisciplinares. Na fase actual é importante que a Faculdade, comprendida como o conjunto dos professores com responsabilidades curriculares, faça sua esta visão, tirando daí as necessárias consequências práticas.
A evolução dos serviços de saúde nos países mais desenvolvidos aponta no sentido que os novos médicos têm de ser treinados, cada vez mais, como elementos de equipas multi-disciplinares mais do que profissionais individualistas e têm de ter grande capacidade para integrarem novos conhecimentos e técnicas avançadas em constante fluxo. O mais importante é educar o estudante de Medicina na sua capacidade de resolver problemas em vez de memorizar factos, e de saber procurar, avaliar e integrar informação mais do que ser um arquivo de conhecimentos enciclopédicos. O essencial é que o médico recém-formado obtenha na Faculdade as “competências fundamentais” necessárias para mais tarde poder evoluir nas várias direcções possíveis dentro do vasto campo da Medicina, desde a especialização em Medicina Familiar ou nas especialidades mais tecnológicas, e de escolher o seu campo de actividade profissional, o qual pode estender-se da Epidemiologia à Medicina laboratorial ou ao trabalho nos Trópicos. É este produto do currículo médico a que devemos chamar o “médico básico”.
O essencial para a Faculdade é definir quais são essas “competências fundamentais” que o “médico básico” deve ter adquirido no fim dos anos curriculares. Neste sentido um exemplo que conheço mais de perto é o esforço realizado, desde 2001, pelas 8 Faculdades de Medicina holandesas em conjunto, para formular essas “competências fundamentais” de modo a tornar os diversos currículos comparáveis não em termos do conteúdo curricular em pormenor, mas em relação ao objectivo final, a formação do “médico básico”. Estas medidas inserem-se num processo que vem sendo desenvolvido em vários países da Europa e América do Norte. Neste contexto, a referência mais acessível deve ser o documento “Tomorrow’s Doctors” que foi publicado no UK sob a égide do General Medical Council em 2003(http://www.gmc-uk.org/education/undergraduate/undergraduate_policy/tomorrows_doctors.asp) no qual os “standards for knowledge, skills, attitudes and behaviours that medical students should learn at UK medical schools” estão especificados juntamente com a argumentação que levou a estabelecer estes princípios gerais.
O diálogo com os professores da FMUL, responsáveis pelos últimos anos curriculares, trouxe ao de cima as suas preocupações quanto à capacidade da Faculdade de abarcar o aumento do número de estudantes, o qual parece estar a forçar os limites do que a Faculdade pode comportar. Isto por si só implica a introdução de métodos de ensino adequados com o recrutamento de uma rede de docentes/tutores, devidamente treinados e capazes de supervisar grupos pequenos de estudantes nos seus contactos com a prática clínica, tanto hospitalar como extra-hospitalar (“aprender trabalhando sob supervisão”). Estes grupos devem receber tarefas específicas que os estudantes podem realizar de forma autónoma e cujos resultados serão testados, por exemplo semanalmente, pelo docente/tutor ou outro supervisor. Os últimos anos do currículo devem ser organizados segundo níveis ascendentes de complexidade, tendo sempre presente o leque de capacidades que cada “médico básico” deve ter adquirido, sem pretender formar especialistas nos 6 anos do curso da Faculdade.
Em paralelo com a formação geral do “médico básico”, a Faculdade pode considerar a organização de um programa de Mestrados dedicado à formação de investigadores com orientações diversas. Muito oportunamente, já está incluída no novo currículo a possibilidade dos estudantes realizarem estágios dedicados a trabalhos de investigação científica devidamente supervisada. Estas possibilidades deveriam ser estimuladas e deveriam tornar-se a base dos programas de Mestrados científicos e de Doutoramento a desenvolver.
Um exemplo deste tipo de programa é o caso da Faculdade de Medicina da Erasmus University de Rotterdam, que oferece a um pequeno número de estudantes seleccionados pela sua motivação e pelas capacidades demonstradas durante o curso, os seguintes “Research Masters” (“Masters of Science”): em “Clinical Epidemiology and Clinical Research”, em “Molecular Medicine”, em “Neuroscience” e em “Infection and Immunity”; este último Mestrado só vai começar em Agosto de 2009. Em termos gerais o programa destes Mestrados ocupa 2 ou 2.5 anos, conforme o caso, mas é realizado em paralelo com o curriculo médico básico, o que só estudantes muito motivados e dotados são capazes de realizar.
Permito-me deixar aqui uma recomendação pessoal. Neste período em que a reforma curricular começa a criar raízes, a Faculdade deveria nomear um pequeno “Executive Curriculum Committee” de acordo com a recomendação # 5 do relatório de 2006 (de preferência com 3 pessoas, mas não mais de 5) com dois objectivos principais: propor (1) uma definição da Missão do Curso Médico da FMUL e (2) um modelo para a articulação entre as várias formas de ensino e as metodologias de avaliação e monitorização da reforma do currículo.
Fernando H. Lopes da Silva
Professor Emérito da Universidade de Amsterdam,
Professor do Instituto Superior Técnico,
Convidado da Faculdade de Medicina de Lisboa
30 de Março de 2009
Reconhecendo que a capacidade de auto-reforma das instituições é muito limitada, a FMUL pediu a três especialistas, estranhos à organização, que fizessem um diagnóstico do currículo médico vigente na altura e recomendassem medidas adequadas para melhorar o ensino da Faculdade. Assim se constituiu uma Comissão ad-hoc formada por três especialistas para a qual fui convidado, juntamente com os Professores Alistair Warren do “Department of Biomedical Science” e director de “Undergraduate Studies and the Learning and Teaching Development” da Faculdade de Medicina da Universidade de Sheffield (UK) e Joseph Gonnella, Director do “Center for Research in Medical Education and Health Care e “Dean Emeritus, Jefferson Medical College of Thomas Jefferson University”, Philadelphia (USA). Os três elementos da Comissão têm experiência internacional quanto à organização de currículos em Medicina, incluindo em Portugal, pois pertencem à comissão de acompanhamento do novo currículo médico da Universidade de Braga, desde há 8 anos. O director da FMUL pediu a esta Comissão que fizesse uma análise do currículo e, nessa base, propusesse recomendações sobre a reforma do currículo médico da FMUL.
Em poucas palavras, o diagnóstico feito por esta Comissão, em Fevereiro de 2006, foi simples: a FMUL não estava a acompanhar a evolução do ensino médico que se vem desenrolando em muitas outras Faculdades no estrangeiro, desde há cerca de 30 anos. Mais especificamente, a FMUL não introduziu nem o modo de ensino integrado, em lugar do modo clássico do ensino das disciplinas isoladas umas das outras, nem o ensino prático centrado em problemas clínicos desde os primeiros anos do currículo, nem um sistema de avaliação contínua dos estudantes, nem tão pouco um sistema de monitorização adequada dos docentes. Em termos gerais, a Comissão identificou 6 pontos cruciais para os quais chamou a atenção da Faculdade:
“1) Lack of a framework for the Medical Curriculum in general;
2) Insufficient system of communication between Faculty;
3) Too heavy load for staff (and students) with secondary issues;
4) Lack of a comprehensive assessment strategy (staff and students);
5) Necessity to establish an Executive Curriculum Committee;
6) Necessity to modernize the methods of selection and recruitment of new Faculty.”
Estas constatações levaram esta Comissão ad-hoc a fazer um número de recomendações práticas, no sentido da FMUL ultrapassar gradualmente as limitações identificadas e criar um novo currículo compatível com a evolução das ideias sobre o ensino médico neste princípio do século XXI. Evidentemente, que competia à FMUL definir os objectivos desta evolução curricular e organizar o processo para introduzir novas formas e metodologias de ensino. A Direcção da FMUL foi célere e firme na sua decisão de promover a implantação dos novos princípios de organização do currículo logo no ano lectivo de 2006/7.
Tive o privilégio de ser convidado para presidir à Comissão de Acompanhamento da reforma curricular dos 3 primeiros anos assim iniciada. Apesar das naturais hesitações iniciais e das dúvidas da parte de alguns membros da Faculdade, se o caminho traçado para a reforma curricular traria benefícios reais, devo dizer que a Comissão de Acompanhamento e os seus associados enfrentaram esta tarefa complexa com determinação e em bom espírito colegial.
Passados 3 anos sobre o início deste processo reformador, a direcção da FMUL solicitou de novo a colaboração da Comissão ad-hoc no sentido de fazer uma análise crítica de como este processo tem evoluído e de como a reforma do ensino nos 3 primeiros anos se deve articular com a fase final do currículo. Assim, a Comissão ad-hoc voltou a visitar a FMUL desta vez sem a presença do professor Joseph Gonnella por impossibilidade logística.
A Comissão constatou com satisfação que a FMUL tinha feito um esforço considerável para introduzir reformas significativas na organização do ensino dos primeiros 3 anos, o qual é, sem qualquer dúvida, muito meritório. Em contraste com a reforma da organização, caracterizada pela introdução do regime semestral e dos módulos integrados, a Comissão deparou com pontos fracos quanto à forma como estas reformas têm sido implementadas. Nomeadamente, a Comissão apontou uma deficiência essencial quanto ao grau de integração de vários módulos, a qual se tornou evidente pela simples análise de alguns exames de módulos, os quais são uma soma de exames parcelares e demonstram que o processo de integração das várias disciplinas dentro desses módulos não foi ainda efectuado na prática. A falta desta integração resulta num efeito contrário ao desejado. Isto é um acréscimo da carga dos estudantes que acabam por ter exames de 4 disciplinas em simultâneo em vez de um exame unificado em que poderiam demonstrar como eles próprios são capazes de recorrer a conhecimentos de natureza variada para resolver um problema concreto. Ao que parece, na avaliação do desempenho dos estudantes continuam a prevalecer os exames de conhecimentos factuais, ou até enciclopédicos, em lugar de testes dirigidos a determinar a capacidade dos estudantes de resolverem problemas.
Para além desta limitação essencial a Comissão constatou que os 6 pontos considerados cruciais em 2006 persistem em 2009, o que evidentemente é um motivo de preocupação, embora seja compreensível que 3 anos é pouco tempo para realizar reformas profundas, embora muitas já tenham sido realizadas com êxito. A Comissão está bem consciente do grau de dificuldade que a Faculdade tem encontrado em realizar as mudanças que entretanto foram sendo planeadas, as quais obrigam a uma modificação de padrões tradicionais dos métodos de ensino que fazem parte de hábitos antigos.
A incorporação no currículo de Estágios em Centros de Saúde, que começaram no passado ano lectivo e que vão repetir-se em anos seguintes, é um passo muito meritório e vem no sentido de alargar as bases do Ensino Médico para além de um ensino tradicional centrado no Hospital Universitário ou afim.
Este processo de mudança seria certamente facilitado se a Faculdade pudesse adquirir novos docentes treinados nas formas contemporâneas das metodologias do ensino médico. Neste sentido é importante que membros da Faculdade sejam expostos a estas formas de ensino através de estágios ou visitas a Faculdades onde estas metodologias já foram implementadas há anos. Igualmente será muito útil a criação de uma Unidade de Ensino Médico com o objectivo de, não só monitorizar a avaliação de estudantes e o desempenho de docentes, mas também para funcionar como guia para o desenvolvimento de novas metodologias de ensino e aprendizagem dedicadas à Faculdade e à formação de docentes e tutores. Isto poderia ser realizado se esta Unidade tivese um alto nível profissional e a autoridade adequada.
Para além dos aspectos mais técnicos de como aperfeiçoar a integração dos módulos e dos respectivos testes e de como monitorizar o desempenho dos estudantes de forma contínua, assim como dos docentes, um problema que se tornou evidente, quando a Comissão ad-hoc ouviu as apresentações respeitantes ao currículo dos últimos anos, foi que a Faculdade em sentido lato, como o conjunto de todos os professores, não formulou claramente a sua Missão mais essencial, isto é que tipo de médico a Faculdade pretende educar e introduzir na sociedade nos próximos anos. É importante realizar que estes médicos vão ser activos durante a primeira metade do século XXI, e que portanto vão ser confrontados com grandes modificações científicas, tecnológicas e sociais, as quais já estão em curso a ritmo acelerado.
É de salientar que, a Direcção da Faculdade apresentou uma visão global na qual a Educação Médica é sabiamente vista como uma Educação Médica Continuada da pré à pós-graduação para preparar os jovens médicos para um futuro de “life long learning” e promover a sua integração em equipas multidisciplinares. Na fase actual é importante que a Faculdade, comprendida como o conjunto dos professores com responsabilidades curriculares, faça sua esta visão, tirando daí as necessárias consequências práticas.
A evolução dos serviços de saúde nos países mais desenvolvidos aponta no sentido que os novos médicos têm de ser treinados, cada vez mais, como elementos de equipas multi-disciplinares mais do que profissionais individualistas e têm de ter grande capacidade para integrarem novos conhecimentos e técnicas avançadas em constante fluxo. O mais importante é educar o estudante de Medicina na sua capacidade de resolver problemas em vez de memorizar factos, e de saber procurar, avaliar e integrar informação mais do que ser um arquivo de conhecimentos enciclopédicos. O essencial é que o médico recém-formado obtenha na Faculdade as “competências fundamentais” necessárias para mais tarde poder evoluir nas várias direcções possíveis dentro do vasto campo da Medicina, desde a especialização em Medicina Familiar ou nas especialidades mais tecnológicas, e de escolher o seu campo de actividade profissional, o qual pode estender-se da Epidemiologia à Medicina laboratorial ou ao trabalho nos Trópicos. É este produto do currículo médico a que devemos chamar o “médico básico”.
O essencial para a Faculdade é definir quais são essas “competências fundamentais” que o “médico básico” deve ter adquirido no fim dos anos curriculares. Neste sentido um exemplo que conheço mais de perto é o esforço realizado, desde 2001, pelas 8 Faculdades de Medicina holandesas em conjunto, para formular essas “competências fundamentais” de modo a tornar os diversos currículos comparáveis não em termos do conteúdo curricular em pormenor, mas em relação ao objectivo final, a formação do “médico básico”. Estas medidas inserem-se num processo que vem sendo desenvolvido em vários países da Europa e América do Norte. Neste contexto, a referência mais acessível deve ser o documento “Tomorrow’s Doctors” que foi publicado no UK sob a égide do General Medical Council em 2003(http://www.gmc-uk.org/education/undergraduate/undergraduate_policy/tomorrows_doctors.asp) no qual os “standards for knowledge, skills, attitudes and behaviours that medical students should learn at UK medical schools” estão especificados juntamente com a argumentação que levou a estabelecer estes princípios gerais.
O diálogo com os professores da FMUL, responsáveis pelos últimos anos curriculares, trouxe ao de cima as suas preocupações quanto à capacidade da Faculdade de abarcar o aumento do número de estudantes, o qual parece estar a forçar os limites do que a Faculdade pode comportar. Isto por si só implica a introdução de métodos de ensino adequados com o recrutamento de uma rede de docentes/tutores, devidamente treinados e capazes de supervisar grupos pequenos de estudantes nos seus contactos com a prática clínica, tanto hospitalar como extra-hospitalar (“aprender trabalhando sob supervisão”). Estes grupos devem receber tarefas específicas que os estudantes podem realizar de forma autónoma e cujos resultados serão testados, por exemplo semanalmente, pelo docente/tutor ou outro supervisor. Os últimos anos do currículo devem ser organizados segundo níveis ascendentes de complexidade, tendo sempre presente o leque de capacidades que cada “médico básico” deve ter adquirido, sem pretender formar especialistas nos 6 anos do curso da Faculdade.
Em paralelo com a formação geral do “médico básico”, a Faculdade pode considerar a organização de um programa de Mestrados dedicado à formação de investigadores com orientações diversas. Muito oportunamente, já está incluída no novo currículo a possibilidade dos estudantes realizarem estágios dedicados a trabalhos de investigação científica devidamente supervisada. Estas possibilidades deveriam ser estimuladas e deveriam tornar-se a base dos programas de Mestrados científicos e de Doutoramento a desenvolver.
Um exemplo deste tipo de programa é o caso da Faculdade de Medicina da Erasmus University de Rotterdam, que oferece a um pequeno número de estudantes seleccionados pela sua motivação e pelas capacidades demonstradas durante o curso, os seguintes “Research Masters” (“Masters of Science”): em “Clinical Epidemiology and Clinical Research”, em “Molecular Medicine”, em “Neuroscience” e em “Infection and Immunity”; este último Mestrado só vai começar em Agosto de 2009. Em termos gerais o programa destes Mestrados ocupa 2 ou 2.5 anos, conforme o caso, mas é realizado em paralelo com o curriculo médico básico, o que só estudantes muito motivados e dotados são capazes de realizar.
Permito-me deixar aqui uma recomendação pessoal. Neste período em que a reforma curricular começa a criar raízes, a Faculdade deveria nomear um pequeno “Executive Curriculum Committee” de acordo com a recomendação # 5 do relatório de 2006 (de preferência com 3 pessoas, mas não mais de 5) com dois objectivos principais: propor (1) uma definição da Missão do Curso Médico da FMUL e (2) um modelo para a articulação entre as várias formas de ensino e as metodologias de avaliação e monitorização da reforma do currículo.
Fernando H. Lopes da Silva
Professor Emérito da Universidade de Amsterdam,
Professor do Instituto Superior Técnico,
Convidado da Faculdade de Medicina de Lisboa
30 de Março de 2009